AI DE TI, ZONA FRANCA!

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Como é morar em Manaus? Perguntaram-me uma vez. Demorei para responder. Ora, tem sido uma experiência única para mim que passou a maior parte da vida no Sudeste, mas vou tentar resumi-la a seguir.

Engraçado. A primeira palavra que me veem a cabeça é “caos”. Pense numa infinidade de barulhos e ruídos nas mais diferentes e irritantes intensidades, sem falar de engarrafamentos, calçadas totalmente ocupadas por ambulantes e um calor desumano. Pois é, muitos conseguem visualizar perfeitamente esse quadro porque em algum momento da vida o presenciou quando foi à uma cidade grande.

Manaus é um grande centro urbano. Afinal estamos falando da capital de um Estado que ficou em quarto lugar no índice dos maiores com produção industrial em alta. Por isso não é de se surpreender que Manaus tenha os mesmos problemas que muitos centros urbanos como São Paulo: poluição sonora, enchentes, inversão térmica, etc.

Vista aérea de Manaus. Foto de Chico Batata

Caos carrega sempre a ideia de algo negativo, mas um lado positivo também. A diversidade é um caos de estilos, de pensamentos, de cores, de vidas. A democracia também não é um caos de emendas, projetos e posicionamentos políticos? No lado cultural, Manaus também é um caos – e graças a Deus! É gente do interior, do Nordeste, do Japão, do Rio de Janeiro, de Tangamandápio, todos vivendo juntos, se esbarrando nas ruas, nas lojas, nos pontos de ônibus ou nos botequins. Isso sem falar das “tribos urbanas”. É uma diversidade que se faz sentir no desenho da cidade também: shoppings modernos e luxuosos ao lado de casebres de madeira e ruínas de casarões antigos.

Uma cidade grande também é assim: cosmopolita. Mas ainda assim podemos ver alguns traços singulares sobrevivendo na Manaus de hoje. Muitos valores da cultura caboca (se escreve assim mesmo por aqui), tapuia, indígena, ribeirinha ou nordestina sobreviveram a “modernização”, o que é um milagre. Manaus se urbanizou muito rápido com a chegada da Zona Franca, num processo em que o maior ator foi o capitalismo internacional.

As empresas precisam de gente especializada, por isso chamam pessoal de outros estados e de outros países para cá. Os ribeirinhos acham que na cidade terão mais oportunidades de vida, vêm para a capital e quebram a cara. Os imigrantes idem. O jeito é sobreviver no distrito ou no mercado informal. O jeito é morar na periferia ou criar um assentamento.

A cultura nesse processo fica meio que chocada, diante de um mundo sedutor que se abre á sua frente. Nos primeiros anos de Zona Franca todos podiam ter a última moda nos EUA, os blue jeans. Sem falar de um lanche internacional: suco de laranja vindo da Holanda, pistaches do Peru… O consumo fazia o caboco esquecer um pouco de suas raízes. No dizer do etnobotânico e mestre capoeirista Luís Carlos Bonates, a Zona Franca tirou a nossa alteridade. Alguns acham que a recuperamos, outros que não.

Ribeirinho da Amazônia. Foto de Gregg Newton

Descobri que muitos manauaras se sentem muito mais estrangeiros do que eu. A cidade mudou tanto e tão rapidamente que se tornaram estranhos em sua própria terra. Não sabem se são cabocos ou paulistas ou japoneses. Novas culturas, novas imposições culturais, tudo isso ajudou a se sentirem assim.

Zona Franca de Manaus
Zona Franca de Manaus

Como eu disse, a palavra “caos” é bem ambígua. Isso porque ela costuma vir acompanhada de um julgamento de valor: o caos é mau e a ordem é boa. Nas narrativas de muitos povos, a origem do mundo começou quando a ordem subjugou o caos primordial. No nosso caso, vamos abandonar essa dicotomia tão pobre. Mesmo no caos há ordem ou será que numa democracia não existem os lobbys, os blocos partidários? Ou será que na diversidade não existe grupos que se sobressaem sobre outros? Ou será que uma invasão ou um assentamento não possui a sua própria lógica interna? Ou será que em um universo de buzinas, luzes e barraquinhas não existe algo por trás tornando todo esse quadro possível? Precisamos ir além das aparências, encontrar a essência do viver urbano e ela pode estar nos processos históricos, políticos e econômicos que os grupos sociais vivenciam. Portanto, a Zona Franca é só a ponta do iceberg na tentativa de se entender Manaus hoje. Em nossos próximos encontros podemos ver outros pedaços desse gigantesco iceberg.

 

 

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Vinicius Alves do Amaral é licenciado em História pela Uninorte.

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