E se Monteiro Lobato estivesse nas redes sociais?

Monteiro Lobato voltou a viver em Taubaté em 23 de dezembro de 1904, após se formar em direito na Faculdade do Largo São Francisco. Anos distante de fazer história como polemista, Lobato se comportou condignamente sob o figurino que lhe foi reservado naquele momento: neto do Visconde. Portando-se como herdeiro de uma fortuna imensa, o neto do visconde cumpriu a risca os protocolos sociais em vigência na Taubaté da época. Ocupou cargos públicos por apadrinhamento, tomou parte em disputas políticas paroquianas e se integrou a movimentos culturais provincianos. Tudo o que renegaria anos depois.

O Almanaque Urupês vai publicar a partir de hoje textos e notícias que abordam a fase taubateana de Monteiro Lobato. Para deixar o assunto mais compreensível e palatável para o leitor do século XXI, organizamos as informações emulando as redes sociais. Esperemos com este artifício reconstituir com fidelidade como era a rede taubateana de relacionamentos do futuro criador do Sítio do Picapau Amarelo.

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Veja a transcrição das matérias que abordam a chegada de Lobato a Taubaté e um trecho da carta em que o taubateano conta o episódio de 1904 com a ótica peculiar que o faria famoso nos anos seguintes.

Jornal O Norte, edição de 25/12/1904

Manifestação

O nosso amigo sr. Dr. José Bento Monteiro Lobato foi manifestado ante ontem pela corporação Philamornica  e por muitos amigos, pelo motivo de Ter recebido seu grau pela faculdade de direito.

Aos brindes fizeram se ouvir o dr. Bento Enéas, o prof. Garcia, os drs. Camara Leal, Gastão Camara Leal e José Benedito dos Santos, Respondendo a todos o Manifestado.”

 

Jornal de Taubaté, edição de 25/12/1904

Manifestação

Pelo noturno de Quinta feira última, chegou a esta cidade nosso inteligente conterrâneo, dr. José Bento Monteiro Lobato, recentemente diplomado pela faculdade de Direito de S. Paulo.

Anteontem o jovem bacharel foi alvo de imponente manifestação de apreço, promovida pelos seus inúmeros amigos e admiradores, que precedidos pela “Philarmônica Taubateense” se dirigiram até sua residência.

Em nome dos manifestantes falou o ilustre dr. Bento Enéas. Respondeu-lhe, agradecendo, o dr. Monteiro Lobato, que convidou seus amigos a entrar ofereceu-lhes abundante copo d’água.

Por essa  ocasião falaram os srs. drs. Camara Leal, José Benedicto dos Santos, Gastão Leal, Emilio Costa, monsenhor Miguel Martins e o nosso chefe de redação, tenente A. Garcia. Todos os oradores tendo em vista exaltar os méritos do esperançoso moço, saudaram-n’o e ao seu venerando avô, o exmo. Visconde de Tremembé.

A todos num belo improviso, o dr. Monteiro Lobato agradeceu a espontaneidade da manifestação toda afetiva.

A falta de espaço não nos permite uma notícia mais detalhada.

Nossos parabéns, mais uma vez, ao digno manifestado.”

 

 

Taubaté, 30/12/1904

“Rangel:

Aqui no exílio a madorra é mal ambiente que derruba até os mais fortes. Exilio, Rangel, pura verdade! Saltar da liberrima vida estudantina de S. Paulo e cair neste convencionalismo de aldeia, com trabalhos forçados… Sinto-me rodeado de conspiradores; todos tramam o meu achatamento.

(…) Logo que cheguei (que cheguei “formado!”) mimosearam-me com uma manifestação; foguetes (Taubaté não faz nada sem foguetes), a banda de música, molecada atrás e oito discursos, nos quais se falou em “raro brilhantismo”, “um dos mais”, “as veneradas arcadas” e outras macuquices que tive de aguentar de pé firme em casa de meu avô. Eu percebia o jogo: a manifestação era mais dirigida a ele do que a mim, porque ele é um grande visconde e eu não passo dum simples “neto do visconde”.

Não respondi macucalmente, como era esperado. Declarei que não havia razão para a homenagem, porque se tratava dum bacharel mais pelo Largo do Rosário do que pela Academia, no qual as ciências do Triângulo superavam as do Corpus Juris. Disse ainda que um novo advogado não passa de mais um filoxera social que sai do casulo- e por aí além. Os manifestantes entreolharam-se. A nova e desconhecida na terra, mas a cerveja que o avô mandou servir (e creio que era ao que realmente vinham) reconciliou-se com o neto.

Não imaginas a estranheza da minha emoção quando estourou lá o primeiro foguete e alguém ao meu lado disse: “É a manifestação que vem vindo.”

Um foguete soltado por minha causa… “

Carta de Monteiro Lobato a Godofredo Rangel, publicada em A Barca de Gleyre

Veja também: O Facebook de Monteiro Lobato

 

 

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