Os mais perfeitos jacarés
Finalmente o projeto e a planta da Biblioteca Sítio do Picapau Amarelo chegam às mãos de Lobato. O local escolhido para abrigar o empreendimento era junto à estação ferroviária de Taubaté, ao lado do dr. Parque Barbosa de Oliveira, local onde o criador da boneca Emília passou grande parte da infância. “A idéia de aproveitar para a biblioteca da Estação é ótima. Mas não contem com isso. O Poder Público logo engasga e fica na mesma. Como está na planta do Urbano já é ótimo – e será a primeira coisa original saída do cérebro de Taubaté”, alertava um desconfiado Monteiro Lobato.
(Optamos por manter a grafia original da carta)
Cesídio:
Cá me chegaram a fotografia do “meu prédio” e a planta do Sítio. Fora de caçoada: se vocês fazem aí uma coisa como a projetada, dão uma tacada linda, porque sei que as outras cidades estão de olho na idéia, e caso se realiza pensam em reproduzir o Sítio de Taubaté com outros pontos. Até no Rio Grande querem fazer um – e vocês os pais da Idéia ficaram imortais.
Sempre tive muito medo disso que se chama Poder Público; mesmo quando quer fazer bem, sai asneira e ônus para o povo. Será que o Poder Público de Taubaté vai constituir exceção? Esperemos. A idéia de aproveitar para a biblioteca da Estação é ótima. Mas não contem com isso. O Poder Público logo engasga e fica na mesma. Como está na planta do Urbano já é ótimo – e será a primeira coisa original saída do cérebro de Taubaté.
Se a D. Lenira está apoiando a idéia, não há receio de que venha a falhar. Conheço-a. É um encanto de criatura, uma verdadeira fada lá na Biblioteca Infantil da rua Major Sertório. A criançada adora-a, e o jornalzinho que a biblioteca mantém, todo feito pelas crianças, inclusive os desenhos e a mimiografagem – A VOZ DA INFÂNCIA – é o único jornal decente desta cidade, e o único que eu leio sem sentir enjôo nas tripas.
Não acredite em adesão da A. B. de Letras, porque está de mal comigo. Há tempos tive lá o Levi Carneiro, Presidente, perguntou-me: “Quando se apresenta para a Academia?” Respondi: “Quando for Presidente da República”. E agora consultaram-me se eu queria entrar. Respondi: “Sim, mas não de alijar de lá, a pontapés, e presidencial intruso”. Não percam tempo em pensar naquilo. É sem vergonha demais.
Muito melhor que o meu retrato será, para a linda menina, o livro que mando. Há bichinhos para ela ver, e mais tarde fábulas para ler.
Bom, fico ciente de que vocês vem no dia 28, e espero que me avisem e procurem; o Gentil passa temporadas aqui e não me dá a honra de ver-lhe a cara; e até o Urbano anda a me calotear. Esteve aqui e nada de Lobato. E no entanto andou lá pela Editora.
Adeus, caro Ambrogi. Vocês são os mais perfeitos jacarés que encontrei na vida.
Lobato.