Escola e professor: pra quê serve isto?
Texto de Fabiana Pazzine
No dia 15 de Outubro, no Brasil, comemora-se o dia do professor, devido a um decreto assinado por D. Pedro I, de 1827, que manifestou a necessidade da instituição de escolas de primeiras letras nos lugarejos, vilas e cidades brasileiras que fossem mais populosas.
O decreto regularizava o exercício da profissão do professor, instituindo exames que pudessem atestar a capacidade daqueles que desejassem ocupar a cadeira de mestre e estabelecendo um pagamento entre 200$000 a 500$000 anuais.
Quanto ao conteúdo a ser ensinado, era feita distinção entre meninos e meninas. Nesse período, era lógico e considerado até mesmo necessário, fazer diferença nas disciplinas a serem ministradas para ambos os sexos.
Hoje em dia, pode parecer estranho esse tipo de organização do ensino, ainda mais pela luta permanente por direitos iguais entre homens e mulheres, mas nessa época, as tarefas eram diferentes para os gêneros e, portanto, o ensino adequado às necessidades de meninos e meninas.
Na atualidade, é comum se fazer uma leitura do passado com os olhos do presente e, dessa forma, muitas obras feitas antigamente passam a ser interpretadas de maneira errada. O que deve ser exaltado é a preocupação do imperador com a regulamentação do ensino, e não um possível “D. Pedro machista”. Aliás, dessa forma de nada valeria relembrar o 15 de Outubro de 1827.
Quanto aos meninos, segundo o artigo sexto deveria ser ensinado:
Art. 6º Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil.
Já para as meninas havia algumas alterações no currículo:
Art. 12. As Mestras, além do declarado no Art. 6º, com exclusão das noções de geometria e limitado a instrução de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica; e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7º.
Como era comum se fazer distinção entre homens e mulheres em todos os aspectos da vida social, D. Pedro I esclarecia que professores dos ambos os sexos deveriam receber os mesmos salários e possíveis gratificações.
Com a finalidade de se esclarecer os vários aspectos educacionais, o imperador proclamava o uso do Método Lancaster, fazendo ênfase na questão dos castigos. Lancaster era favorável à aplicação de punições, porém, não defendia os castigos físicos. No entanto, na prática, muitas crianças apanhavam de seus professores quando não apresentavam um comportamento considerado adequado ou não se dedicasse as suas tarefas.
O Método Lancasteriano possui um viés civilizador na medida em que pretende educar as crianças que no futuro formariam a classe trabalhadora de um país. Delas, era exigida disposição para o trabalho e combatia-se a preguiça e incentivava-se a quietude, não se pretendia formar uma pessoa criativa, apenas um bom executor de ordens. Para atingir estas finalidades, a repetição foi amplamente utilizada. A disciplina e a difusão de valores morais eram os pontos mais destacados nesse método.
Finalmente, não é novidade o interesse político na educação que é administrada em um país, aliás para que um país se desenvolva de acordo com os projetos políticos que se tem é necessário que a educação seja favorável ao alcance dessas metas. Hoje, fala-se muito em manter a criança e o adolescente o maior tempo possível dentro do ambiente escolar, fala-se em oferecer uma merenda de qualidade, mas pouco se fala sobre o que será ensinado aos alunos nesse longo tempo de permanência dentro das escolas. Qual será nosso objetivo? O de D. Pedro I era claro e condizente com os seus planos. E o nosso, qual será?
A palavra escola que tem suas origens na palavra grega SKHOLÉ significava originalmente lugar de folga, descanso e lazer. Poder ter tempo para refletir, pensar, apreciar textos era considerado um privilégio. Qual será o significado que a palavra escola assume para nós hoje? Será que valorizamos tanto a sua utilidade e o privilégio como os antigos gregos? Uma pergunta que a grande maioria dos professores já deve ter ouvido é a seguinte: para que serve isso? Ou seja, o ensino não possui utilidade aparente. Refletir para quê? Vamos partir logo para as ações. Ler, escrever, estudar se mostra muito chato na época na qual as tecnologias se apresentam muito mais atraentes…
Diante de tudo isso, qual é o papel do professor hoje? Dele é cobrado muito e muitos não fazem nada, porém, apesar de um cenário de preguiça intelectual que vem se expandindo, tornando-se quase uma questão cultural, muito mais ainda tem de ser feito e, o professor não pode ser um simples executor de ordens e ideias, tem que repensar sempre a sua prática e o seu papel na sociedade e exigir que a educação seja levada a sério e encarada como uma ferramenta capaz de mudar a vida das pessoas e do país.
