Na tarde em que o céu escureceu com a chegada de nuvens ameaçadoras, trazidas por um vento que assobiava e fazia bater portas e janelas, estava nos fundos de nossa casa, na Rua Barão e levei enorme susto quando um raio, acompanhado de forte estrondo, atingiu a cruz que encimava a Capela do Asilo São Vicente de Paulo. O baque foi violento, chegando a arrancar alguns tijolos. Alguém há de se lembrar deste acontecimento. Foi terrível! Fiquei imaginando o susto que o mau tempo pregou nos velhinhos. Assim que a chuva passou, com autorização de minha mãe fui correndo para lá, a fim de ver o estrago causado pelo furor da tempestade. Os velhinhos pareciam formigas assustadas. Todos olhavam para o alto da Capela e se benziam ao ver a cruz que ameaçava cair, mas que continuava firme como a obedecer uma imposição divina.
Ao tomar conhecimento do ocorrido, toda a vizinhança também começou a chegar, revelando preocupação e zelo. Afinal, o Asilo sempre foi nosso xodó. E todos, de alguma forma, passaram a fazer parte daquele agradável espaço. Nós não tínhamos geladeira. Provavelmente, nem o DR. Felix, o mais rico da cidade. E quando acabávamos de almoçar, a primeira providência era encaminhar o que sobrou para os velhinhos. Minha mãe era excelente cozinheira. Conseguia transformar os exóticos pratos da preferência de Isauro Moreira, nosso pai, em saborosos quitutes. Para eles, aquilo era um eterno “lamber de beiços” que nos obrigava a estabelecer revezamento para entrega.
Como não lembrar, também, das festas promovidas pelas Madres?! As crianças se juntavam aos velhinhos para saborear deliciosa macarronada, colocada em grandes bacias. A princípio estranhei a colocação do alimento nas bacias e, erguendo o “topete”, perguntei: madre, macarrão na bacia?! Na bacia, sim senhor! Foram doadas exclusivamente para isso, ouviu? E me abraçou ternamente. Mas, era muita gente, e só assim todos seriam atendidos. Ninguém ficava sem comer. Uma festa! Ali, entre flores e jardins e uma romãzeira como nunca vi e que parece ainda existir, estava plantada, também, a felicidade. Verduras e frutas jamais faltavam aos asilados porque, num terreno adjacente, compreendido entre as Ruas Barão e 4 de Março, pertencente ao Asilo São Vicente de Paulo, havia uma chácara muito bem cuidada por um velhinho que se chamava Leopoldo e que sempre dizia: enquanto eu tiver força, nada faltará para meus irmãos.
Tendo nascido em Taubaté, terra que ainda amo, estou acompanhando o drama vivido atualmente por um punhado de bravos conterrâneos em sua luta para a preservação da Capela e do que restou do antigo conjunto. Usei, ontem, o Mapa Google, para entrar na Rua Barão e me colocar frente ao Asilo. Depois de muito tempo, foi difícil conter as lágrimas ao perceber, como uma flechada, que grande parte, provavelmente cinqüenta por cento do recanto dos velhinhos já não mais existia. Na chácara, outrora portentosa, (que me perdoem os moradores) horrorosos espigões contrastando com a singeleza da Capela e do que restou do conjunto, agora, voltando a ser ameaçado com a apresentação de astucioso parecer de um historiador. Onde estão os velhinhos? Para onde foram? Estão sendo bem tratados? Duvido, duvido muito. “Eles atravancam o progresso”. “Temos mais é que derrubar a casa deles”. Não nos serve a experiência que acumularam através do tempo! Provavelmente, assim pensam os abastados e indiferentes construtores. E os museus, pra que museus? Monumentos…Isso não enche barriga!
A população deve se unir para dar um basta a este estado de coisas. Não vamos fechar os olhos. A ordem é cerrar fileiras em torno de um grande objetivo: dizer “NÃO” a quem nega que uma instituição criada a 2 de Julho de 1908 não faz parte da historia de nossa cidade.
[box style=’info’]Celio Moreira
conhecido também como O Sombra, do Jornal de Vanguarda, é um dos grandes profissionais de comunicação da história do jornalismo nacional.
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2 Comments
Meu amigo Celio Moreira , mais uma vez e com certeza incontáveis vezes que virão , parabéns pela belíssima crônica , como faz bem ler e recordar histórias ouvidas ou vividas! Mamãe aprendeu bordado lá e eu e minhas irmãs fizemos nossos estudos de Jardim the Infância e Pré Escola lá também! Amo esse lugar!
Obrigado , abraços amigos.
Está a salvo um pedaço the História Urbana e Social de Taubaté. A população cerrou fileiras e disse não! Agora, é aguardar a Prefeitura completar o processo e desapropriar em definitivo. Taubaté merece.
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