A mulher na História: submissa, frágil e dependente… Será mesmo?

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Durante muito tempo somente os grandes feitos históricos eram tratadas como dignos de serem estudados pelos pesquisadores. No entanto, felizmente, a escrita da História sobre a mulher vem ganhando espaço nos últimos tempos. Muito se tem lutado e discutido a este respeito, para que esses estereótipos de submissão, passividade, imobilidade, ou de promiscuidade, imoralidade a respeito da mulher na História, sejam modificados.

Em toda a História, o comportamento feminino sempre foi alvo de restrições. O casamento tinha divisão de papéis confirmados pela tradição religiosa, que segundo a historiadora Mary Del Priore, “o marido tinha necessidade sexuais e a mulher se submetia ao papel de reprodutora”. Com isso, a infidelidade masculina, deveria ser tolerada. Esperava-se que a mulher sempre fosse “frágil, agradável, boa mãe, submissa e doce”.


Aqui a mulher é submissa…(Funcionário passeia com a família, Jean Baptiste Debret.)

Apesar de todas as regras de conduta da sociedade da época, muitas vezes o comportamento feminino, principalmente entre as mulheres pobres, não coincidiam com o esperado. Segundo outra historiadora, Maria Odila Leite da Silva Dias, “Mulheres bravas, tinham de exercer a arte de inventar e de ‘ajeitar as cousas do dia-a-dia’. Era uma relação vital e mágica de improvisação de papéis informais, sem os quais não teriam como subsistir.”

Um Libelo Cível que de 4 de agosto de 1860, tendo como  autor João Machado da Silva e ré, Maria Rosa do Espirito Sancto, relata a tentativa do autor de se apossar de uma casa situada na travessa da Igreja Matriz, na cidade de Taubaté, que pertencia a ré, afirmando que a casa era de sua esposa, Claudina Maria de Jesus, falecida, que a vendeu sem seu consentimento, portanto, sem validade.

A ré Maria Rosa defendeu-se, dizendo que tudo que Claudina conquistou em sua vida, incluindo a casa, foi depois que se separou do autor e foi morar com Joaquim Manoel de Freitas e que mais posteriormente se tornou uma comerciante reconhecida. Claudina vivia numa “completa miséria”, não podendo, com isso ser possuidora de uma casa, enquanto esposa do autor.

As testemunhas do processo afirmaram que Claudina deixou a companhia de João Machado “por vontade própria visto que o mesmo vivia brigando com ella”. Outras asseguraram que deixou a companhia do autor “por este judiar d’ella”. Ao sair da relação que mantinha com João Machado, foi ao encontro do Capitão Joaquim Manoel de Freitas. Entretanto, não quis viver na dependência de seu companheiro, passando a comprar e vender produtos, e obtendo lucro, conseqüentemente adquirindo bens. O próprio Joaquim Manoel de Freitas expôs em seu testamento “que todos os mais beñs que forem achados em poder da ditta Dona Claudina Maria de Jesus lhe não serão desputados por serem ad’quiridos por suas agencias, e trabalhos, e para o que não Concorri com despesas e auxilio.” As testemunhas relataram ainda que Claudina mantinha negócios na vila de Caçapava e Taubaté e que seu marido, João Machado, nunca a procurou. Uma das testemunhas assegurou que Claudina comprava “escravos e outros beñs”. Esse modo de vida praticado por ela, não é um caso isolado, conforme afirma a historiadora Rachel Soihet: “Em geral, trabalham muito, não estabeleciam relações formais com seus companheiros, e não correspondiam aos ideais dominantes de delicadeza e recato”.

A independência feminina demonstrada nas ciganas (Casa das ciganas, Jean Baptiste Debret)

O advogado do autor confirmou o abandono do lar por Claudina diante dos maus tratos recebidos, mas que isso não tirava o direito do marido João Machado sobre os bens requeridos. Com base em tudo que foi relatado no processo o juiz julgou nulos os títulos de compra e doação da referida casa, e condenou a ré às custas. A mesma tenta apelar, mas o processo segue para o Rio de Janeiro e assim termina.

Assim como neste caso exemplificado no presente texto, muitas mulheres ao longo da História tiveram em suas vidas diversas dificuldades, como miséria, opressão e dominação, mas algumas delas, como Claudina, diante desta realidade difícil, não se conformaram e tentaram mudar suas vidas, mesmo que tivessem que pagar as consequências.

 

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Amanda Valéria de Oliveira Monteiro é formada em História pela Universidade de Taubaté. Mestranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Trabalha no Arquivo Histórico Municipal Felix Guisard Filho com documentos datados a partir do Século XVII.

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