Texto de Angelo Rubim
Com a fundação do Diretório Republicano de Taubaté, a liderança política da cidade passou para as mãos do coronel José Benedito Marcondes de Mattos, que mantinha boas relações com o senador e Ministro da Fazenda, Rodrigues Alves, e era enteado do também senador, Joaquim Lopes Chaves. O primeiro, foi o padrinho do Diretório e era o mais influente político da região leste do Vale do Paraíba, enquanto o outro era um dos mais influentes da região oeste e patrocinador do grupo republicano taubateano.
Marcondes de Mattos foi a opção natural para liderar o grupo taubateano. Na cidade, foi o líder do Partido Conservador no regime monarquista, vereador por sucessivos mandatos, inclusive nos primeiros anos da República. Quando assumiu o Diretório de Taubaté, mantinha cadeira na Câmara há mais de quinze anos e, depois da morte de João Affonso, tornou-se o presidente da casa. Era um dos mais ricos fazendeiros do Vale do Paraíba, proprietário das fazendas Barreiro e Quiririm – onde se fundou uma colônia de imigrantes, hoje distrito de Quiririm -, e carregava um dos nomes mais tradicionais da região (cf. ORTIZ, 1996, T. III, pp. 9-12). A seleção do político foi conseqüência do continuísmo político, na mais clara situação de manutenção de uma ordem que aparentava ser bem sucedida, afinal, o político, no mandato anterior, foi o vice-presidente da intendência.
Havia outro fator auxiliador ao político. Nos primeiros anos da República, na análise de Lessa (1988, p. 73),
nem mesmo os que creditam ter a História algum sentido podem honestamente supor que havia ordem subjacente e invisível e regular caos da primeira década republicana no Brasil. Ainda que a cronologia induza a supor uma seqüência aceitável do ponto de vista da razão comum, o tumulto dos primeiros anos republicanos é virtualmente avesso à narração sistematizada.
Os acontecimentos políticos na Primeira República não se enquadram, sob o prisma regional, em determinismos bem definidos. No caso de Taubaté, por exemplo, o campo político estava aberto para a liderança por grupos que antes apareciam como coadjuvantes, diferente do que acontecia em algumas capitais. Foi assim com Afonso Vieira, que deixou brechas na ordem política da cidade para ocupação de políticos que não foram, necessariamente, os mais importantes para a elite taubateana.
O Diretório Republicano de Taubaté, aproveitou-se dessas brechas para sua composição e legitimação. Membros pouco conhecidos e, até mesmo desprezados pela antiga oligarquia taubateana fizeram, sob o controle de Marcondes de Mattos, parte desse grupo republicano. Sinais do que seria comum na política nacional somente depois da década de 1930 começaram a aparecer na cidade. A admissão de membros que não tinham qualquer ligação com a lavoura cafeeira foi marcante na história do grupo taubateano.
A consolidação institucional do município vinha sendo ensaiada desde 1895 com as discussões teóricas que aconteciam entre os antigos membros da casa legislativa de Taubaté e os então detentores de títulos da vereança. Apesar da atitude desesperada do Coronel João Affonso[1], a tentativa de formar um diretório na cidade foi bem sucedida. Não para ele, mas para a conformação de um grupo sólido, ocupando-se da fragilidade de grupos melhor organizados e mais bem estruturados, como foi o caso dos monarquistas representados pelos irmãos Câmara Leal e a família Oliveira Costa. Acontecia na cidade, um rearranjo político encampado por indivíduos supostamente convencidos com o sucesso da instituição republicana. Era um grupo novo, que dava importância relativa a seguimentos sociais aparentemente desprovidos de qualquer proteção institucional nos tempos da monarquia, que foi o caso dos industriais.
A herança deixada pelo coronel João Affonso para a chapa de Marcondes de Mattos na Câmara Municipal foi, então, a baixa institucionalização dos mecanismos administrativos, o personalismo político municipal e o descontentamento das antigas elites taubateanas que, a princípio, o apoiavam. O Diretório Republicano iniciou suas atividades descreditado entre os políticos mais conservadores da região, principalmente, ao longo do tempo, pelo emprego da “nova” elite taubateana nas fileiras administrativas, a começar pelo maior industrial da cidade, Felix Guisard.
O contraponto ao Diretório era o grupo formado a partir da Associação Artística e Literária de Taubaté, cujo nascimento foi resultado dos efeitos causados pelos problemas para a institucionalização republicana. Naturalmente, se o Estado apresenta fissuras que podem inviabilizar sua estabilidade, grupos opositores à ordem vigente tentarão se impor, pautados principalmente na tradição (cf. FAORO, 2000, p. 101, v.1). Afinal, no começo da República, as decisões tomadas na esfera macropolítica interferem diretamente nas relações políticas locais. A fissura encontrada pelos conservadores taubateanos foi exatamente na imprecisão nas relações políticas entre União e estados, que representava, por conseqüência, a asfixia política dos municípios. Os conservadores julgavam-se impedidos de acessar os benefícios da suposta liberdade prometida na propaganda republicana. Na verdade, o que se nota nesse embate, é o início explicito da disputa pelo poder municipal.
Os políticos da A.A.L. inauguraram uma maneira de reação monarquista pouco comum na História brasileira. Ao invés do simples combate de idéias e de ações violentas (como agressões e assassinatos, por exemplo), os conservadores taubateanos investiram significativos montantes financeiros no custeio de obras filantrópicas. A própria Associação Artística e Literária custeou a construção de um Liceu de Artes e Ofícios, com ensino regular primário. Encamparam campanhas em prol de entidades de auxílio aos mendigos e aos órfãos e doaram grandes quantias em dinheiro para o Hospital Santa Izabel. Encontraram uma maneira eficiente de aparecer no cenário político municipal. Do outro lado, a forma de visibilidade era justamente a Câmara Municipal, afinal, eram eles quem dirigiam a política municipal.
