Desintegração sobre rodas

 Desintegração sobre rodas
(via Revista de História)

Para economizar, o governo privilegiou a circulação de ônibus nas cidades brasileiras. Mas o barato saiu caro…

“Exército ocupa Niterói e restabelece a ordem”. A manchete estampada no Jornal do Brasil do dia 23 de maio de 1959 assusta. Era uma guerra civil? Um ataque inimigo? Não. O motivo da mobilização do Exército era algo mais cotidiano, mas que causa o mesmo sofrimento: controlar o resultado de um levante popular, fruto do descaso de anos de péssimos serviços de transportes públicos. A edição trazia detalhes do protesto ocorrido um dia antes, quando a população, revoltada com o serviço hidroviário, até então o único sistema que ligava a cidade de Niterói ao Rio de Janeiro, depredou e incendiou a estação e a residência da família que administrava o serviço. O episódio deixou seis mortos, 118 feridos e marcou na história a crise da mobilidade urbana nos grandes centros do país.

Esse não foi o primeiro nem foi o último caso de reclamação contra os péssimos serviços de transporte urbano, como bem o demonstram os protestos deste ano. “Não é à toa que naquele momento, como agora, o planejamento urbano tenha se apresentado como o remédio para os males de que padecia – e ainda padece – a cidade”, avalia o historiador da PUC-Rio e especialista na história carioca, Rafael Lima.

Segundo o professor, tradicionalmente o nosso sistema de transporte sempre ficou a desejar em termos de segurança, comodidade e, sobretudo, eficiência. “Já se foram o bonde e o lotação (espécie de tataravô das vans atuais) e, hoje, fica cada vez mais patente que o ônibus não dá conta de exercer o papel de principal modal de transporte de massa. No Rio de Janeiro, o transporte ferroviário, que poderia ser uma excelente alternativa, está abaixo da crítica e humilha seus passageiros, a tal ponto que revoltas e depredações das composições são comuns”, analisa.

A pressa de se buscar a integração nacional privilegiando o modal rodoviário, iniciado na década de 1950 pelo presidente Juscelino Kubitschek e aprofundado pela ditadura civil-militar como solução para a integração nacional, é visto por historiadores, e também por arquitetos e engenheiros de Transportes, como uma das principais causas para o nó na mobilidade urbana a que assistimos hoje nas grandes cidades.

“Optamos pelo modal mais barato, mas não o mais eficiente. O sistema ferroviário é dez vezes mais caro que o rodoviário, por isso a escolha histórica pelas estradas e pelos automóveis em detrimento dos trilhos”, explica o professor do Ibmec-Rio, Altair Ferreira Filho.

Hoje, o trem, que teve sua morte decretada em ritmo lento há cerca de 40 anos, volta à cena contemporânea por trás de modernas tecnologias: monotrilho, Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), Trem Bala, além do conhecido metrô. Uma renovada, porém já conhecida solução para o fim do estresse urbano e diário dos 165 milhões brasileiros que moram nos grandes centros.

Mas por que aquilo que hoje nos parece ser tão claro não foi pensado antes? Como chegamos a esse estado de colapso nos transportes de massa? Para se entenderem os erros cometidos, é preciso voltar no tempo e repensar as influências culturais que dominaram o Brasil ainda no início do século XX – é o que propõe o professor do Departamento de História da UFF, Cezar Honorato.

“Muito antes de JK, quando houve a expansão do modal rodoviário, a tendência de se priorizar o modelo automobilístico começa a surgir no Brasil na virada da década de 20 para a de 30. É nesse período que começam a entrar no país conceitos de urbanismo da Escola Americana de Chicago. Um momento em que saíamos da forte influência francesa e alemã para sermos invadidos pelo ideologismo urbanístico dos norte-americanos”, explica.

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