O Natal Taubateano
Texto de Emílio Amadei Beringhs
Se há algo em que se possa falar, sentindo em cada palavra a sensibilidade cristã que invade todos os sêres às vésperas do advento, é o Natal, velho e tradicional Natal de Taubaté, quando ainda o Papai Noel era bem pouco conhecido, só da gente rica. Porque amigos, o Papai Noel,como nós o conhecemos agora, é artigo de importação.
Taubaté dos tempos, não tão velhos, mas apenas recuados, sempre foi uma cidade levítica. A ronda das ideologias exóticas, também de importação, nunca encontrou guarida nos corações de nossa gente. Preferimos sempre a Cruz de Cristo embora ela seja pesada e difícil de carregar.
Nós nos recordamos ainda dos tempos em que, ao aproximar-se o fim de ano, apareciam no Mercado Municipal numerosas bancas de vendedores de figurinhas de barro para presépios. Era um gôsto vê-las, senti-las como sêres vivos que pareciam ser, ao arrumá-las junto as casinhas feitas de papelão envernizado, de mistura com pedaços de carvão da Central, papelões pintados fingindo montanhas e largos improvisados com latinhas de marmelada vazias.
Os presépios de Taubaté fizeram época na região. Não havia casa, por mais modesta ou humilde que fôsse ( e os humildes caprichavam ainda mais) em que o presépio não se fizesse presente no Natal.Então, a gente costumava ver numerosas pessoas em busca de folhagens aromáticas para enfeitar a mesa do presépio, em cima da qual, em armações adrede preparadas, eram dispostas as casinhas, as figurinhas, a lapinha de Belém, enfeitada caprichosamente, com o Senhor Deus menino ao centro, a vaquinha, o burrinho, São José e Nossa Senhora, com uma estrêla no alto – a dos pastôres, a brilhar intensamente no reflexo de luz, feita de lata ou papelão pintado de alumínio.Nem sempre as proporções eram respeitadas. A vaquinha muito maior que o burrinho. Os santos menores que os animaizinhos ao lado e o Menino Jesus a sorrir, em seu bercinho.As casas de papelão nem sempre obedeciam também às proporções devidas. Aqui ou acolá, um animal qualquer muito maior que as casas. O galo, bonito e enfeitado, pronto para o seu papel e os três Reis Magos, Gaspar, Balthazar e Melchior, que dia após dia eram mudados de posição, aproximados da Lapinha, onde deveriam chegar no momento da adoração. Tudo conforme a tradição.
As famílias reuniam-se então, ao redor do presépio, para as suas orações. Eram unidas as famílias antigas. Depois vinham os visitantes. Os foliões que cantavam ao Rei. Tudo muito evocativo.Pouco a pouco, no entanto, os presépios foram se modernizando. As casinhas e a lapinha já ostentavam um globo pequeno de luz elétrica. Muitos armavam presépios mecanizados, com as figuras em movimento.Vimos um dêles, armado em Tremembé, com movimentações quase impossíveis. Mas, já aí, o presépio começava a ser comercializado. Pena. Pagava-se um tanto por entrada, para vê-lo.Aqui mesmo, em Taubaté, as famílias João de Morais e João Bindão, organizava, presépios que eram um verdadeiro primor de arte. Outros haviam que, com o perpassar dos anos, foram caindo no esquecimento.Mais tarde o presépio foi sendo confinado nas igrejas.
Na Matriz, no Rosário, no Convento de Santa Clara e em outros templos. As casas residenciais, modernizadas, alteraram o curso da tradição. Os presépios foram se reduzindo e hoje poucos são montados às vésperas do Natal. Muitos trocaram o presépio pela Árvore de Natal, cheia de penduricalhos, com luz a tremularem. A figura do Papai Noel substituiu o espírito puro das comemorações. Mas o povo conserva, ainda, intacta, em seu coração, aquela cena maravilhosa da lapinha, do enorme boi, da vaquinha, do burrico, das figuras exóticas, feitas a mão com saibro e pintadas com tintas extravagantes.
Oh! O Natal taubateano dos tempos idos! Como êle nos traz recordações e saudades imensas, quando vemos com os olhos do pensamento, nossa gente a buscar folhagens, a arrumar mesas com areia fingindo estradas, latinhas de marmelada com água para servirem de lagos, onde as figurinhas exóticas de patos e gansos passeavam ao sabor do ventos; as montanhas de carvão e papelão pintado! Quanta evocação, quanta saudade de uma época em que não havia nada que arredasse nosso povo da sombra da Cruz de Cristo! A missa do Galo, a vigília do Natal, a confraternização das famílias e dos povos, tudo isso constitui, ainda hoje, o verdadeiro pára-raios espiritual de um povo, cujas tradições remontam a séculos e jamais estarão perdidas. Recordar o Natal é rever pessoas, parentes, amigos, é reviver no coração a saudade dos tempos sossegados de uma cidade cujo passado está marcado por três séculos de vida. O presépio da Vida é essa movimentação estonteante de máquinas automáticas, mas, o presépio do Menino Jesus, êsse, deixai-o para os que querem manter intatas as suas meditações espirituais!
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Texto retirado do livro Conversando com a Saudade de Emílio Amadei Beringhs
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