A estratégia do grupo conservador foi eficiente, pois tornava de utilidade pública seus serviços e os políticos republicanos de Taubaté viam-se obrigados a apoiar tais iniciativas. Foram várias as medidas de reação. A primeira era herança de uma longa discussão que havia sido patrocinada pelos jornais locais, que tratava da criação de um grupo escolar estadual na cidade. Discussão que tomou fôlego depois das ações conservadoras na cidade, e que surtiriam resultado relativamente rápido, quando, em 1900, iniciaram-se as obras do Grupo Escolar, com projeto arquitetônico de Euclides da Cunha.
Se é verdade que a ação do grupo sediado na A.A.L. foi em função da instabilidade e da descrença sobre a institucionalização do regime, é também verdade que o grupo de Marcondes de Mattos inaugurou uma engenharia institucional própria à administração pública. Mais claramente quando se trata do atendimento de uma demanda popular crescente com o aparecimento das fábricas na cidade, e do conseqüente crescimento do operariado, que era, nada menos, que os próprios moradores da cidade, agora munidos de certa independência política. Ao passo que acontecia a “modernização” da cidade, duas importantes figuras apareciam como símbolos desse fato. A primeira, e com maior evidência, foi a imagem de Felix Guisard, fundador da Companhia Taubaté Industrial (C.T.I.), e a outra é a do engenheiro Fernando de Mattos, responsável pela construção da rede de saneamento na cidade. Seu prestígio foi em função, única e exclusivamente, de sua influência na área urbana, que tinha uma dinâmica distinta da rural.
Antes, o exercício do poder se dava nas fazendas, nos bairros afastados da cidade, era o exercício do domínio da vontade de uma única pessoa sobre as que transitavam sobre seu “principado”. Com a consolidação da República, a cidade tornou-se importante centro de exercício do poder. O campo tornou-se assessório.
A absorção de personagens novos na política local revelava um salto temporal em relação às políticas nacionais e estaduais. A dinâmica taubateana não era puramente tradicionalista, nem totalmente modernizante. A doutrina das lideranças políticas era muito semelhante à organização do extinto PRF. Na origem, o Diretório Republicano de Taubaté assumiu característica continuísta, manteve na chapa os mesmos vereadores dos anos anteriores, e incorporou seus respectivos apoiadores. Até aí nada fora do normal. Os três primeiros anos de atuação do Diretório serviram para sua solidificação, atuaram sem grandes inovações na questão político-social. Foi o tempo de estabilização da ordem republicana, da busca de soluções para problemas reais, que iniciaria com Campos Sales.
O grupo liderado por Marcondes de Mattos foi formado a partir da ruína de seu antecessor (de Affonso Vieira), somado aos interesses de políticos menos conservadores, imbuídos na conquista de privilégios para si em detrimento das antigas aristocracias, polarizando, gradativamente, a disputa entre a facção recém fundada, que adotou membros mais ou menos associados aos interesses da lavoura, contra os políticos da antiga ordem institucional. A formação do grupo era heterogênea, com muitas diferenças ideológicas e mesmo políticas, mas livre de opositores radicais, como Fernando de Mattos, incorporado ao quadro funcional do município. Não era uma prática estranha na cidade, tendo em vista que o emprego de indivíduos “liberais” na Câmara já acontecia desde a primeira composição de vereadores na República, caso de Rodrigo Nazaret, sócio da C.T.I. Há um outro indício de valorização dos grupos industriais: muitos dos vereadores eram sócios de alguma indústria, o próprio Marcondes de Mattos figurava como um dos mantenedores da C.T.I. O grupo industrial ficou protegido, e o grupo político creditado entre os trabalhadores urbanos, o Diretório Republicado de Taubaté agia, portanto, com o consentimento popular, legitimou-se.
Os primeiros anos do século XX em Taubaté foram os de afunilamento das disputas políticas. A ordem institucional da cidade estava garantida, e o Diretório Republicano consolidado e legitimado no poder. O fato da heterogeneidade política e social do partido em Taubaté tirou de si mecanismos de supressão dos movimentos sociais, inaugurando uma fase de crescente conscientização das massas (ou parte dela) trabalhadoras. Com o avanço das idéias socialistas, grupos operários foram fundados e passaram a interferir na opinião pública, fato que seria decisivo em um dos maiores embates políticos na cidade envolvendo um dos maiores representantes do monarquismo em Taubaté, José Francisco Monteiro, o Visconde de Tremembé, e um operário estrangeiro, Augusto Kreye[2].
Do outro lado, o grupo monarquista assumiu as vestes do republicanismo, e passou a não mais discordar das indicações feitas pelo Partido Republicano Paulista (PRP) na cidade. O embate, a partir daquele momento, seria pelo controle partidário e, consequentemente, o controle político municipal. Não se tratava mais de monarquistas versus republicanos, todos, repentinamente, eram essencialmente republicanos, e respeitavam as decisões do PRP.
[2] Em 1902 Francisco Alves Monteiro foi acusado de tentativa de assassinato. O caso tomou proporções não desejadas, e interferiu amplamente na política local. É tema para outra discussão.
______________ Angelo Rubim é historiador, pesquisador de história social e política do Brasil e editor do Almanaque Urupês. Acompanhe o Almanaque Urupês também na nossa página do facebook e twitter
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