REFERÊNCIAS:
http://www.adur-rj.org.br/5com/pop-up/decreto-lei_imperial.htm. Acessado em: 09/10/2012.
http://www.histedbr.fae.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_metodo_lancaster.htm. Acessado em: 09/10/2012.
MIRANDA, Itacyara Viana e CURY, Cláudia Engler. INSTRUIR PARA CIVILIZAR: O LANCASTERIANISMO NA PARAÍBA OITOCENTISTA 1822 a 1864. Disponível em: http://www.anpuhpb.org/anais_xiii_eeph/textos/ST%2006%20%20Itacyara%20Viana%20Miranda%20TC.PDF. Acessado em: 09/10/2012.
http://origemdapalavra.com.br/palavras/escola/. Acessado em: 09/10/2012.
ANEXO
“D. Pedro I, por Graça de Deus e unânime aclamação dos povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os nossos súditos que a Assembléia Geral decretou e nós queremos a lei seguinte:
Art. 1º Em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos, haverão as escolas de primeiras letras que forem necessárias.
Art. 2º Os Presidentes das províncias, em Conselho e com audiência das respectivas Câmaras, enquanto não estiverem em exercício os Conselhos Gerais, marcarão o número e localidades das escolas, podendo extinguir as que existem em lugares pouco populosos e remover os Professores delas para as que se criarem, onde mais aproveitem, dando conta a Assembléia Geral para final resolução.
Art. 3º Os presidentes, em Conselho, taxarão interinamente os ordenados dos Professores, regulando-os de 200$000 a 500$000 anuais, com atenção às circunstâncias da população e carestia dos lugares, e o farão presente a Assembléia Geral para a aprovação.
Art. 4º As escolas serão do ensino mútuo nas capitais das províncias; e serão também nas cidades, vilas e lugares populosos delas, em que for possível estabelecerem-se.
Art. 5º Para as escolas do ensino mútuo se aplicarão os edifícios, que couberem com a suficiência nos lugares delas, arranjando-se com os utensílios necessários à custa da Fazenda Pública e os Professores que não tiverem a necessária instrução deste ensino, irão instruir-se em curto prazo e à custa dos seus ordenados nas escolas das capitais.
Art. 6º Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética, prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do Império e a História do Brasil.
Art. 7º Os que pretenderem ser providos nas cadeiras serão examinados publicamente perante os Presidentes, em Conselho; e estes proverão o que for julgado mais digno e darão parte ao Governo para sua legal nomeação.
Art. 8º Só serão admitidos à oposição e examinados os cidadãos brasileiros que estiverem no gozo de seus direitos civis e políticos, sem nota na regularidade de sua conduta.
Art. 9º Os Professores atuais não serão providos nas cadeiras que novamente se criarem, sem exame de aprovação, na forma do Art. 7º.
Art. 10. Os Presidentes, em Conselho, ficam autorizados a conceder uma gratificação anual que não exceda à terça parte do ordenado, àqueles Professores, que por mais de doze anos de exercício não interrompido se tiverem distinguido por sua prudência, desvelos, grande número e aproveitamento de discípulos.
Art. 11. Haverão escolas de meninas nas cidades e vilas mais populosas, em que os Presidentes em Conselho, julgarem necessário este estabelecimento.
Art. 12. As Mestras, além do declarado no Art. 6º, com exclusão das noções de geometria e limitado a instrução de aritmética só as suas quatro operações, ensinarão também as prendas que servem à economia doméstica; e serão nomeadas pelos Presidentes em Conselho, aquelas mulheres, que sendo brasileiras e de reconhecida honestidade, se mostrarem com mais conhecimento nos exames feitos na forma do Art. 7º.
Art. 13. As Mestras vencerão os mesmos ordenados e gratificações concedidas aos Mestres.
