A ODISSÉIA DE UM GRANDE JORNAL E A NOBREZA DE UM AMIGO DE VERDADE
Por Celio Moreira
Após breve passagem pela cabina da TV Excelsior do Rio de Janeiro como locutor e redator de chamadas, algo que, pela mesmice, começava a causar enjoo, resolvi brincar um pouco e passei a ler os textos imitando vozes de famosos narradores, num recordar dos velhos tempos de rádio em Taubaté. Assim aconteceu durante toda uma tarde de 1963. Interessante é que as imitações determinaram o fim de minha permanência trancado naquele cubículo, ainda que na maioria das vezes, é verdade, junto de as mais agradáveis companhias. Mané Garrincha e seu amigo Nilton Santos, por exemplo, eram presenças garantidas que, semanalmente, ali ficavam para assistir Elza Soares, sempre, num fantástico desempenho! Outra presença muito querida e quase permanente na programação noturna era a de Manoel da Conceição, “Mão de Vaca”, excelente violonista contratado pela emissora.
Bem depois, falando a uma revista sobre o sucesso dos BONECOS FALANTES no JORNAL DE VERDADE, BORJALO revela que minhas imitações chamaram a atenção do Diretor de Broadcast, Carlos Manga , que ligou imediatamente para Geraldo Casé, diretor do departamento responsável, querendo saber o que era aquilo, com tanta gente falando na cabina.
– É o Célio, Manga! Ele que está fazendo as vozes! Estamos nos divertindo aqui!
Não demorou muito e para minha surpresa, fui chamado à sala de Fernando Barbosa Lima, diretor do Departamento de Jornalismo.
– “Célio, quero te contratar para a equipe do Jornal de Vanguarda. O que você quer fazer?”
A resposta foi pronta porque esperava uma oportunidade para repetir algo que já havia feito em São Paulo e que me deixava muito à vontade no costumeiro calor dos estúdios, pois ficava livre da obrigatoriedade da maquiagem e do uso de paletó e gravata:
– Quero fazer “O SOMBRA”!
– Sombra?!
–Sim. Foi o personagem que representei na TV Paulista. Abordava um fato importante da semana com a silhueta projetada contraluz numa tela.
-Tudo bem, disse Fernando.
Estendeu-me a mão e sentenciou: “esquece a cabina, ok? Você começa hoje”. Fernando sabia das coisas. Por isso mesmo se constituiu no maior produtor de programas da televisão brasileira!
Minha estreia no jornal aconteceu naquela noite mesmo. E lá estava “O SOMBRA”, a revelar
Surpreendentes notícias, reflexos da grave situação política do país. Contudo, parecia um sonho estar, naquele momento, ao lado de grandes nomes como Luiz Jatobá, Sargentelli, Sergio Porto, Millôr Fernandes, João Saldanha, Jacinto de Thormes, Gilda Muller, Barão de Itararé, Vilas Boas Correia, Borjalo, Appe, Tarcisio e Haroldo Holanda, enfim, um time de primeiríssima qualidade e que receberia, em breve, o prêmio internacional “ÁGUIAS DE PRATA”, conferido pelo governo espanhol ao melhor telejornal do mundo.
Além de participar da equipe de apresentadores, me surpreendo com outra extraordinária missão: fazer dupla com Sergio Porto na produção de “Filme Fofoca”, um dos quadros de sucesso do programa “Play Boy”, exibido no Rio e em São Paulo na década de sessenta. Nossa missão era colocar vozes em filmes mudos, antigos. Na verdade, um prato cheio para por em prática a veia de humor atiçada em meus nove anos de rádio em Taubaté! Agora, ao lado de Stanislaw Ponte Preta que, desde São Paulo, já o acompanhava na admirável e divertida coluna do jornal “Última Hora”. Melhor ainda foi que, dessa convivência, nos tornamos fraternos amigos, frequentadores do Maracanã e das noites cariocas. Começava a viver um dos grandes momentos de minha realização profissional.
O Jornal de Vanguarda, líder de audiência, incrível, passou a ser cobiçado pelas emissoras do Rio.
Quando veio a notícia de nossa ida para a Urca, a grande maioria concordou prontamente, inclusive meu irmão que, a meu pedido, havia se incorporado à equipe com o esperado brilho. Quem não gostou muito foi a TV Excelsior, tudo fazendo para que a medida não se efetivasse. Chegou a entrar com processo na Justiça do Trabalho citando nominalmente todos os que abandonaram seu ninho.
Mas a decisão já estava sacramentada e partimos para o desembarque na TV Tupi. Antes, em famosa churrascaria de Botafogo, diretores da emissora recepcionam a equipe que é saudada pela excelente atriz pernambucana Arlete Salles.
Nosso jornal continuou absoluto no novo endereço e motivo de satisfação para todos. Para dar uma sacudida no horário das sete, cuja audiência estava à zero, Fernando Barbosa Lima lança “Patrulha da Cidade”, programa policial vivido no interior de uma delegacia, onde José Lewgoy era o “xerife”; Eu e Samuel Correia com as notícias do mundo do crime e a excelência dos comentários de Stanislaw Ponte Preta. Não sei se ainda existe o acervo audiovisual da extinta Rede Tupi de Televisão ou se alguma gravação deste programa foi conservada pela Cinemateca Brasileira. Ah…! Como gostaria de revê-lo!
A audiência, que acusava sòmente traços naquele horário, passou a registrar sete pontos na primeira semana de apresentação.
