O deputado que foi degolado
Angelo Rubim
Um engenheiro supostamente inexperiente é impedido, pelo padre que era político, de assumir o cargo para qual foi eleito em 1912. A disputa entre Fernando de Mattos e Valois de Castro foi longa e esse foi um dos vários casos. Entenda.
No passado, a política se dividia em dois grupos: os partidários do governo (a situação) e a minoria (a oposição). Raramente a oposição vencia e, quando acontecia, costumava fazer as mesmas coisas que antes criticava. O ilustre cronista taubateano Emilio Amadei Beringhs já escreveu sobre as eleições do passado.
Solução anti-oposição
Em 1899, durante o governo Campos Sales, foi criado um instrumento de fortalecimento da situação, a “Comissão Verificadora de Poderes”, conhecida popularmente como “Comissão da degola”. Esse instrumento, composto por um grupo de cinco deputados, tinha a atribuição de analisar os diplomas dos deputados e verificar a validade das eleições que os elegeram, conforme descrito no regimento interno da comissão. Na prática, a Comissão Verificadora se tornou um forte instrumento de manipulação dos resultados eleitorais, muitas vezes impugnando, sem pudor algum, a candidaturas da oposição.
Com a faca no pescoço
Nas eleições para deputado federal de 1912, o Comissão foi usada contra um candidato taubateano. Os candidatos de Taubaté receberam os votos do 4º distrito eleitoral e os mais votados foram o Mons. Valois de Castro, com 11.212 votos; o dr. Rodrigues Alves Filho, com 11.209 votos; Arnolpho Azevedo, com 11.124 votos; o dr. Costa Junior, com 10.882 votos; e o engenheiro Fernando de Mattos, com 5.598 votos. Desses, o mais e o menos votados eram taubateanos, sendo o último, da oposição.
Aqui vale uma rápida explicação: o Monsenhor Valois de Castro era um velho conhecido político taubateano. Figurou como elemento importante ao lado dos monarquistas quando a república se aproximava. Foi vereador em Taubaté, deputado estadual e deputado federal. O outro, Fernando de Mattos, era um republicano histórico, foi uma das lideranças políticas em Taubaté durante o governo de Marcondes de Mattos. Engenheiro renomado, foi o responsável pelo projeto de implantação do sistema de abastecimento de águas em Taubaté. Foi também delegado, fazendeiro e acionista das maiores indústrias da região. Nunca exerceu um cargo político eletivo, mas era conhecido nacionalmente.
O jornal “O Correio Paulistano”, de 12 de janeiro daquele ano lançou suspeitas sobre a candidatura de Fernando de Mattos. Segundo nota, um boletim distribuído em Taubaté apresentou o nome do candidato tendo como signatários um irmão, um sobrinho e dois empregados do engenheiro. Ainda na nota, o “Correio” descreve que “vem o nome do dr. Fernando de Mattos apresentando a candidatura do dr. Martim Francisco, advogado em Santos, para deputado por este districto”.
Rola uma cabeça
Por ser da oposição Fernando de Mattos foi “degolado”, como era dito a respeito dos candidatos que passavam pela “Comissão de Verificação” e eram reprovados em sua diplomação.
O “Correio da Manhã” publicado no Rio de Janeiro em 5 de fevereiro de 1912, revela alguns dos detalhes do que teria causado a degola de Fernando de Mattos:
“… foi apresentado regularmente suffragado o sr. Martim Francisco Filho, como competidor do correligionário Fernando de Mattos. Escrevemos propositalmente foi apresentado, porque o sr. Martim Francisco, ao menos que se saiba, não se apresentou diretamente ao eleitorado. Apresentaram-n’o”.
O jornal revela que Martim Francisco resistiu à candidatura, mas foi apresentado ao povo por uma série de cabos eleitorais e, nas eleições, recebeu pouco mais de 4 mil votos. O candidato escolhido pela Comissão Verificadora foi descrito pelo “Correio” como um “ardoroso advogado monarquista, ultimamente convertido a fé conservadora, por espírito de systematica oposição”.
A notícia ainda lança uma série de dúvidas:
“… corre por ahi um curioso boato. Diz-se que o illustre sr. Barão do Rio Branco, ministro das Relações Exteriores, é sympathico ao reconhecimento do sr. Martim. […] Em todo caso, apezar de ter sido muito favorecido pelos situacionistas […], o sr. Fernando de Mattos não goza da sympatia da maioria da futura bancada paulista, a começar pelo companheiro de districto, conego Valois de Castro.
Este torceu o mais que pôde pelo sr. Martim Francisco…”
Na edição de 28 de janeiro do “Correio” o caso já havia sido descoberto, colocando todas as responsabilidades da degola sobre o também taubateano Valois de Castro, sob o argumento da inexperiência de Fernando de Mattos. Vejamos a notícia:
“Quem provocou o episodio foi o padre Valois, que é politico a valer, procurou o alludido chefe para fazer umas sábias ponderações.
Achava s. ex. que o governo devia facilitar a entrada do sr. Martim Francisco, e não do sr. Fernando de Mattos, pela minoria.
O illustre chefe respondeu que, antes de qualquer consideração, diria que o Partido Republicano, o que importa dizer o governo, nada tem com os candidatos da minoria. Entre quem dizer, ou quem puder. O que o governo faz, com obediencia ao programma adoptado pelo Partido Republicano, é garantir a representação das minorias.
– De accordo – explicou o padre Valois – mas pela minoria poderia entrar o Martim Francisco, em vez do Fernando de Mattos…
– Por que?
– É mais preparado.
– Deixe lá os homens, meu amigo. A opposição faça o que entender. Si dependesse de mim, si a opposição me ouvisse, eu declinaria com franqueza as minhas preferencias. Quer você sabel-as? Como não igonora, são quatro districtos, não é verdade?
– Perfeitamente! – assentiu o padre Valois.
– Pois eu, si fosse o eleitorado da opposição, faria a seguinte escolha: primeiro districto, Carlos Garcia; Segundo, coronel Marcolino Barreto; terceiro, coronel Estevan Marcolino; quarto, dr. Fernando de Mattos.
– Então, o Raul Cardoso de Mello, o Raphael Sampaio, o Martim Francisco não merecem sua preferencia?
– Não. Acho-os preparados de mais. Deixe você que o quarto districto – a opposição, já se vê – eleja o Fernando de Mattos. O Martim Francisco iria dar trabalho a vocês, mesmo aos que não falam na Camara. O Mattos, não. O Mattos é o Mattos, seu Valois…”
Outra informação que vale nota é que a degola de Fernando de Mattos fazia parte de um processo iniciado em 1907, quando o grupo político do qual participava, sob a liderança do coronel Marcondes de Mattos, foi derrotado nas urnas e retirado do cenário político num processo que duraria quase vinte anos. O grupo do qual participava Valois de Castro, que tinha como líder o dr. Pedro Costa, permaneceu ditando as regras do poder até 1926, quando Felix Guisard assumiu a prefeitura de Taubaté. Mas isso é outra história.