O PEREGRINO DAS CIDADES MORTAS: MONTEIRO LOBATO E A “PROVÍNCIA”
Por Vinícius Amaral
Monteiro Lobato é um dos filhos de Taubaté mais festejados na cidade, no entanto sua relação com sua terra natal era um tanto conflituosa. Sua experiência como fazendeiro com as terras de seu pai em Buquira lhe deu a tônica de um sentimento de revolta que já carregava em si há tempos. A revolta com o poder do avô, o Visconde de Tremembé, direcionando a sua vida – inclusive lhe garantindo cargos como foi o caso da promotoria em Areias – irrompeu em sua frustração em implantar métodos mais progressistas de cultivar a terra. Aqueles caipiras que teimavam em aceitar as novas práticas não eram muito diferentes dos velhos barões do café que resistiam em seus casarões á todo tipo de mudança, ainda assim eles foram o alvo da fúria lobateana.
No entanto, não é o caipira ou o barão (ou no caso, visconde) o maior inimigo da imaginação de Lobato, mas algo além destas duas personagens: o provincianismo. Tendo experimentado o espírito cosmopolita de São Paulo quando lá cursou Direito na Faculdade de São Francisco de Assis, nosso escritor sabia que ali poderia ser realmente livre. Livre do julgamento do avô e das moralistas convenções da cidade pequena. A obra de Lobato prova isso: criativa, pontual e ácida. Sua visão sobre os fazendeiros, caboclos, padres, dentre outros, não seria bem recebida numa cidade que ainda perseguia os “dias de glória” do Império novamente. Assim, a obra de Lobato pode florescer na frenética metrópole, mas seu alimento será o distante (no espaço e no tempo) Vale do Paraíba.
Seria reduzir demais toda a complexidade dos livros deste pensador a uma categoria, mas em certos termos Lobato inicia sua jornada literária fazendo uma crônica do provincianismo. As cidades mortas, contudo, não deixam de se ausentar de seus escritos, mesmo quando admira Nova York. Seu fascínio com os Estados Unidos, aliás está intimamente ligado com sua angústia com a mediocridade vale-paraibana e brasileira. O Brasil estaria doente, como constatou anos antes ao se vincular á campanha sanitarista, e o progresso americano (o fordismo, para ser mais exato) é o remédio. Décadas depois, Lobato encontraria outro lenitivo: a proposta de reforma agrária defendida pelo comunismo.
O que pretendo afirmar aqui é que essa relação entre a intelectualidade de uma região periférica (sejamos sinceros, o Vale do Paraíba pós-Proclamação podia não estar morrendo como se acreditava, mas estava longe de estar á todo vigor) e essa condição regional é das mais turbulentas. Ou se luta contra a província ou é absorvido por ela. Existem os que se integram ás convenções locais e os que se recusam a fazê-lo. Esses, pelos mais variados motivos, tem duas opções: fugir dessa prisão criativa ou continuar nela, atacando-a constantemente.
O que há de errado com o provincianismo? Ser provinciano pode ser se apegar á valores da sua terra, resistir em modifica-los (e desse ponto de vista, o termo adquire um valor positivo atualmente, diante desse contexto de globalização e de defesa de valores culturais) como também pode ser tentar copiar um modelo de vida não chegando nem perto dele (e nessa acepção temos o etnocentrismo dando as caras, seja através do imperialismo cultural europeu ou americano). Estamos utilizando aqui essa última concepção do termo. Ou seja, entendemos o provincianismo como sinônimo de alienação temporal e cultural.
Alienação temporal: enquanto o resto do mundo caminha em uma direção, estamos empacados em outra. Aqui guardo algumas ressalvas: nem sempre o mundo caminha na direção certa, logo, às vezes é melhor estar no acostamento. Alienação cultural: procura-se seguir um modelo de vida que não é o seu, apenas por seguir. De qualquer maneira, esse será um relacionamento sempre passional: pode-se amá-la ou odiá-la, mas é impossível ser indiferente à sua terra natal. Penso aqui em dois casos: Taubaté e Manaus tentando imitar Paris, na arquitetura e nos costumes. Claro que não se pode implantar integralmente um estilo de vida em outro lugar, sempre há as adaptações. Só que tentar ser o que não é sempre implica em crise de identidade. O caboclo andando de tênis importado da China, falando inglês e comendo sobremesas francesas é chinês, inglês, francês ou caboclo no final das contas?
Em todo caso, o provincianismo se aferra a padrões de vida restritos, não admite algo diferente do que possui. E esse é o maior motivo de briga entre os intelectuais e seu povo. O inovador é estigmatizado, enquanto na metrópole e nos demais centros urbanos de grande porte é aplaudido. Demorou para que Monteiro Lobato fosse aplaudido em sua própria terra. Claro, ele ainda estava vivo para saborear esse momento, mas já tinha muitos cabelos brancos. Lobato foi reabilitado em Taubaté aos poucos graças ao seu sucesso como escritor infantil. Suas demais realizações, no entanto, demoraram a ser consagradas no Vale e só o foram devido á campanha sistemática de Oswaldo Barbosa Guisard, dentre outros, que fundaram e capitanearam desde os anos 50 as Semanas Monteiro Lobato. Taubaté e o criador do Sítio do Pica-Pau Amarelo, podiam ter um relacionamento turbulento, passando do amor ao ódio, mas nunca indiferente e é interessante como ainda podemos ver essa ambivalência até hoje.
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1 Comment
Eu, como sobrinha de Oswaldo Guisard desejo agradecer o reconhecimento que fazem nesta matéria publicada. Tio Oswaldo foi um idealista, um aficcionado admirador e amigo de Monteiro Lobato e lutou muito mesmo pra que se valorizassem nosso grande escritor. Lembro-me das Semanas Monteiro Lobato organizadas por ele e um grupo de admiradores e políticos daquele tempo , os desfiles nos quais estudantes taubateanos (e eu também) participavam. Era muito bonito e movimentava a cidade. Saudades de tio Oswaldo, saudade de meu pai Jaurés Guisard, irmão de tio Oswaldo que como prefeito também prestigiava muito as “Semanas Monteiro Lobato.”
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