Tudo corria otimamente na Terra Tupiniquim, mas uma nova viagem estava sendo confirmada. Ufa! O destino agora era a TV Globo, a mais nova emissora da cidade, colada ao Jardim Botânico e instalada em prédio próprio, equipamentos de última geração. A equipe, provavelmente bem feliz, porque o local de trabalho estava mais próximo do LEBLOM, bairro no qual habitava grande parte dos apresentadores.
Repete-se mais uma estreia com grande audiência, levando a crer que, desta vez, todos se acomodariam no novo endereço; que nosso barco, finalmente, havia chegado ao derradeiro cais.
Mas, decorre algum tempo e a TV Excelsior, aparentemente, esquece os dissabores do passado e acena com novo convite para o retorno da equipe à emissora. Mais uma vez, como sempre, estava pronto para seguir. Porém, acostumado a não contar até dez para decidir qualquer coisa, desta vez soprava em meus ouvidos a observância de cautela, pois havia assumido importantes compromissos. A tranquilidade foi restabelecida quando um dos diretores afiançou que o contrato seria mantido nas mesmas condições da emissora da qual nos despedíamos.
Assim, mais uma vez, lá fomos nós, menos BORJALO, que ficou para ocupar importante cargo de direção, mais o narrador-apresentador Luís Jatobá. Sem dúvida, grandes perdas para o jornal!
Primeiro mês de trabalho na TV Excelsior, acontece o inesperado! Ao abrir o contra cheque vejo que o que fora prometido não estava sendo cumprido! Reclamei com o Caixa, falei com o tal diretor, com toda a diretoria e, como ninguém se tocasse, saí batendo com força todas as portas que foram ficando atrás de mim, até ganhar a rua e a franca disposição de não retornar. As palavras de BORJALO, quando nos despedimos do cenário anterior, explodiram luminosamente em minha cabeça: “- Quando tiver que voltar, Célio, já sabe o caminho, ok?!”
Horas depois, ao som de “UN HOMME ET UNE FEMME”, nosso prefixo, estava mesmo de retorno para viver cinco anos de sucesso com as vozes dos Bonecos Falantes de BORJALO e “O SOMBRA”, agora no premiadíssimo “Jornal de Verdade”. Meu trabalho foi gravado em duas ocasiões pela TV Alemã para ser exibido em cadeia europeia e norte-americana de televisão.
Em 1970, ao terminar o contrato com a TV Globo, aceito convite para trabalhar na TV Educativa, onde permaneci por 32 anos. Certo dia, por determinação de seu fundador e presidente Gilson Amado, recebi a honrosa missão de receber o amigo e grande produtor Fernando Barbosa Lima que estava assumindo a Diretoria de Programação. Valeu, portanto, nossa insistência junto ao reitor para efetivar a mais interessante das contratações! Mais tarde Fernando voltaria para exercer, em dois períodos, a Presidência da Fundação Centro Brasileiro de TV Educativa. Época de ouro da nossa TVE!
Quando a idade começa a avançar, o tempo também voa. Deixa transparecer uma leve conspiração para tornar mais breve nossos bons momentos de vida na aposentadoria.
Parece que foi ontem, mas, há pouco mais de oito anos, encontro Fernando Barbosa Lima, talvez um ou dois meses antes de seu falecimento. Ele veio em minha direção, bem diferente de tantas outras vezes quando nos descobrimos em ITAIPAVA e disse: – Célio, você lembra quando fomos para a TV Globo? – Sim, claro! – Pois é – nosso patrocinador renovou o contrato, mas reduziu a verba e não tive como levar toda a equipe. Comentei o problema com Sergio Porto e mostrei a relação dos que não seguiriam com a gente. Você estava nela. Mas, ao ver seu nome ele me olhou surpreso e disse: O Célio vai, sim, Fernando! Divida meu cachê com ele!…
Depois de breve aceno, Fernando se afastou e eu continuei estático, sufocado pela emoção e pensando no grande amigo que havia partido tão cedo para não mais voltar.
[box style=’info’]Celio Moreira
conhecido também como O Sombra, do Jornal de Vanguarda, é um dos grandes profissionais de comunicação da história do jornalismo nacional.
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4 Comments
…só para lembrar ao Célio que Carlos Manga antes de ir para a televisão foi também diretor de filmes na época das chamadas “chanchadas”…filmes em que sempre encaixavam os cantores da Rádio Nacional num quadro qualquer…
É verdade, meu caro José Diniz Júnior. Carlos Manga faz parte da história do cinema nacional. Acompanhei todo o seu trabalho quando ainda estava em Taubaté e nunca poderia imaginar que, um dia, estaria trabalhando com ele no Rio de Janeiro (TV Excelsior) Manga era amigo de Cyl Farney, diretor de uma produtora, que também era meu amigo. Certa vez, ambos me chamaram para gravar um comercial da Gillette. O cachê foi ótimo, mas a gravação escolhida foi a de um ator paulista cuja performance mereceu o aplauso de todos
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…só para lembrar ao Célio que Carlos Manga antes de ir para a televisão foi também diretor de filmes na época das chamadas “chanchadas”…filmes em que sempre encaixavam os cantores da Rádio Nacional num quadro qualquer…
É verdade, meu caro José Diniz Júnior. Carlos Manga faz parte da história do cinema nacional. Acompanhei todo o seu trabalho quando ainda estava em Taubaté e nunca poderia imaginar que, um dia, estaria trabalhando com ele no Rio de Janeiro (TV Excelsior) Manga era amigo de Cyl Farney, diretor de uma produtora, que também era meu amigo. Certa vez, ambos me chamaram para gravar um comercial da Gillette. O cachê foi ótimo, mas a gravação escolhida foi a de um ator paulista cuja performance mereceu o aplauso de todos
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