Natureza Interna desbrava o mercado de arte no interior

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A arte contemporânea de Hugo França já está em Taubaté. Um dos mais renomados artistas contemporâneos no mundo se une à Mírian Badaró em empreitada que pode mudar o cenário local

Está aberta na Mírian Badaró Galeria de Arte a exposição “Natureza Interna”, do conceituado designer Hugo França.

Com numeroso acervo, as peças feitas a partir do Pequi Vinagre, árvore típica do norte do Espírito Santo e sul da Bahia, representam o que de melhor há no trabalho de arte contemporânea no Brasil tendo como matéria prima a madeira.

Constituído de peças únicas, o acervo exposto na galeria possui bancos, mesas, aparadores, esculturas e gamelas. São obras de arte que ao mesmo tempo são utilitárias. E para os interessados, Mírian Badaró garante que os valores estão bastante convidativos.

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Voo alto

Há dias a galerista afirmava que estava dando seu maior voo. O que se confirmou com a montagem da exposição. “Foi a instalação mais difícil até hoje na galeria. Exigiu uma série de ajustes e adaptações na galeria para suportar as peças, porque algumas pesam até 400 quilos, mas foi tudo tranquilo, com alto nível de profissionalismo”, revelou Mírian, que ainda contou que a equipe de Hugo França fez uma minuciosa análise no prédio da galeria, avaliando quanto cada espaço suportaria de peso para depois ajustar, milimetricamente, cada peça no lugar.

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Apesar de serem peças pensadas para o espaço interior, algumas impressionam pelas dimensões. O artista tem o costume de respeitar todas as formas da árvore que transforma em peças utilitárias. Nos bancos, e até nas gamelas, as texturas dos veios e as mudanças de tonalidades, sobretudo naquelas em que as marcas de queimaduras foram preservadas, estão todas lá, mas ao mesmo tempo as peças são delicadas, suaves e lisas. É nítido que cada obra demandou trabalho hercúleo no seu preparo e finalização, mas é inquietante o fato de ser possível reconhecer todas as formas, cores e texturas originais das árvores.

Sem economizar nas palavras Badaró afirma que “foi uma experiência excelente, não só pela realização de ter o trabalho aqui, mas pelo processo. Foi o artista de maior reconhecimento que já tive na galeria e eu não sabia o que esperar. Foi excelente, uma postura muito profissional do começo ao fim e eu só tenho a elogiar”.

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Com a mostra, a galerista Mírian Badaró realizou um feito. Pela primeira vez Hugo França participa de uma exposição fora dos grandes centros comerciais das capitais. “Ele tem um nível de divulgação internacional, com um nome sedimentado. Não é habitual uma pessoa que já atingiu esse nível se dispor a fazer uma exposição fora do eixo comercial Rio-São Paulo”.

 

Desbravadores

Alguém já o chamou de peregrino das matas. França decidiu passar boa parte da vida entre indígenas no sul da Bahía. Viveu por quinze anos em Trancoso, onde aprendeu o seu ofício. “Lá a gente só tinha dois meios de sobrevivência. Ou era o mar ou era o mato. Nos três primeiros anos que vivi por lá eu fui pescador. Até descobrir as árvores do local.”

Meio que sem jeito, o Almanaque Urupês se aproximou do artista e já foi logo mandando a primeira pergunta:

“e aí, você está acostumado a expor em galerias do interior?”

“Deixe-me pensar um pouco…. não. Essa é a primeira vez!”, respondeu com muito bom humor.

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Mírian Badaró realizou um feito. Trouxe para Taubaté um dos maiores (se não o maior) nomes do design contemporâneo. Com isso, a galerista desponta (e confirma) como pioneira na abertura do mercado de arte do Vale do Paraíba. “Eu estou aqui graças ao trabalho da Mírian. Depois de circular pelas grandes capitais brasileiras e mundiais, vir para o interior não é nada planejado. Não é que eu tenha vindo… função da galerista foi cumprida. É o que a Mírian faz, buscar artistas que possam mudar a cena de uma cidade. Eu aceitei o convite dela. Ela está abrindo esse mercado. Com a sua pergunta, você me fez pensar que é a primeira vez que eu venho para o interior… é graças a ela”, reconheceu Hugo França.

