Bowie, Plantonistas do Tédio, Identidade e Outros
Texto de Teteco dos Anjos
E o ano começa com a triste notícia de que David Bowie nos deixou. E a partida de Bowie representa quase o fim de uma linhagem de músicos e poetas rebeldes e visionários, daqueles que ultrapassam os limites do aceitável e do lugar-comum, daqueles que revolucionam e são malditos por isso, daqueles que fazem o que bem entendem e são universais. Alguns dessa geração- se é que posso situá-la em algum lugar tempo-espaço – ainda respiram, como as letras de Bob Dylan, o eterno espírito rock and roll anos 60 dos Rolling Stones, Tom Waits, Poyson Yve, Iggy Pop, entre alguns outros pouquíssimos gatos pingados.
Eu sempre amei muito mais os artistas rebeldes e aloprados do que aqueles que são talentosos e lindos, mas são comportadinhos e previsíveis.( Na verdade, são raríssimos os artistas comportadinhos e previsíveis. A própria “tensão” da qualidade do ser artístico já o desestabiliza um pouco ). Por exemplo, sempre gostei muito mais de Syd Barrett do que os demais do Pink Floyd, os quais acho enfadonhos. Enfim, da linhagem de Bowie cito também Lou Reed, Lennon, Chet Baker, Amy Whinehouse, Lux Interior, os Ramones, Bradley Nowell, Kurt Cobain, Joe Strummer, Felá Kuti. Todos mortos. E tudo isso só falando dos estrangeiros do mundo da música. Claro, claríssimo…adoro muitos brasileiros em ação e muitos que já nos deixaram, os quais considero e os classifico como lindos, talentosíssimos e “estapafúrdios”. Sinto grande emoção com tais “estapafúrdios”.
E, na verdade, penso que o artista tem de ser um pouco rebelde, um pouco visionário, um pouco fora dos limites mesmo. Penso que Bowie nos deixou pois o mundo vem se tornando careta em demasia. Não?! O mundo está pesado demais e os “plantonistas do tédio” cresceram em volume, truculência e alcance. Triste, muito triste. Não se pode mais ser feliz ou engraçado e extasiante. É preciso ser sério, sisudo, lúgubre e muitíssimo bem comportado como uma múmia embalsamada, ou uma fera empalhada. Caso contrário, os milhares de plantonistas do tédio, os caretões murmurantes, estão por aí aos milhares, para te chamarem de doido varrido, de desequilibrado. Infelizmente, meu mano Toninho Mattos, “seu Tunico”, a humanidade ainda não está preparada para o êxtase.
Mas, qual o valor de um artista-múmia-embalsamada??? Um artista-fera-empalhada??? Pois é. David Bowie tinha mesmo que pular fora dessa patifaria pasteurizada. Diziam que o “Camaleão” não tinha identidade, mas não seria a múltipla identidade a sua inerente identidade ?! Gil disse certa vez que existem mil maneiras de fazer música e que ele gostava de todas, de fazer de todas as maneiras. Bowie…Gil…são seres “mutantes”. Ser mutante é uma identidade porreta de boa. Creio !!!
O Caetano Veloso nunca gostou do Bowie. É de direito, claro. Não há unanimidade. Nem os Beatles os são. Mas, também, não se pode achar que Caetano tem razão em tudo o que diz e faz, como muitos no Brasil esperam que ele assim seja. É impossível. É desumano. “Inhuman”. “Caetas” é humano, demasiado humano. E o fato dele não gostar de Bowie não desqualifica nenhum deles. Adoro os dois. Tem gente que não gosta de nenhum dos dois e tudo certo.
O querido Renato Teixeira sempre nos diz – ao Coletivo Música Taubateana – um ditado russo muito bonito. “Cante sua terra e serás universal”. Ele e o ditado têm razão. Maiakowski assim o fez. Só pra citar um russo dos mais russos. E eu lembrei desse ditado aqui porque fui indagado por um jornalista amigo se “os baianos não seriam bairristas demais”. Ele estava se referindo diretamente ao Gil e ao “Caetz” e a postura dos dois com tudo o que surge da Bahia. Bem, eu respondi “sim e não”. Sim e não é algo bem democrátrico e abrangente.
Gil e Caetano exaltam, até com certo ufanismo, tudo o que a a Bahia produz em música, seja boa ou ruim, disse meu amigo jornalista. Com ressalvas eu concordei. Pois penso que eles gostam e precisam defender a terra deles, o rincão deles, o arrebol deles, os deles….sejam bons ou ruins. Cabe aqui o que eu disse lá em cima; Gil e Caetano não precisam ter razão em tudo. Pra quê ter razão em tudo??? Que chato !!! Que absurdo !!!
Amo o ditado sempre citado por Renato Teixeira. Mas, sinto e sei que se um poeta ou compositor viveu, vive e viverá experiências longe de sua terra não há nada de errado em cantar tais emoções alienígenas. O que não se pode é perder a raíz, ou identidade de origem. O sagrado berço. É isso aí. Pois assim até mesmo as emoções alienígenas passam a fazer parte de um universo pessoal que, obviamente, teve origem em algum ponto desta terra. Ou seja; a tua própria terra e o teu povo.
Em suma, eu odiaria ouvir dizer que Teteco dos Anjos sempre tem razão em tudo o que diz aqui e acolá. Cruz Credo. Tenho e não tenho. E, pra finalizar, nunca acreditei muito em Deus, mas em David Bowie e similares eu creio sempre !!! No mais, lembrem-se: pessoas que aparecem em redes sociais, sorridentes e felizes segurando uma cabeça de alface ou uma bandeja de frutas não são confiáveis. Nem mesmo aquelas que tiram selfies ao por do sol numa praia paradisíaca, aparentando estarem em “nirvana” ou iluminadas. Na na ni na não !!! Não podem ser confiáveis !!! Acreditem !!!
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Teteco dos Anjos, “músico, proto-poeta e jornalista” e com a cabeça cheia de ideias mirabolantes, escreve semanalmente, ou quando der na telha, no Almanaque Urupês[/colored_box]
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