Festas Religiosas como a Semana Santa estabeleciam mudanças alimentares nas casas taubateanas.
Durante a Quaresma por exemplo, as crianças não comiam carne, enquanto os adultos faziam jejum as quartas e sextas-feiras.
“E que jejum rigoroso. Pela manhã, uma xícara de café simples; ao meio-dia, o almoço comum, sem lanche à tarde, somente um prato de sopa, nada mais”, conta Maria Thereza Marcondes, no livro Tempo e Memória.
Já na Sexta-feira Santa, dia que não se comia carne, além da tradicional bacalhoada, o almoço das famílias era composto também de bagre ensopado e pirão de farinha de mandioca; traíra e lambari fritos; moqueca de peixe, feita com saguirú e outros peixes miúdos; bacalhoada à brasileira; bolinho de bacalhau; pinhão cozido e cuscuz de camarão e peixe (receita abaixo).
Para pegar os camarões “nós corríamos para o rio que passava no campo de frente da fazenda (São Joaquim no Bairro do Macuco) e enfiávamos as peneiras na água e puxávamos a peneira devagarinho e com cuidado. Esta vinha cheia de lodo que vazava, deixando os camarões pulando na peneira limpa. Era só pegar e colocar em uma vasilha cheia d´agua para que eles não saltassem fora. Quando a vasilha estava bem cheia de camarões (os de água doce são muito mais gostosos) voltávamos para casa”, lembra Maria Tereza.
A sobremesa do almoço de sexta-feira era paçoca de amendoim com banana.
“A paçoca de amendoim faz parte dos quitutes peculiares à Quaresma e à Semana Santa. No Vale do Paraíba a paçoca assume especial posição entre as demais prestigiosas sobremesas, quando é saboreada com banana madura, preferivelmente a banana ouro, porém as demais, ‘prata’, ‘maçã’ e ‘nanica’ também servem”, descreve o caderno “A culinária tradicional do Vale do Paraíba”.
O doce era feito da seguinte maneira: “Torrava-se o amendoim e despejava-o em peneira. Esfregando-o com as mãos, tirava-se toda a pele do amendoim que, depois de bem limpo, ia para o pilão com açúcar, farinha de mandioca e farinha de milho. Ia-se socando e mexendo com uma colher de pau, até a massa ficar solta de modo que desse para passar em peneira fina. Provava-se, para ver se estava boa de doce. Enquanto estivesse úmida, punha-se mais farinha de milho e de mandioca em partes iguais. Se fosse em grande quantidade socava-se no monjolo., ou então duas pessoas ao mesmo tempo socando no pilão, o que chamavam fazer ‘tutuca’. Quando uma levantava a mão do pilão, a outra batia. Era preciso muito ritmo, o que aliás, não faltava aos negros, para não baterem as duas ao mesmo tempo”, lembra Maria Thereza.
Tradições da Semana Santa em Taubaté
“Durante a quaresma, todos os domingos havia “Via-Sacra” na capelinha de São João. Dulce rezava na frente dos quadros, eu cantava e o povo respondia com o maior respeito de devoção.
Quando não vínhamos assistir às festas da Semana Santa em Taubaté, titia costumava reunir a família na Fazenda, para um almoço na Sexta-feira da Paixão. Era tradição uma bacalhoada, pois nesse dia não se come carne, e depois íamos beijar um grande crucifixo que ficava no quarto de hóspedes.
A criançada brincava o dia todo espalhada pelo quintal, às sombras da paineira, na estrebaria e na casa da farinha. As mais velhas ficavam conversando dentro de casa ou no jardim.
À tarde, depois da “janta”, as tias e primos iam para suas casas. Nós os acompanhávamos até a capelinha, na frente da qual havia uma grande cruz preta, que chamávamos “o cruzeiro”. Lá era o ponto da despedida e voltávamos para a fazenda ainda com sol.
As pessoas maiores de vinte e um faziam jejum. E que jejum rigoroso, felizmente não peguei esse tempo! Nós fazíamos somente abstinência de carne.
Lembro-me que mamãe e titia jejuavam todas as quartas e sextas-feiras na Quaresma, assim: pela manhã, uma xícara de café simples; ao meio-dia, o almoço comum, sem lanche à tarde, somente um prato de sopa, nada mais.
Eu, que comia muito bem e chupava frutas o dia todo, ficava apavorada e já me imaginava passando fome!… “
( Trecho retirado do livro Tempo e Memória de Maria Thereza Marcondes sobre sua infância e juventude vividas na Fazenda de São Joaquim no bairro do Mato Dentro do Macuco em Taubaté.)
Fontes: Livro Tempo e Memória de Maria Thereza Ramos Marcondes e Caderno “A culinária tradicional do Vale do Paraíba” de Maria Morgado de Abreu e Paulo Camilher Florençano