Texto de Fabiana Pazzine
Uma das recordações mais doces da infância, talvez, são as conversas com as avós, pois, é por meio desses relatos que podemos conhecer diversas lendas que são descritas sempre como a mais pura verdade. Verdadeiras ou não, o fato é que estas histórias davam medo em qualquer um e, por via das dúvidas, melhor não contrariar nenhum ensinamento tirado dessas narrações.
Um dos contos mais medonhos que me lembro de ouvir, era a história da procissão das almas, já conhecida de muitos. Outra, que segundo minha avó teria acontecido com seu irmão, que andava a cavalo tarde da noite enquanto ouvia um estranho barulho, como se um corpo estivesse sendo arrastado pelo chão. Em teoria, estava sozinho. Mas, de repente, apareceu um homem de capa preta que lhe falou o seguinte: “– Meia noite não é horário dos vivos!” E sem mais explicações desapareceu…
Infinitas são estas histórias, como por exemplo, o caso dos sete porquinhos da Chácara do Visconde, que seria uma família na qual a mãe mais os seis filhos acabaram mortos e apareciam vagando pelo bairro em forma de bicho-assombração.
Mulher que se envolvia com padre então, nem se fale! O primeiro castigo e, mais conhecido é se transformar, em noite de lua cheia, em mula, cuspindo fogo pelo pescoço ao invés de ter cabeça. O segundo castigo, nenhum pouco melhor que o primeiro, era rolar morro abaixo, envolvida com um cinto repleto de pregos e a cada volta dada transformar-se em figuras animais monstruosas. Segundo a sabedoria antiga, ambos castigos eram mais que merecidos.
Andando um dia desses pela região central da cidade de Taubaté, minha avó perguntou o porquê do fechamento da Igreja do Rosário. Este belo prédio que tem a sua forma atual datada de 1882 e, portanto conhecida dos taubateanos, constitui um dos mais belos patrimônios históricos, não somente para os católicos, pelo valor religioso da construção, mas, como também para outras tantas pessoas pelo seu imensurável valor histórico e cultural. Pois bem, tive de explicar os problemas de conservação e manutenção da Igreja que infelizmente levaram ao seu fechamento. Neste momento surgiu uma dúvida entre nós: e a serpente de Taubaté? Ressurgiria?
Para quem não está entendendo nada, aqui vão algumas explicações: quando a minha avó ainda era moça ela ouvia de suas tias Evangelina e Luiza, sempre aos domingos, quando iam à missa da Igreja do Convento de Santa Clara, que existia uma grande cobra (por uma divergência às vezes chamada de serpente) que circulava no Córrego do Saguiru.
Este animal, se é que podemos chamá-lo assim, circulava entre as regiões das Igrejas do Rosário, onde estava a sua calda e a região do Convento de Santa Clara onde estava a cabeça do bicho. Não se sabia o porquê da existência desse monstro, nem se tinha certeza, mas na dúvida melhor não abusar, vai que ele resolvesse rasgar o asfalto e vir à superfície?
Volto agora a pergunta inicial: será que o nosso monstro do Saguiru poderia ser libertado?
Acharam a pergunta absurda, mas digo que não é não. Pois como podemos observar infelizmente, nos dias de hoje, tudo que é novo é sinônimo de avanço e tudo que é velho é atraso. Em outras palavras, construir prédios novos é vital para o desenvolvimento de qualquer cidade (será?) enquanto fazer o restauro, a preservação de patrimônios históricos e culturais é demasiadamente caro, quando comparamos a relação custo-benefício (será?).
Devo então, fazer um grande alerta, já que é melhor prevenir do que remediar: devemos cuidar do nosso patrimônio, pois, caso contrário poderemos sofrer com a fúria do nosso monstro que de certo pode se zangar com um possível descaso que possa ser destinado aos nossos maiores bens que constituem a memória e a identidade do povo de Taubaté. Ainda há tempo, mas precisamos contar com uma maior vontade de quem na prática pode fazer algo para mudar esta situação.
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Fabiana Cabral Pazzine é professora de história. Pesquisadora de História Cultural e Social
2 Comments
Fabiane Pazzine, parabéns. Bom de ler, recado de primeira. Nós, também,
acreditamos que ainda há tempo! Mas até agora “nadica” de política pública voltada ao assunto, será que as autoridades não temem a fúria da Serpente?
Será que as autoridades não temem a fúria the Serpente?
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