Ao encontro dos rios. E a briga dos galos índios.
Por Celio Moreira
“Nós não paramos de brincar porque envelhecemos,
Mas envelhecemos porque paramos de brincar.”
(Homero)
Estava admirando meu pai fazer a barba. Enquanto espiralava o pincel no rosto, fazendo desaparecer em espessa e alva espuma a barba serrada que ostentava, olhou pra mim e disse: você ainda vai urinar de raiva quando tiver que fazer isso! Que nada! Foi só ele sair do banheiro e, com os mesmos apetrechos, cobri a cara de espuma para depois retirá-la com um enorme facão sem o mínimo de corte. Sim, eu estava brincando. Mas, no fundo no fundo, queria avançar rapidamente no tempo para poder alcançar as coisas que só aos adultos se permitiam.
Um dia antes papai chegava apressado, chamando por minha mãe: Elza, Elza! Que é IZAURO? Fala! Amanhã!… Começo amanhã no Country! Ah, que bom! Até que enfim?! Bom demais – emendei. Vamos freqüentar o melhor clube da cidade! É…, mas vê lá, menino, como vai se comportar, hein?! O velho não era biscoito!
Na nova fase de encanto que se avizinhava em nossa vida, comecei a imaginar a delícia que seria cair naquela piscina grande e bonita; atravessá-la todinha com boas braçadas!
Antes de nascer ficamos nove meses flutuando numa bolsa de líquido e soltamos o berreiro ao sairmos dela. Talvez, por isso, quando aprendemos a andar, vamos em busca da água ou da bolsa que nos protegia antes de virmos ao mundo.
Assim, não tem como esquecer o primeiro mergulho de nossa vida. E aconteceu num riozinho ao qual se chegava depois de boa caminhada, passando pelo Aero Clube de Taubaté e pouco antes da entrada para o QUIRIRIM. Primeiro e efetivo contato com a água corrente, nativa. Era um córrego que formava uma pequena piscina refrescante, genial. Desde então aumentou nossa vontade em descobrir os outros rios da cidade. O Una, que ficava do outro lado da cidade, seria o próximo. Os irmãos Homero e Décio CAMILHER, nossos amigos, concordaram em nos acompanhar, pois conheciam o caminho. E partimos, num dia de Finados, todos pedalando, menos eu, que estava de carona no quadro da bicicleta do Homero.
Andamos o tempo todo numa estrada muito acidentada e quando atingimos a descida do “Morro Tira Chapéu”, quase chegando ao destino, a coisa piorou- e muito! Quem já passou por lá sabe muito bem! Nossa bicicleta, com maior peso, começou a ganhar velocidade. Freia, Homero! Freia! Que nada! Lá se foi o freio! E a bicicleta começou a descer em grande velocidade. Como bólide! No final, uma curva bem fechada vinha cada vez mais ao nosso encontro! Não vi mais nada, nem mesmo o Rio Una. Com o baque, o quadro da bicicleta transformou-se em “V”, exatamente onde eu estava sentado. Claro que saí voando, nem sei pra onde! Fiquei tonto. Dias depois, quando fomos visitar o Homero, não deu pra segurar a gargalhada. Seu rosto, pernas e braços, sei lá mais o que, estavam todos arranhados. Parecia que o nosso amigo havia passado por um ralador. A coisa foi feia mesmo, mas nossa expedição tinha que continuar e, em pouco tempo, estávamos indo conhecer o Rio Itaim. Pouco antes de chegar à ponte onde o rio passa caudaloso, para se espraiar em seguida, formando um pequeno lago, paramos para admirar a fazenda do Itaim que diziam pertencer aos CEMBRANELLI. Na frente do casarão os pés de BREJAÚVA despertaram nossa atenção. O suficiente para atravessarmos a cerca de arame farpado para colher alguns. Os frutos, quando verdes, possuem pequena polpa com água no interior, como o coco, e dão nos cachos de pequenas palmeiras com o corpo coberto de espinhos… Uma delícia! Era comum serem vendidos em bancas externas do Mercado Municipal. O passeio terminou no fim da tarde, depois de muitos mergulhos nas águas do Itaim, última etapa para encarar o perigoso Rio Paraíba.
Com o novo emprego de papai, uma nova atração, no entanto, superou qualquer outro interesse. Precisamente há dois quarteirões de nossa casa ficava o clube que passaríamos a freqüentar na Rua das Palmeiras. Barrados na portaria, eu e Cid tentamos engrossar a voz para dizer que éramos filhos de IZAURO Moreira, o novo gerente. O aspecto antes indiferente do porteiro abriu-se num largo sorriso e a passagem imediatamente franqueada. Enquanto escapava direto para a piscina, meu irmão sumia pela banda das quadras de tênis que ficavam à direita, escondidas em sebe espessa de cedro e ao lado de uma quadra descoberta de basquete. Cheguei à piscina, todo prosa, apresentando minhas “credenciais”, mas o encarregado informou que era dia de manutenção e que só poderia entrar na água se fosse pra fazer alguma coisa. Claro, diz aí o que tem pra fazer! É só esfregar isso aqui em toda volta do quebra onda. Vai ser uma boa ajuda! E colocou em minha mão uma barra de sapólio. Tudo bem? Claro que sim, pois acabava de oferecer o que mais queria. A água estava morna e azul-anil, exalando ativo cheiro de cloro, em contraste com a perfumada manhã. Em pouco tempo toda a volta do quebra onda estava limpa e passei a realizar meu grande sonho, atravessando a piscina lentamente, nado cachorrinho. Procurei meu irmão pra contar a façanha e lá estava ele pegando bolas na quadra de tênis. Quando o jogo terminou vi que recebia algumas moedas dos tenistas. Que legal! Passei, também, a pegar bolas e a ter um dinheirinho para o cinema e admirar o esporte que até hoje cultuamos em nossas casas.
No lado esquerdo, parte dos fundos do TCC, o terreno era inculto, havendo apenas um grande poço raso e descoberto, mas com muita água, suficiente para a manutenção do clube. A única construção naquele lado era uma rinha que funcionava nos fins de semana. Curioso, como toda criança, quis assistir, pela primeira vez, uma briga de galos. E fiquei impressionado com a valentia das aves! Antes do início da briga os galos são exibidos na arena por seus donos e começam as apostas. A torcida delira todo o tempo enquanto os índios se atracam numa luta feroz. Quando o desfecho da briga custa para chegar ao final, os galos são colocados num pequeno compartimento fechado, chamado “Rebolo” e que, a cada momento é aberto para apurar o vencedor, enquanto uma nova briga tem início. Nesta noite, porém, um resultado surpreendente no rebolo: Os valentes galos índios foram mostrados exangues e em agonia. Não havia vencedor.
[box style=’info’]Celio Moreira
conhecido também como O Sombra, do Jornal de Vanguarda, é um dos grandes profissionais de comunicação da história do jornalismo nacional.
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