O MAMOEIRO E O FIM DO PARAÍSO

 O MAMOEIRO E O FIM DO PARAÍSO

Texto de Celio Moreira

Alguém já disse que os bons momentos trazem felicidade e que, também, não devemos lamentar os maus momentos, porque estes nos dão experiência.

Desde pequenos, as chineladas no bumbum e os puxões de orelha representam o antídoto bem eficaz contra reinações. A orelha de uma criança, no caso, pode ser comparada a cravelha de um instrumento musical que precisa ser torcida para que a corda desafinada chegue ao tom desejado. Levei muitos puxões, ah, se levei!  Vejam bem a encrenca na qual me envolvi, colocando minha irmã como comparsa.

Nossa mãe era muito amiga de D. Estela, uma costureira a quem sempre confiava algum trabalho e que morava na Avenida 9 de Julho, junto ao bar da esquina da Rua Barão da Pedra Negra, onde residíamos.

Cruzamento entre a Av. 9 de Julho e Rua Barão da Pedra Negra
Cruzamento entre a Av. 9 de Julho e Rua Barão da Pedra Negra

Pois bem, toda vez que a gente ia levar um recado para D. Estela, quem primeiro aparecia era seu marido, Moacir, um homem de poucos sorrisos. Vinha caminhando lá dos fundos da casa e, antes de perguntar o que a gente queria, apoiava-se com uma das mãos no pé de mamão que havia plantado no pequeno jardim à frente da casa e do qual se orgulhava. Dava tapinhas no mamoeiro e dizia, olhando prá gente: “Isto aqui ainda vai dar bons frutos, macacada!” Mal sabia que aquilo era mamão macho. Os cordões (baraços) já começavam a despontar. Crianças engenhosas, como sempre, ficamos imaginando como quebrar aquela máscara dura que nos recebia sempre com o costumeiro azedume. E foi minha queridíssima irmã quem teve a brilhante idéia, aprovada por mim com louvor, já antevendo o sucesso da grande peça, simples e divertida que íamos pregar. Vamos serrar o pé de mamão! Genial, mana! Sensacional! Bem em baixo para que não perceba!   Como sempre, ele vai soltar o peso e se estabacar!  Já pensou o susto?!  Vamos nos divertir bastante.

 

Detalhe de um mamoeiro
Detalhe de um mamoeiro

Tratei logo de pegar o serrote de meu pai e mãos à obra!  Serrei bem rente ao chão.  Armada a arapuca, chegou a hora de agir. Se der um vento mais forte o mamoeiro cai e nosso plano vai por água a baixo! Quem vai bater palmas prá chamar D. Estela? Eu faço isso, disse minha irmã. Tenho mesmo que pedir uma informação à ela. Mas é bom você não aparecer. -Mas eu quero ver a cara dele, mana, quando desabar com o pé de mamão! Vai ter que ficar longe, ta? Seu Moacir não pode perceber que fomos nós.  Tudo bem, maninha, vou ficar distante.

Quando a Céa começou a bater palmas me plantei atrás do poste na esquina para acompanhar o desenrolar do grande acontecimento. Não demorou muito para a porta se abrir. E lá veio o homem que, antes de perguntar qualquer coisa, foi logo se apoiando no pé de mamão e, PLOFT!… Foram os dois para o chão!  Assustado, seu Moacir rapidamente se levantou e ficou uma fera ao ver que minha irmã não conseguia conter o riso. Ah, então foram vocês?! Estou vendo aquele reinador lá na esquina! Vou falar com seu pai, vocês vão ver! E falou mesmo. Assumi toda a responsabilidade e consegui livrar minha irmã das chineladas e dos puxões de orelha! E adiantou?

Acesso para o paraíso...
Acesso para o paraíso…

Dia seguinte, ainda com as orelhas quentes e doloridas, estava convidando os amigos para mais uma investida às galerias pluviais, rumo ao sítio que, carinhosamente, passamos a chamar de “Paraíso”. Desta vez, além de meu irmão e Aloísio, convidamos o “nariz na testa”, assim chamado veladamente por minha irmã, uma especialista em apelidar a criançada da redondeza. E como acertava!  Em verdade, o nariz de meu amigo, nem fale! Parecia, mesmo, haver se deslocado bem acima do lugar devido.

Nossas idas (via bueiro), agora eram feitas com muita tranqüilidade, tantas as vezes que lá fomos para apanhar gostosas frutas. E foi exatamente neste dia, no momento de maior despreocupação, quando já nos sentíamos praticamente donos absolutos do “Paraíso” que, inesperadamente, surge um português com um porrete na mão e esbravejando atrás de um vasto bigode: Antão são vocês, seus miseráveis?!  Foi aquela correria!  Tive que tomar rumo diferente, pois o dono do sítio se colocou entre mim e a boca da galeria, onde Aloísio parou descascando uma tangerina e, sorrindo, se dirigiu ao homem que espumava de raiva: Aceita um gominho, amigo? Ta ótima!

O bigode do português.
O bigode do português.

Quando todos se escafederam e o português transferiu o olhar fulminante em minha direção, pernas pra que te quero! E ainda esparramei as meninas que conversavam perto da boca do bueiro na Anízio Ortiz, por onde saí. Lá se foi nosso “Paraíso”!

[box style=’info’]Celio Moreira
celioconhecido também como O Sombra, do Jornal de Vanguarda, é um dos grandes profissionais de comunicação da história do jornalismo nacional.

 

 

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