A vida deve sempre ser doce

 A vida deve sempre ser doce
Uma “colcha de retalhos” das leituras que andei fazendo e lembranças que andei juntando

Por Solange Barbosa

Em cidades como Guaratinguetá, Pindamonhangaba, Taubaté, aos falarmos em doces percebemos  a forte influência portuguesa e o fausto da riqueza proporcionada pelo café que trouxe os costumes franceses para a mesa da região.

Em contrapartida temos os  doces da roça, onde a  gente “caipira” revela sua preferência culinária.  No lombo das mulas dos tropeiros já viajava a goiabada de caixeta, a rapadura, e o açúcar mascavo já adoçava o café que era tomado na estrada. No Sítio do Picapau Amarelo, Tia Nastácia prepara Talhada (isso mesmo, a velha e boa “taiada” que encontramos em Caçapava: (“Talhada” era um dos doces que a boa negra fazia sempre: misturava melado de rapadura com farinha de mandioca e derramava aquilo ainda quente sobre a “tábua de amassar pastel”, numa camada aí de um centímetro de espessura; depois que o derrame esfriava e endurecia ela “talhava” com uma faca em quadradinhos e losangos).  Muita gente faz talhada só com melado e farinha. Tia Nastácia não! Punha também gengibre, porque “se não leva gengibre, não fica sendo da “legite” (legítima) costumava ela dizer.” (Histórias diversas).

O tropeiro paulista no traço de Thomas Ender

Ao contrário do que acontecia com as mulheres nas cidades, que anotavam em cadernos as suas receitas,  que eram passadas de mãe para filha como segredo de família, na roça as mulheres passavam as receitas às suas filhas de forma oral, elas não anotavam nada, conheciam o “ponto” através do olhar, do toque das mãos.

Em muitas cidades como São Luís do Paraitinga, Caçapava entre outras nós encontramos esta tradição oral. Doces como: prá já  – melado de rapadura com gemas de ovos; pé-de-anjo  –gemada com farinha  de milho; bolo de mandioca  – mandioca cozida misturada com ovos, açúcar e sal; pastéis de farinha de milho – farinha de milho e mandioca escaldadas com água quente – recheados  com banana e fritos, produtos fartamente conhecidos na roça. Em uma terra onde as frutas são um dos grandes tesouros, como não ter  as compoteiras cheias de uma infinidade de sabores: goiabas moles, cidra ralada, laranja azeda, limão, pinhão com calda doce  a concorrer com os  doces de calda vidrada, fios de ovos,  ambrosias, doce de leite e cocadas moles, sem falar do amado arroz doce?

O saboroso Pra já, preparado por Ocílio Ferraz

O que aproxima as duas realidades talvez sejam os pães, broas e biscoitinhos encontrados em toda a nossa região.  Geralmente o que mudava em relação a roça e a cidade eram os recheios, já que na primeira optava-se geralmente por frutas como banana ou doces como a goiabada e na segunda se preferissem os cremes a base de gemas, leite e coco.

Nas casas das cidades roscas, biscoitos brejeiros, presença obrigatória nos cadernos das avós, tratados como verdadeiros tesouros de antigamente, as cozinhas buscavam ser requintadas, querendo cheirar a Europa, onde o acompanhamento quase obrigatório era o chá.

Lá na roça,  o  cheiro fresco  do café no bule, para acompanhar  o sonho recheado com goiabada, a broa de  fubá, as frituras de farinha de trigo, açúcar e água, os biscoitos de polvilho…inesquecíveis.E para matar a vontade de um docinho, que tal uma receita? Com sabor de roça e de cidade ao mesmo tempo.

Fica a dica: No Mercado Municipal de Taubaté pode-se comprar a laranja pronta para fazer o doce, pois as senhoras que moram na roça realizam todo o processo de “limpar e tirar todo o amargo das laranjas”.

DOCE DE LARANJA

Doce de laranja. Foto de Mauro Holanda

Ingredientes:

2 dúzias de laranjas da terra

1 kg de açúcar

6 cravos e 4 pauzinhos de canela

Preparo:

Lave as laranjas, seque-as e rale levemente para eliminar toda a película verde da casca, deixando apenas a parte branca.  Corte em cruz, retire o miolo e lave.  Coloque as cascas abertas em uma vasilha grande e cubra com bastante água fria.  Deixe de molho por 2 ou 3 dias, trocando a água pelo menos 3 vezes ao dia até extrair todo o amargor.

Escorra as cascas, coloque em uma panela com água fria, leve ao fogo, deixe levantar fervura por cerca de 5 minutos e escorra.  Acrescente 1 litro de água quente e cozinhe até amaciar, cerca de ½ hora, em fogo brando.

Junte o açúcar, o cravo e a canela e continue cozinhando, sem mexer, até a laranja começar a brilhar, (cerca de 2 horas). Retire do fogo, deixe esfriar e coloque em compoteira, coberta pela calda.

Veja também:

– Mulheres e o fogo que forja homens

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Solange Barbosa é técnica em turismo e especialista em turismo cultural de base comunitária. Criadora do projeto Rota da Liberdade e consultora da UNESCO no projeto Rota do Escravo. É intermediadora cultural e consultora em assuntos culturais da população negra de Taubaté e região.

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