Art. 14. Os provimentos dos Professores e Mestres serão vitalícios; mas os Presidentes em Conselho, a quem pertence a fiscalização das escolas, os poderão suspender e só por sentenças serão demitidos, provendo interinamente quem substitua.
Art. 15. Estas escolas serão regidas pelos estatutos atuais se não se opuserem a presente lei; os castigos serão os praticados pelo método Lancaster.
Art. 16. Na província, onde estiver a Corte, pertence ao Ministro do Império, o que nas outras se incumbe aos Presidentes.
Art. 17. Ficam revogadas todas as leis, alvarás, regimentos, decretos e mais resoluções em contrário.
Mandamos portanto a todas as autoridades, a quem o conhecimento e execução da referida lei pertencer, que a cumpram e façam cumprir, e guardar tão inteiramente como nela se contém. O Secretário de Estado dos Negócios do Império a faça imprimir, publicar e correr. Dada no Palácio do Rio de Janeiro, aos 15 dias do mês de outubro de 1827, 6º da Independência e do Império.
IMPERADOR com rubrica e guarda Visconde de São Leopoldo.
Carta de Lei, pela qual Vossa Majestade Imperial manda executar o decreto da Assembléia Geral Legislativa, que houve por bem sancionar, sobre a criação de escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e lugares mais populosos do Império, na forma acima declarada.
Para Vossa Majestade Imperial ver”
D. Pedro I
15 de outubro de 1.827
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Fabiana Cabral Pazzine é professora de história. Pesquisadora de História Cultural e Social e colunista neste Almanaque
5 Comments
Ótimo artigo Fabiana Pazzine. Quase ninguém sabe porque comemoramos o dia dos professores no 15 de outubro e isto precisa ser divulgado. Há uma enorme lacuna na historiografia brasileira sobre a educação pública no Império. Grande parte dos historiadores colocam como marco inicial dos investimentos no ensino público no início the República, com os grupos escolares. Mas, poucos falam que as primeiras escolas e as primeiras diretrizes de ensino no Brasil foram instituídas no Império. Em 1884, por exemplo, já ocorria o 1º Congresso Pedagógico no Brasil com a ideia de criar um sistema único de ensino; algo que foi abandonado e só implantado pelo Capanema durante o Estado Novo. Parabéns pelo artigo.
É verdade, Glauco Santos. É muito comum, quando falamos da educação no Brasil, darmos crédito apenas aos grupos escolares republicanos. A brilhante ação do imperador formou as bases do nosso sistema educacional. Os grupos escolares apenas continuaram.
Também devemos considerar que os criadores da ideia republicana foram eficientes em apagar algumas das ações imperiais dos nossos livros de história. Conseguiram imprimir a ideia de que tudo o que vinha do Império representava o atraso, e tudo o que surgia na República representava a vanguarda. Um grande equívoco.
Exatamente e esta ideia está tão enraizada em gerações de brasileiros que fica difícil de apagá-la. Quando se fala que o Brasil já teve um Imperador, a primeira imagem que vem à cabeça das pessoas é de um rei absolutista, que corta cabeça e manda perseguir as pessoas. Basta uma breve folheada nos livros didáticos que você encontra esta mesma visão disseminada nas entrelinhas desses livros. Mas, nos últimos anos há muitos estudos que têm quebrado esta visão sobre o período Imperial, assim como paradigmas sobre o período colonial. Vamos torcer para que ideologias (e preferências) políticas deixem o cenário da História e abram-se caminhos para estudos e trabalhos novos neste campo.
Isso pode ser o tema de uma campanha: por uma história livre de ideologias e preferências políticas.
Obrigada, Glauco. Sobre a preocupação com a educação no Brasil, vale lembrar que mesmo antes desse decreto de 1827, já existiam instituições de ensino, no Rio de Janeiro, que utilizavam o Método de Lancaster. A respeito deste método, apesar do criador ser contra a violência aplicada aos alunos, durante muito tempo os castigos físicos era associados aos lancasterianos e, existem relatos que demonstram a existência de gaiolas dentro das salas de aula para aprisionar os alunos indisciplinados, além, de sacos onde se prendiam os que não se comportassem de maneira desejada.
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