Vale de Viajantes – III

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O último viajante que estudamos foi Augusto Emílio Zaluar, que faz uma descrição da estrutura física, comércio e população da cidade, na data de sua passagem, entre 1860 e 1861:

[…] já era bastante noite quando começamos a ver as primeiras casas de pobríssimo aspectos que se estendem pela beira da estrada ao entrar em Taubaté, e que, é forçoso confessar, bem mostram a miséria de seus tristes habitantes.

Algumas velhas casinhas de caipiras e choupanas de mendigos formam êsse prolongamento da cidade, que lá mais adiante contém talvez uma das povoações mais numerosas e compactas de quantas vimos bordar o comprido trajeto do norte da província.

Taubaté é uma cidade grande, populosa, ativa, porém triste e pesada, como tôdas as povoações fundadas sob a influência do espírito monástico.

Ruas muito compridas, adornadas de um e outro lado por casas de aspecto sombrio e de uma regularidade monótona, são cortadas por outras tantas vielas onde as construções arquitetônicas não se afastam, por via de regra, da forma estabelecida, e vão dar em praças em que domina o  mesmo estilo, tendo apenas estas a diferença de se observar nelas alguns templos dignos de atenção pela sua vetusta e religiosa grandeza.

Algumas construções modernas e mesmo luxuosas casas de residência se têm edificado todavia nesses últimos anos, que denotam desenvolvimento local e o espírito laborioso de seus habitantes.

Aqui residem proprietários e ricos fazendeiros que dispõem de avultadas fortunas, a quem não falta gôsto e mesmo a instrução.

É a cidade de maiores proporções e de mais movimento que até agora temos visitado na província de S. Paulo. Comércio animado, alguns ramos de indústria cultivados com decidida vontade local, excelentes ourives de prata, e aos domingos um mercado abundante fornecido por todos os gêneros indispensáveis aos usos da vida, e concorrido por numerosos compradores e concorrentes, são mais do que suficientes dados para se fazer idéia que nesta povoação há vida, elementos de progresso e aspirações louváveis.

A população do município pode computar-se, talvez sem receio de errar, em26 a30.000 almas. Não possuo no entanto dado algum positivo a êste respeito.

[…] Quanto à produção do café neste município não temos dados que nos possam com exatidão designar o número de arrobas que se colhem por ano, afirmando todavia que não é insignificante; e pela abundância do mercado devemos concluir que se cultivam aqui em grande escala os gêneros alimentícios.

Os Taubatèanos são hospitaleiros e amigos de ilustrar-se, se bem que a instrução pública […]  já teve uma época de mais florescente desenvolvimento, que esperamos em bem dêste povo ver novamente ativar-se.

[…] As três freguesias que se compõe êste município, fora a da cidade, são a de Tremembé, Buquira e Paiolinho.

[…] Em Taubaté ainda se usa muito de mantilhas, não só na classe baixa como entre algumas senhoras mais distintas.

Este gênero de traje e o aspecto sombrio da cidade concorrem para dar à povoação em certo cunho de vetustez, que faz lembrar algumas cidades espanholas e os costumes severos do séculos anteriores.

Em frente da cidade vê-se uma colona um tanto elevada e coberta de grama na superfície pouco desigual onde dizem que existiu primitivamente a aldeia dos índios Guainazes, que deram a êste lugar o nome de Taubaté, que entre eles queria dizer aldeia alta. (ZALUAR, 1975)

Zaluar fez, entre os três, o relato mais completo sobre Taubaté. Sua passagem pela cidade compreende o período de ascensão da produção cafeeira, quando Taubaté já estava entre as maiores produtoras de café do Vale, ficando atrás apenas de Areias e Bananal, respectivamente.[1]

Grupo de escravos no mercado. Thomas Ender, 1821

O viajante enxergou uma cidade de aspecto pobre e triste, apesar do comércio animado, e dos prédios luxuosos encontrados na cidade. Como citado anteriormente, a data da passagem de Zaluar compreende o Ciclo do Café. É importante ressaltar que a cultura cafeeira possibilitou o crescimento das cidades. O cafeeiro necessitava de melhorias nas vias de comunicação para o seu escoamento, e essas, por sua vez, promoviam o desenvolvimento do meio urbano. Esse desenvolvimento aparece como reflexo do enriquecimento do meio rural. As casas mais luxuosas expressam os lucros obtidos pela minoria senhorial, contrastando com a grande miséria encontrada pelas categorias subalternas negligenciadas pela historiografia taubateana[2], apesar de no centro urbano, principalmente a partir da década de 1850, ter aumentado o contingente de profissionais e o visível desenvolvimento técnico e cultural da cidade a partir de seus pólos mais habitados, as zonas periféricas – de onde advinham as pessoas que formavam o evidente contraste social presente em Taubaté até os dias de hoje.

O viajante observou a importância da cidade e a sua grande movimentação, fazendo-o classificar Taubaté como a cidade de maior proporção que até então teria visitado. O café não impediu o desenvolvimento das cidades; a cidade era sustentada pelo próprio café (COSTA, 1988). Zaluar cita que a produção de café existente na cidade não deve ter sido insignificante e, em outra observação, pela abundância de gêneros alimentícios encontrados pelo viajante conclui que a produção desses gêneros devia ser feita, também, em grande escala[3]. Essa produção era feita para suprir as necessidades do mercado que, pelo desenvolvimento da cafeicultura, os produtores da rubiácea não poderiam utilizar suas terras para a produção dos gêneros alimentícios de sua necessidade.

