Um Jeca no berço de Monteiro Lobato
Texto publicado na imprensa, um dia após o nascimento de Monteira Lobato, aborda um Jeca que guarda semelhança com o Jeca Tatu do escritor taubateano
Em 19 de abril, o jornal Correio Paulistano, sediado na capital do estado de São Paulo, republicou um texto trazendo um “diálogo entre dois amigos no largo da Matriz, atual praça D. Epaminondas, bem centro histórico de Taubaté.
O texto foi publicada originalmente no jornal O Futuro de Taubaté na semana em que Monteiro Lobato nasceu. O diálogo é entre Manoelzinho e um tal Jeca sobre a festejada visita de um deputado a cidade. Jeca é retratado como partidário radical do político, e Manoelzinho, seu interlocutor, é apresentado como “isentão”, para usarmos um termo corrente.
Para quem ainda não sabe, Jeca Tatu foi o personagem que projetou Monteiro Lobato nas letras brasileiras depois de surgir em dois artigos escritos pelo autor para o jornal O Estado de S.Paulo, em 1914.
“O fato mais importante da sua vida é votar no governo. (…) Vota. Não sabe em quem, mas vota. Esfrega a pena no livro eleitoral, arabescando o aranhol de gatafunhos e que chama ‘sua graça”’, diz Lobato sobre o Jeca, em um dos trechos do artigo Urupês.
Para Lobato, o Jeca Tatu representava o homem do campo, de vida miserável, quase ignorado pelos governos nos rincões brasileiros.
A curiosidade que merece registro é o fato do Jeca de 1882 guardar alguma semelhança com o Jeca Tatu de Lobato, surgido mais de três décadas depois.
Fique com a transcrição do artigo, com atualização gramatical.
(Quando terminar a quarentena, vamos verificar na hemeroteca municipal Antônio Mello Junior a data original da publicação)
Correio Paulistano, 19/4/1882
Diálogo entre dois amigos na noite corrente de 10 do corrente, no largo da Matriz.
Então, Manoelzinho, foste hoje à estação?
Manoelzinho: Não fui, mas porquê? O que houve lá?
Jeca: Não sabes o que perdestes! Houve música, fogueteria, abraços, parabéns, etc.
Manoelzinho: Ora bolas!… Passou por aí algum bispo?
Jeca: Qual bispo? Nem meio bispo, foi nosso deputado que chegou.
Manoelzinho: Nosso não, vosso sim.
Jeca: Pois sim, como quiseres, o meu, e digo que ele não merecia só o que pudermos arranjar, merecia ser obsequiado mesmo com uma semana santa, pois desta vez fez o que prometeu, e ainda mais. Conseguiu dinheiro para a cadeia, para o hospital, para o Bom Conselho (N. da R. Colégio do Bom Conselho), votou contra a diminuição do imposto predial à 2%, disse que baixar de 6 a 4% era grande favor aos contribuintes. Falou muito bem sobre a Sorocabana (N. da R. Estrada de Ferro Sorocabana), em que anda envolvido um tal Pereira. Pois quem fez tudo isto não merece ser obsequiado com uma semana santa?
Manoelzinho: É verdade, Jeca, concordo consigo, mas deves estar satisfeito, por que se não houve semana santa por estarem os padres cansados, houve ao menos uma esplêndida procissão.
Jeca: É verdade, estou mais satisfeito, por que a procissão não era do programa.
Manoelzinho: Ô Jeca. Tu que és da intimidade, podes me informar se é verdade, eu não acredito, que aqui seguiram uns artigos de posturas para serem submetidos à aprovação da assembleia?
Jeca: É verdade: mas o que tem isso?
Manoelzinho: Lá isso é, que importa-me com posturas, nem com imposturas. Se fizerem uma postura para que os carecas paguem imposto para seu produto ser aplicado no concerto das ruas, que estão todas, que é uma vergonha, me incomodaria; mas isso não me dá cuidado, por que haveria muitos, que se opusessem à semelhante propósito.
Jeca: Como estais enganado; passava e mais que passava; por que outras mais despropositadas tem passado, e hão de passar, enquanto rolar o sistema de voa, pilão voa.
Manoelzinho: Deixa-te de pilherias, Jeca, que o negócio é sério. Finalmente. Quanto tocou-te a pagar no rateio da festança?
Jeca: O que te importa isso? Estás com inveja, por que é a MAIOR ovação que se tem feito até hoje em nossa terra e a mais MERECIDA, que a própria atmosfera enterneceu-se ao ponto de derramar tanta lágrima que ensopou a terra, e obrigou a andarem com andores aos trambolhões, e passar a procissão pela rua Direita (Atual Rua Duque de Caxias), foi uma homenagem ao MÉRITO…
Jeca: Sabes o que mais? Não estou para aturar-te. Boa noite.
(Extraído do Futuro)
Veja na íntegra: http://memoria.bn.br/pdf/090972/per090972_1882_07624.pdf