Como surgiu a prefeitura de Taubaté (parte 1)

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Texto de Angelo Rubim

Não é fácil falar sobre o surgimento de uma instituição política sem correr o risco de por à prova conceitos já solidificados. Também não é a minha proposta fazê-lo. Mas não vou negar que contar a história do surgimento da prefeitura de Taubaté, força a questionar as estruturas basilares da organização política.

Objetivamente, a prefeitura de Taubaté foi criada por força da LeiEstadual nº 1038, de 19 de Dezembro de 1906,  que estabelecia a organização municipal dividindo a administração entre os vereadores e o prefeito, além dos sub-prefeitos distritais. Determinava também a quantidade de vereadores que deveriam ter as câmaras municipais. Em seu artigo 3º, determinava que Taubaté teria 10 (dez) vereadores. Destes, por meio de eleição, escolhia-se o prefeito. Os sub-prefeitos eram escolhidos por meio de eleição pelos vereadores. Os candidatos eram os moradores dos bairros, não podendo ser nenhum edil. O mandato durava três anos, podendo haver reeleição.

Jornal de Taubaté de 20 de janeiro de 1907

O primeiro prefeito eleito em Taubaté, foi o Dr. Gastão Aldano Vaz Lobo da Câmara Leal, em 1908 (apesar da lei da organização municipal ser de 1906, a eleição para vereadores só aconteceu no final de 1907 e os eleitos assumiram nos primeiros dias de 1908). Escolha quase unânime, tendo em vista que a oposição tinha feito apenas três vereadores, sendo o advogado Bento Eneas de Souza e Castro era o mais representativo.

De forma bastante resumida, é essa a história da criação da Prefeitura de Taubaté. Um evento de pouca personalidade, se observarmos apenas pelo prisma jurídico. Mas será que foi simples assim? Quem era o Dr. Gastão? Por que foi ele o escolhido e não um dos outros nove vereadores?

Buscando entender essas questões é que iniciamos agora a série Política Taubateana, esperando que alguém mais se habilite a nos ajudar. Vamos lá!

Como era Taubaté entre 1889 e 1908?

Para responder à essa pergunta, vamos entender o que acontecia fora da cidade.

O Brasil vivia sob uma jovem República, tendo passado por dois modelos políticos em tão curto espaço de tempo. O primeiro, é o já bastante explorado período militar, chamado Governo Provisório, quando o governo federal ficou sob a tutela de Deodoro da Fonseca e de Floriano Peixoto. Em seguida, a partir de  1894, o governo civil, inaugurado por Prudente de Moraes.

Empresto um pouco das conclusões do brilhante Renato Lessa, autor da também brilhante obra “A invenção Republicana” sobre os primeiros anos da República Brasileira. Para o autor o período anterior ao governo Campos Sales foi um tempo em que a instituição republicana ainda não tinha uma organização lógica, ou seja, o período é caracterizado mais pela ausência de mecanismos institucionais próprios do Império do que pela invenção de novas formas de organização política (LESSA, 2002, p. 66). O que se percebeu no governo Prudente de Morais, e que serviu de recurso na propaganda de Campos Sales, foi que essa anarquia institucional aparecia como contrafactual, o que permitia constantes conflitos entre os grupos sociais. Campos Sales teria percebido também, que, durante o Império, havia uma lógica organizacional entre os oligarcas que independia da lógica estatal. A partir daí é que sugeriu o que ficou conhecido por “política dos governadores”. Isso quer dizer que foi no seu governo que a instituição passou a oficializar o ajustamento da política ao novo estágio das forças produtivas do país. Como houve o deslocamento para São Paulo do novo centro dinâmico da economia, nada mais plausível do que apoiar a instituição nas forças produtivas mais atuantes, que, inclusive, achava-se no direito de tomar decisões políticas conforme sua posição econômica. Manobra que era permitida pelo federalismo, pois os estados tinham plena autonomia administrativa.

O Governo na imaginação de Campos Sales é uma instância de administração, cujas decisões devem ficar a salvo da competição facciosa, a salvo da política […]. [Campos Sales] propõe a despolitização da estrutura governamental, o que é mais plausível, uma nova modalidade de política que deve buscar canais de expressão outros que não sejam o parlamento ou os partidos. (LESSA, 1999, p. 132)

O que quer dizer que a organização republicana se sujeitaria às vicissitudes de cada localidade, seria um acordo que reuniria as várias oligarquias, pois a instância maior da instituição estatal, o poder Executivo, se despolitizou, ficando o campo aberto para os poderes locais. O que fez foi apenas consolidar o que vinha acontecendo desde o governo provisório, as ações políticas do governo central eram desinteressantes para os poderes regionais, muito em função do Poder Moderador, que no final do Império não se desassociava do Poder Pessoal do Imperador.

A garantia de autonomia estadual, na tese de Lessa, trazia consigo a fragmentação do poder, tornando o campo propício para as disputas interestaduais. Sendo o objetivo da política Federal assumir responsabilidade apenas sobre as finanças, devido a fragilidade estadual, o Executivo Federal ampliava seus poderes, aparecendo como moderador entre as oligarquias, executando, de fato, o poder político. Foi uma estratégia que visava garantir plenos poderes ao Presidente na execução de suas atribuições.

Eis, portanto, como surgiram os grupos políticos nas cidades.

Taubaté se enquadra nessa estrutura, mas, por um período relativamente longo, a desvirtua.  A partir da leitura dos jornais da época, disponíveis na Hemeroteca Antonio Mello Junior – cuidadosamente guardados no arquivo público de Taubaté -, notamos a configuração de dois grupos políticos disputando o poder municipal. O primeiro foi um grupo que se originou a partir do primeiro Conselho de Intendência de Taubaté, o Diretório Republicano, liderado por José Benedito Marcondes de Mattos; o segundo foi o grupo de ex-monarquistas, que se organizaram sob a proteção da Associação Artística e Literária de Taubaté, sob a liderança de Pedro de Oliveira Costa e Gastão Aldano Vaz Lobo da Câmara Leal.

Cel. João Afonso Vieira. Acervo DMPAH

Como já havia dito aqui em outro artigo (Vida e morte da Ditadura Affonsina), não vou me estender em detalhes sobre o primeiro governo municipal republicano de Taubaté. Dele, o que nos interessa é saber que, a organização institucional municipal encontrava-se em um período de caos, pois a lógica administrativa passou a depender do detentor oficial do poder, que foi o intendente municipal, Cel. João Affonso Vieira, que exerceu o poder por um período maior do que lhe seria permitido por lei. Criou-se, entre 1889 e 1896, um governo personalista e estranho aos grupos que se revezavam no poder antes da Proclamação da República. A chamada Ditadura Affonsina foi algo semelhante ao que foi o Governo Provisório, só que em escala municipal.

O que se sucedeu foi o primeiro governo organizado sob uma mesma linha política e que, estranhamente, contrariando a chamada política das oligarquias formalizada por Campos Sales, era heterogênio, agregando indivíduos de origens distintas. Algo incomum em uma região acostumada a ter somente os grandes proprietários de terras e seus clientes em cargos políticos.

Veja também:

Como surgiu a prefeitura (parte 2);

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Angelo Rubim é historiador, pesquisador de história social e política do Brasil e produtor do Almanaque Urupês.

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