Abóbora – Doce sol da Mantiqueira*

 Abóbora – Doce sol da Mantiqueira*
Texto de Solange Barbosa

Lendo algumas revistas Gula, edições bem antigas, da  qual sou colecionadora, li dois textos lindos dedicados  a Abóbora, um era  intitulado “O Sol posto à mesa”, e o outro  da edição 48, de outubro de 1996, página 92, da autoria de do Chef Christian Formon, intitulado  “Senhora Abóbora” , já me identifiquei e resolvi acrescentar meus devaneios culinários e saiu este texto:

ABÓBORA – DOCE SOL DA MANTIQUEIRA*

Um gosto lembrança: o fino cristal que cede fácil aos dentes gulosos e dá lugar à massa doce de sabor delicado.  Um escândalo cor-de-abóbora, porque é justamente dela que se trata. É  por aí, sem perceber, que de mansinho a gente vai se iniciando nos mistérios da abóbora.  Sem imaginar que ela possa ter mistérios, ela quem diria, tão trivial, tão caseira…versátil ela se faz doce ou salgada, apenas refogadinha transforma-se no simples e sábio “quibebe”(quem me conhece sabe da queda que eu tenho pela “papa de abóbora”, acompanhamento que torna-se curinga na mesa do Brasil caipira; junte-lhe então um bom caldo de galinha ou carne e ela resplandece numa sopa cor de sol.  Cristalizada e em calda, cortada em cubinhos é como o sol nadando na compoteira; o doce de abóbora com coco é basicamente um lugar comum dos quitutes brasileiros.


Veja uma receita de Quibebe, com Solange Barbosa.

Talvez o grande mistério da abóbora seja esta sua capacidade de se transformar, de adaptar-se tanto a consistência de um pão quanto a leveza de uma musse. Fruta mágica, bruxa, fada, encantada!!! Bruxa?? Sim, isso mesmo, nós brasileiros já festejamos o Hallowenn dia 31 de outubro (ainda bem que agora festejamos o Ralouin com direito a Festa do Saci)  Fada?? Sim, não foi ela quem levou Cinderela ao baile? Aliás, em Queluz tem uma versão disso. Fruta mágica??? Sim, coma um pedaço de abóbora em calda ou passe o doce de abóbora com coco em uma fatia de pão com manteiga e me diga se você não volta instantaneamente à sua infância na roça ou em qualquer lugar da sua memória onde tudo é muito bom, cheiros e sabores lembranças de amor???.

Bebê, menina, mulher, fênix renascente, a abóbora transforma-se, manifesta-se na natureza como bem entende, depende de seu tempo, de sua vontade de mulher…no fundo do quintal arrasta-se pelo chão com os seus tentáculos, estes ao  serem arrancados a tornam mais poderosa e permitem que se multiplique (quem nunca saboreou uma sopa de milho verde com cambuquira???), vai crescendo e se, ainda menina nós a tiramos do pé, eis surgindo aí os deliciosos pratos a base de abobrinha verde, se, no entanto, a deixamos espichar-se pelo quintal ela se alonga, vai adquirindo uma cor rajada de amarelo: são os raios de sol se espalhando pelo quintal.

A abobrinha, nada mais que a abóbora jovem. Foto de Solange Barbosa

Continuando seu caminho podemos vê-la transformar-se na abóbora madura, mulher e aí, bem…temos o próprio sol posto a mesa.  E ela ainda nos dá flores, alegramos nossa mesa usando-as como decoração ou alegramos nossa alma comendo-as com volúpia. Assisti há muitos anos atrás num canal de gastronomia, o chef viajante Jamie Olivier preparar uma cesta de flores de abóboras empanadas e fritas, linda preparação!!!E tantas são as suas formas, seus nomes que se multiplicam por este Brasil afora, de singela abóbora-menina à insinuante abóbora-serpente, indo da rechonchuda moranga até a masculinizada jerimum.

Na cozinha brasileira a “essência” dos pratos a base de abóbora é a sua polpa, mas, nem por isso o resto é desprezado: a casca redonda da moranga é usada como recipiente para servir as sua  polpa  temperada com camarão (Litoral Norte), com carne-seca (Cruzeiro e Queluz) ou frango, entre outras preparações, o que dá um ar exótico na apresentação do prato, a moda hoje são as mini-abóboras, lindas e de um efeito visual impressionante.

E as sementes??? Coloque-as em uma assadeira, ligeiramente untadas com óleo e salpicadas com sal, torre-as e depois sirva como um excelente aperitivo, acompanhadas de uma cerveja gelada….

Flor de onde nasce a abóbora. Foto de Solange Barbosa

E para fechar, uma receita de abobrinhas que adoro:

Abobrinha em cubos refogada

2 abobrinhas verdes médias cortadas em cubinhos;
1 cebola pequena picada;
2 dentes de alho picadinho;
1 tomate grande cortado em cubinhos;
Sal e cheiro verde a gosto;
1 colher de sopa de óleo de milho.

Leve o óleo em uma panela (fogo baixo), frite o alho e a cebola até murcharem, acrescente a abobrinha e o tomate, mexa bem, verifique o sal e pingue a água, tampe e deixe cozinhar até a abobrinha ficar macia (não deixe desmanchar), acrescente o cheiro verde picadinho, desligue o fogo.

Opções para servir:

Sirva sobre pão sírio untado com azeite;
Sirva acompanhada de arroz branco;
Sirva sobre fatias de pão italiano levemente aquecido com azeite.

*Doce sol da Mantiqueira (lembrando a deliciosa introdução do hino oficial de Tremembé: “com o lindo pôr do sol da Mantiqueira, Manoel Costa Cabral se encantou”….)

Solange Barbosa é técnica em turismo e especialista em turismo cultural de base comunitária. Criadora do projeto Rota da Liberdade e consultora da UNESCO no projeto Rota do Escravo. É intermediadora cultural e consultora em assuntos culturais da população negra de Taubaté e região.

 

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