Lia Carolina Prado Alves Mariotto*
Nas deliciosas crônicas do Sr. Emílio Amadei Beringhs, narradas no “Conversando com a Saudade” (1967) há uma que se refere à “A FESTA DA MONÇÃO”, escrita em novembro de 1961.
E assim ele vai relatando…
“Lá pelos lados da Estação da Central do Brasil[1] foi, há longos e longos anos, constituída uma comissão que fez erguer uma pequena igreja, com o nome de Santa Cruz da Monção.
(…) Anualmente era costume do povo do bairro organizar festas em louvor à Santa Cruz, o que ocorria, geralmente no dia 03 de Maio. O programa extenso constava de várias brincadeiras, sendo as de maior projeção as do pau-de-sebo, a do porco ensebado e outras que sobressaíam as demais pela hilaridade que comunicavam aos circunstantes.
O bairro da Monção, ao contrário do que ocorria aquele tempo com outros mais afastados, era um lugar sereno, quieto. Lá moravam os agentes da Central, numa casa até hoje existente, cujas divisas eram a Chácara do Visconde do Tremembé (…).
A fonte, um chafariz existente no prolongamento da Rua D.ª Chiquinha de Matos e que ficou famosa com o suicídio daquele viajante que, desesperado por ter perdido dinheiro que não era seu, no jogo, pôs uma banana de dinamite na boca, ateando fogo ao estopim. Até isso desapareceu. O chafariz foi desmontado para dar lugar às novas instalações que a Light[2] vem fazendo no local.
Do antigo Bairro da Monção, restam apenas a igreja, a casa dos agentes da Central (sic) e uma ou outra construção antiga. O resto mudou.
Resta também, indelével, a saudade dos bons tempos em que os taubateanos brincavam, despreocupadamente, e as famílias se uniam com mais freqüência também.”
E assim, nesse tom saudoso e gostoso, ele termina sua crônica….
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Mas, e a ocupação e urbanização da região? Como se deu? Quando começou??
Fomos em busca dessas respostas nas leituras das Atas da Câmara e estas leituras nos revelaram que a região começou a gerar informações oficiais a partir de meados do século XIX – já com a presença da Capela de Santa Cruz.
Fizemos então uma rápida Cronologia sobre a urbanização da região:
1845 – através de uma Resolução, os Vereadores decidem oficiar ao Vigário da Vara para que proíba as festas sabatinais e noturnas que se fazem na Capela de Santa Cruz chamada “do Pastinho” nas quais se cometem atos de imoralidade, como denuncia o Fiscal.
Esta informação revalida a crônica acima referida, pois a região do Pastinho corresponde hoje à região onde estão as instalações da EDP Bandeirante.
1851 – a Câmara, por solicitação de vários moradores, determina a limpeza da nascente (fonte) do Pastinho – que era de uso público.
Essa fonte, mais tarde, vai se transformar no Chafariz do Pastinho onde houve o suicídio narrado na crônica.
1853 – a Câmara recebe um requerimento de Ana Antonia de Abreu[3] pedindo o BECO que dá trânsito para o Pastinho e Santa Cruz da Monção – que foi indeferido.
Provavelmente esse “beco” corresponderia atualmente à Rua Déa Freire.
Nesse ano (1853) o Vereador Xavier de Castro apresenta uma proposta para se iniciar o encanamento das águas potáveis e construção de chafarizes. A Câmara solicita à Assembléia Provincial ajuda para iniciar o encanamento relatando que a Cidade possuía “20.000 almas e na cidade mais de 800 prédios urbanos entretanto que um só chafariz não se encontra na cidade onde o cidadão possa satisfazer suas necessidades.
Os recursos disponíveis eram as cacimbas particulares ou então mandar buscar a água a grandes distâncias.
1854 – foi lido em sessão da Câmara um requerimento com mais de 100 assinaturas dos principais fazendeiros do Bairro do Pastinho solicitando sua atenção sobre a feitura de caminhos particulares.
Presume-se que a região ainda teria características rurais.
1862 – requerimento de Benedita de Jesus, moradora junto à Capela de Santa Cruz da Monção, pedindo providências à Câmara sobre um cerco de valos que estava sendo feito por Joaquim Mariano de Matos, tapando a estrada há pouco mandada abrir pela Câmara. Esta, após examinar a situação, mandou embargar o valo e exigiu do proprietário cercar seu terreno de taipas uma vez que ele estava dentro dos limites da cidade.
ATENÇÃO – a região passou a fazer parte do perímetro urbano da cidade.
1876 – FREI CAETANO DE MESSINA – seus cruzeiros
1879 – a Câmara começa a se preocupar com construções não autorizadas executadas no “LARGO DA MONÇÃO” considerado parte da Cidade.
1880/1883 – embargos de obras não autorizadas pela Câmara que aconteciam no LARGO DA MONÇÃO, inclusive o fechamento do poço, uma vez que ele estava cheio de mato.
1883 – o encanamento da água do Pastinho começa a ser planejado
1884 – Joaquim Moreira – parte de iniciativa sua os serviços de encanamento da água do Pastinho.
1885 – término da construção do chafariz da água do Pastinho
1885 – requerimento de Joaquim Vicente de Andrade pedindo para fechar um terreno anexo à sua propriedade de fronte à Capelinha de Santa Cruz da Monção.
1887 – requerimento de José Joaquim de Siqueira pedindo, por aforamento[4], um pedaço de terreno no LARGO DA MONÇÃO.
Pelas três últimas informações cronológicas podemos dizer que no final do século XIX a região já estava urbanizada e anexada ao perímetro urbano da Cidade.
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* É paleógrafa no Arquivo Dr. Felix Guisard Filho, pertencente à Divisão de Museus, Patrimônio e Arquivo Histórico de Taubaté (DMPAH)
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[1] – Hoje Central do Brasil não existe mais.
Atualmente é a MRS Logística S/A (Malha Regional Sudeste – abrangendo os Estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais) concessionária da RFFSA (Rede Ferroviária Federal S/A).
[2] – Atualmente EDP Bandeirante (uma holding da Energia de Portugal)
[3] Ana Antonia de Abreu – filha de Ana Ferreira de Albernaz, casada com Claudiano José de Andrade, falecido em 1848.
[4] AFORAMENTO – transferência do domínio útil e perpétuo de um imóvel, mediante pagamento de um foro anual, certo e invariável.