PANTALEÃO & RINALDI…

 PANTALEÃO & RINALDI…
Texto de Celio Moreira

Aos sete anos de idade, com uniforme azul e branco cheirando a novo, estava indo pela primeira vez à escola. Na pasta já meio surrada que meu irmão havia usado nos quatro anos que estudou no Lopes Chaves, eu levava o material escolar e a recomendação de minha mãe para não deixar de comer o lanche na hora do recreio. Era um simples pão com manteiga que na hora da fome, descia como delicioso bauru. Meu destino era o Grupo Escolar Jacques Felix, na Rua Visconde do Rio Branco. Caminhava confiante, pois já aprendera a ler com nossa vizinha Mariquinha Ribas, excelente professora. Lembro, ainda, a primeira palavra que consegui soletrar: TICO-TICO. Era a marca da lã que ela usava em seu crochê e que vi estampada no papel que envolvia o novelo. Foi assim que pude ler as letras graúdas que foram pintadas na parede, em frente a nossa casa:

PANTALEÃO & RINALDI

                   Era uma exportadora de laranjas que ocupava quase meio quarteirão da Avenida Nove de Julho. Sua parede alta escondia o por do sol de toda uma vila que a ela se avizinhava.

Rua 9 de julho em filme de Amácio Mazzaropi. Acervo CDPH.
Rua 9 de julho em filme de Amácio Mazzaropi. Acervo CDPH.

Nossa proximidade favoreceu a conquista da simpatia de Antonino, o administrador carioca. Percebendo nossa curiosidade, logo nos convidou para ver como tudo funcionava.

As laranjas iam sendo despejadas numa máquina bem comprida e passavam a percorrer várias etapas em esteiras, para serem automaticamente selecionadas e lavadas, até chegarem ao setor de embalagem, quando eram envoltas em fino papel e colocadas em caixas de madeira. Tudo muito chique! E nós ali, de olho, porque as laranjas maiores, as de umbigo grande, eram rejeitadas. Na época não se falava na vitamina “C” da laranja. Creio que, por consumir a fruta com evidente sofreguidão, ficamos imunizados da coqueluche e da pneumonia, doenças que muitos pediam a Deus prá que passassem longe. Nem fale!

Bem, para satisfazer a curiosidade, por inteiro, passamos a percorrer as demais dependências da empresa. Deus do céu, como era grande! Vários empregados trabalhando a madeira, outros martelando pregos na montagem das caixas, mais laranjas indo em direção às máquinas, outras chegando de caminhão, um barulho infernal! Praticamente traçamos um “U” em nossa caminhada e fomos sair novamente na Rua Barão, em frente ao Asilo São Vicente de Paulo e ao lado da bela casa onde morava nosso bom amigo Antonino.

Mas, o ano de 1941 foi crucial para a empresa. Seu principal cliente  entra na guerra após o ataque japonês a base norte americana de PEARL HARBOR. Em breve cessariam as importações e nossa preciosa fonte de vitamina “C” ficaria apenas na lembrança inapagável da memória.

Filas enormes eram comuns, durante a crise do pão na Segunda Guerra Mundial (na foto, a cidade de Barretos)
Filas enormes eram comuns, durante a crise do pão na Segunda Guerra Mundial (na foto, a cidade de Barretos)

Dias difíceis aqueles, com o Brasil também entrando no conflito depois que submarinos alemães atacaram navios de nossa marinha mercante. Rigoroso racionamento passa a ser imposto à população. Enormes filas se formam em torno das padarias para a difícil compra do pãozinho Frances e da bisnaga, agora racionados e com a cor bem amarelada, conseqüência da mistura com farinha de milho (cinqüenta por cento), imposta pelo governo. E o pobre continuaria consumindo o mais barato dos alimentos visto pendurado e desprezado: o bacalhau!…

[box style=’info’]Celio Moreira
celioconhecido também como O Sombra, do Jornal de Vanguarda, é um dos grandes profissionais de comunicação da história do jornalismo nacional.

 

 

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