O TAUBATEANO
Texto de Renato Teixeira publicado na edição 722 do Jornal Contato
Desde que saí da cidade em busca de meus objetivos, fui definido como “o compositor que veio de Taubaté”.
Onde quer que eu fosse, a mídia me apresentava assim.
Confesso que nunca forcei a barra nesse sentido e essa definição, hoje sei, aconteceu em função do carisma nacional que tem nossa cidade. E esse carisma nacional, não tenho dúvidas, devemos principalmente ao homem Taubateano com história diferenciada e permanentemente ligado às grandes transformações políticas, sociais e culturais ao longo dos tempos.
Enquanto meus contemporâneos faziam suas partes, estudando e crescendo na vida em busca da realização, eu já carregava essa marca junto ao meu nome; um Taubateano!
Quando num determinado momento precisei me definir artisticamente em busca de uma personalidade musical coerente, assumi essa condição e me qualifiquei, revitalizando o gênero caipira que no começo dos anos 70 estava bastante
desprestigiado. Talvez essa recomposição tenha sido mais importante até que muitos movimentos que roubaram a cena musical dos anos sessenta/setenta. A historia dirá.
Durante todos esses anos em que eu e a cidade nos demos as mãos silenciosamente e passamos a nos amar efetivamente, algumas coisas fugiam da minha compreensão. Uma delas era o intrigante posicionamento de muitos taubateanos
famosos e definitivos, que não gostavam da cidade.
Hebe não gostava e isso todos sabemos. A mulher revolucionária que unia o País com seu raciocínio absolutamente taubateano tinha lá suas restrições e talvez nem tenha percebido direito o tanto que ela era lobateana.
Tony Campello em nenhum momento teve o reconhecimento esperado e isso incomodou bastante o nosso genial e revolucionário artista, que intuiu e lançou as bases para que a música brasileira finalmente viesse também para
o interior. O próprio Lobato fazia restrições veementes ao nosso jeito de ser, mesmo sendo ele, talvez, o mais taubateano de todos.
Quantas vezes eu e Sebe falamos sutilmente sobre isso.
Nos momentos mais agudos, ele mesmo, Sebe, passou por decepções injustas; afinal, meu amigo, para nosso orgulho, é hoje uma das maiores autoridades em história oral do planeta.
Eu nunca vivi qualquer tipo de expectativa relacionada ao reconhecimento tradicional, que transforma os artistas em estrelas. Nesses quase cinquenta anos da minha partida, nunca deixei de andar pelas ruas da minha cidade da
mesma maneira que fazia para ir pro Estadão, pro TCC, pro campo do Bosque, etc.
Minha grande arma de luta sempre foi o total desinteresse pelas purpurinas da glória. Fica bem mais confortável e você se sente mais protegido.
Taubaté, na figura dos meus eternos amigos da sua história e arquitetura, fomentava minha arte e dava leveza ao meu espírito.
O tempo que nos leva é o mesmo que nos traz. Quando veio o reconhecimento e passei a ser tratado nacionalmente como um renovador da música da cultura caipira, a minha cidade me fez muitos carinhos, com seu jeito tímido
de ser.
Me deu títulos e fez galanteios apaixonados, como o que veio da escola de samba do Chafariz que me transformou em enredo.
Então, aos 70 anos e me sentindo muito bem disposto, eu e a cidade continuamos juntos, apaixonadamente juntos como sempre. Pra ela, tudo.
De repente, por pertencer a uma outra vertente da política social, a artística, passei a olhar para a terra de Celly com olhos generosos e gratos.
Não que Taubaté esteja me cobrando alguma coisa em retribuição, por tudo que já tirei daqui. As mães generosas não cobram isso dos filhos; além do mais, nossa relação sempre foi gentil, delicada e amorosa.
Uso das facilidades que o reconhecimento nacional me oferece para criar aqui um elo com coisas que possam manter o espírito taubateano saudável.
A história não termina e, com certeza mais a frente, outros taubateanos por vocação virão para ajudar o Brasil a ser sempre e cada vez mais uma terra com cultura própria e valores claros.
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