Convento de Santa Clara. Thomas Ender, 1821

No entanto, Zaluar não enxergou as transformações causadas pela ascensão da economia cafeeira na região, porque, apesar da riqueza gerada, ela era pouco refletida na aparência física da cidade. A maioria das construções, ainda na década de 1860, continuavam singelas. Em outro momento, Zaluar apresenta um quadro de alto crescimento populacional, porém erra ao estimar a existência de mais de 20 mil habitantes na cidade. Essa quantidade só teria sido atingida após 1870, quando, no censo de 1872, Taubaté contabilizava 20.847 habitantes[4].


[1] O café tornou-se o principal produto de exportação brasileiro, conseqüentemente, a locomotiva da economia nacional e, a partir de 1830. O Vale do Paraíba tornou-se o núcleo econômico da Província de São Paulo devido à lavoura cafeeira. As primeiras cidades a realizar essa produção foram Areias e Bananal, essa última mantendo-se a maior produtora até os últimos anos do século XIX. Taubaté aparece como a terceira maior produtora já na década de 1850, ocupando o segundo posto por volta de 1870, (cf. MARCONDES, 2006, p. 4)

[2] Cf ABREU, 1992, e ANDRADE, 1996. Em nenhuma delas as categorias subalternas são apresentadas como agentes da história.

[3] Ao apresentar os dados de produção de café de Taubaté, Zaluar afirmava a dificuldade de obter informações

sobre o volume colhido (cf. ZALUAR, 1975, p. 104). Tal afirmação também pode ser estendida para as demais localidades. A partir dessa observação fica clara qual era a função da cidade naquele período. Apesar da forte ascensão econômica adquirida pela cidade, o capital não era diretamente investido em infra-estrutura ou na paisagem da cidade. Portanto, a função da cidade era de fornecer materiais para o campo ou como ponto de parada para viajantes ou negociantes.

[4] De acordo com o recenseamento de 1872, havia em Taubaté 16.725 habitantes livres e 4.122 escravos, totalizando 20.847 habitantes (MARCONDES, 2006, p. 7). Esse recenseamento foi concluído em 1874.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ABREU, Maria Morgado de. Taubaté: de núcleo irradiador de bandeirismo a centro industrial e universitário do Vale do Paraíba. 2ª ed. Taubaté – SP: Taubateana, 1991

ABREU, Maria Morgado de, ANDRADE, Antônio Carlos de Argôllo. História de Taubaté através de textos. Taubaté, São Paulo. 1996 (Taubateana nº 17)

ALVES, M. M. Caminhos da pobreza. A manutenção da diferença em Taubaté, 1680-1729. Taubaté: Taubateana, nº18, 1999.

CAZAL, Manuel Ayres de. Corografia brasílica. Rio de Janeiro 1817, Reimpressa na Revista do Instituto Histórico e Geográfico de SC, em 1918

MARCONDES, Renato Leite. A propriedade escrava no Vale do Paraíba paulista durante a década de 1870. in XXIX Encontro Nacional de Economia da ANPEC. Disponível em: http://www.anpec.org.br/encontro2001/artigos/200101028.pdf.  Acessado em 18 de novembro de 2006

MEDEIROS LAHUERTA, F. Viajantes e a construção de uma idéia de Brasil no ocaso da colonização (1808-1822).  Scripta Nova. Revista electrónica de geografía y ciencias sociales.  Barcelona: Universidad de Barcelona, 1 de agosto de 2006, vol. X, núm. 218 (64). Disponível em: http://www.ub.es/geocrit/sn/sn-218-64.htm. Acesso em 10 de jul de 2006

PANDOLFI, Fernanda C.. Imaginário e viajantes no Brasil do século XIX: cultura e cotidiano, tradição e resistência. História., Franca, v. 22, n. 2, 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-90742003000200018&lng=en&nrm=iso. Acessado em 21 Setembro de 2006.

SAINT-HILAIRE, Auguste de, 1779-1853. Segunda viagem a São Paulo e quadro histórico da Província de São Paulo / Auguste de Saint-Hilaire ; tradução e in trodução de Afonso de E. Taunay. — Brasília : Senado Federal, Conselho Editorial, 2002.

SOTO, Maria Cristina Martinez. Pobreza e conflito Taubaté 1860 – 1935.  São Paulo: Annablume Editora, 2001

TOLEDO, Francisco de Paula. História do Município de Taubaté. 2ª Ed. Taubaté, 1976 (Taubateana nº 6)

VIOTTI DA COSTA, Emília. Da senzala à colônia. 4ª ed. – São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1988ZALUAR, Augusto Emílio. Peregrinação pela Província de São Paulo (1860 1861).. São Paulo: Livraria Itatiaia Editora do Brasil Ltda. Editora da Universidade de São Paulo (Coleção Reconquista do Brasil vol. 23)

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Angelo Rubim é historiador, produtor do Almanaque Urupês.

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