O cenário de crise, amplamente divulgado pela mídia, parece não incomodar a galerista. Observando o ambiente, pensou em realizar exposições para todo tipo de público, “pra quem foi afetado em cheio pela crise, para quem nunca é afetado por crises e para quem está no meio do caminho”, definiu a galerista. “Essa exposição, que é de peças com valores mais altos, me surpreendeu absurdamente pelo seguinte: as pessoas todas que vieram e que se interessaram pelas peças e perguntaram os preços, se surpreenderam positivamente. Elas achavam que as peças custariam muito mais, porque são peças autorais, de um nome conhecido dentro e fora do país mas que tem preços que competem com o material industrial, feito em série, das grandes lojas de decoração. Hoje em dia, esse material industrial, especialmente mobiliário, atingiram valores exorbitantes e parece que as pessoas estão se acostumando a pagar esses valores. Quando veem uma peça autoral, de um artista desse porte, imaginam que vai custar três vezes mais. E não é”, arrematou.

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Para Hugo França, o que a galeria faz na cidade é um trabalho de educação cultural. Segundo ele, a função do galerista é apresentar todos os conceitos e formas de arte e fazer com que as pessoas entendam e deem valor àquilo. Graças à esse profissional, o mercado de arte cresceu muito nos últimos dez anos, a ponto das obras de arte contemporânea atingirem valores artísticos e financeiros equiparados às obras clássicas.

“Nós estamos em um ambiente em que todos os dias surgem novos ricos. Pessoas que muitas vezes pensam que o dinheiro vem antes da cultura. É preciso educar para fazer com que ele entenda que investir em arte vale muito mais a pena do que ele comprar uma Ferrari, ou um objeto que tenha um grande valor agregado. E é isso que a Mírian está fazendo e é essa a sua missão… e a minha também!
Ela está formando mercado. Quando há interesse, e aqui parece que é assim, o cenário muda rapidamente, mas é preciso que alguém dê o primeiro passo. Ela está fazendo isso”, afirmou Hugo França.

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Valor Agregado

O artista é econômico ao falar sobre o próprio trabalho. Valoriza o material mais do que o seu trabalho. Segundo ele, o que se sobressai nas peças que produz é a própria matéria prima. Feitas a partir do Pequi Vinagre, as peças foram feitas de árvores que alcançam a idade adulta aos duzentos anos e podem viver até os mil e duzentos. “!A madeira mais novinha que está aqui [na galeria] tem seiscentos anos. Isso é uma raridade em termos de madeira. Eu digo que essa madeira, enquanto matéria prima, tem um valor arqueológico que eu não consigo cobrar. Eu brinco que isso vai de graça. Por ser assim e ter essa qualidade, essas peças deviam ter um valor muito maior, mas que agora é impossível de cobrar. Independente do meu nome ou do trabalho que é feito com essas árvores, no futuro ela vai ser valorizado pelo valor arqueológico da madeira”.

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A raridade dessa árvore pode estar com os dias contados. França revelou que já realiza um trabalho de recuperação da espécie, com a tentativa de viabilizar um viveiro e garantir a reprodução da árvore em seu ambiente. Como o processo de germinação da semente do pequi começa durante a digestão das pacas que se alimentam do seu fruto, o designer contratou caçadores para buscar a semente. “Eu digo para eles que ao invés de caçar o animal, eles terão que buscar a bosta da paca”. Essa é uma das pontas de um trabalho que começou com arte, é a realização de um processo de educação ambiental.

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De forma poética o artista aponta que a soma de todas essas ações (a busca pela matéria prima, a execução do trabalho, a exposição e, por último, a tentativa de recuperação de uma espécie) é a síntese da arte contemporânea. “É você amarrar conceitos e transformar em materialidade.”

 

Natureza Interna

Seja para apreciar, adquirir ou apenas conhecer, a galeria é aberta de segunda a sábado em horário comercial. Com entrada gratuita, Mírian Badaró Galeria de Arte fica na Rua Engenheiro Fernando de Mattos, 124, centro.

De segunda a sexta funciona das das 9h às 18h, fechando para almoço das 12h30 às 13h30, e aos sábados pode ser visitada das 10h às 13h.

A exposição fica em cartaz até 19 de setembro.

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