Pick-pocket

 Pick-pocket

Por Emílio Amadei Beringhs

Um dos aspectos mais curiosos da vida do interior é aquele que foi revelado pelo cinematografo. Desde que os irmãos Lumiére, na França, conseguiram fotografias animadas e a sua reprodução em uma tela, com ampliação, uma nova era surgiu no cenário da diversão pública. Taubaté não se fez ausente por muito tempo das experiências do cinema. Essa ausência não passou de uns poucos anos, eis que as primeiras exibições, em nossa cidade, datam da primeira década do século XX, animadas de início pelo saudoso Juquinha de Mattos e outros pesquisadores da fotografia animada.

O primeiro salão de exibições, surgido em nossa cidade, data aproximadamente de 1910. Um barracão tosco, com o pomposo título de Cinema Rio, erguido na Rua Visconde do Rio Branco, na época conhecida como Rua do Rosário, nome bonito que desapareceu completamente das nossas vias públicas. O Cinema Rio exibia as mais modernas películas fornecidas pela velha Vitagraph, pela Biograph, pela Pathé Fréres, péla Nordisk e outras. Como principal divertimento, antes mesmo do aparecimento do famoso cômico Max Linder – ator comediante francês que se tornou conhecido no mundo inteiro e que mais tarde surpreendeu seus fãs com um suicídio espetacular -, o Cinema nos apresentava uma espécie de filme mágico, onde o principal protagonista atendia pelo nome de Pick Pocket. Era assim uma espécie de duende, transformando-se em pilhas de tijolos, em bicicletas, em cobras ou qualquer outro animal, varando paredes com a maior facilidade, sempre que era perseguido pela Polícia, que ficava de boca aberta com os truques do personagem. Uma fantasia muito avançada para a época.

O cinema apresentava aspectos curiosos, bem diferentes daquilo que vemos hoje. A projeção não se fazia pela frente da tela, mas, sim, pelo lado de trás. Isso obrigava o pessoal encarregado a molhar as telas. Antes dos espetáculos, apareciam no palco homens empunhando baldes de água, e uma bomba de esguicho, molhando as telas até que se tornassem perfeitamente úmidas, a fim de possibilitarem a transparência da imagem, vinda de trás, tornando-a visível e clara aos espectadores. Foi por esse tempo que apareceu a música tipicamente taubateana, para acompanhar o filme Pick Pocket. Um dos membros da orquestra, que trabalhava durante a exibição, de nome Filipe Santiago de Paula, resolveu escrever uma partitura, uma polca, inspirada pelos movimentos do filme. Seu Pick Pocket tornou-se, então, famoso. Era Filipe Santiago de Paula, que tem seu nome ligado a uma das ruas da cidade, genitor de outro cultor da música, Otaviano de Paula, e foi compositor de outras músicas. “Nhô Felipe”, como era carinhosamente conhecido, na intimidade, foi um taubateano lutador., dentro do setor que tanto amou: a música. O Pick Pocket transpôs as fronteiras de Taubaté e ecoou profundamente em outras regiões, sempre como acompanhamento daquela fita mágica, que tanto encantava e divertia. Certa vez foi orquestrada por um compositor paulista, e divulgada pelo rádio de São Paulo. Como já aconteceu com as partituras de duas músicas extraordinariamente belas, produção de dois taubateanos ilustres, Arthur Vieira e D. Escolástica Vieira (não eram sequer parentes), ambos de saudosa memória, o tema da polca Pick Pocket foi gravada na Difusora de Taubaté, apenas em assobio, para que se não perdesse através dos tempos. Também, em arranjo, o Conjunto Ipanema fez idêntica gravação, aqui mesmo em nessa emissora. O Pick Pockt, de Felipe Santiago de Paula, pos em maior destaque, ainda, aquele filmezinho interessante, de uma só parte, dos idos de 1910 ou 1911, que primeiro o Cinema Rio, depois o Odeon e o Taubaté Cinema exibiam para gáudio da criançada e da gente grande também. O tempo, que tudo transforma, fez desaparecer o Taubaté Cinema, e os filmes da Biograph, da Vitagraph, da Nordisk e outras. Apenas o Odeon, ressurgindo das cinzas, com seu nome conservado para posteridade, continua em atividade até hoje, vividos mais de cinqüenta anos daquele acontecimento.

O Pick Pocket foi um acontecimento na cidade. Musicalmente parodiando o maluco do filme, em seu terno xadrez branco e preto, chapéu palheta e suas diabruras e mágicas incontroláveis e por cima a música típica a realçar as cenas, fez com que a figura modesta mas ativa do “Nhô Felipe” chegasse até nós, como uma saudade imensa dos bons tempos em que as experiências cinematográficas constituíam todo o enlevo de um povo. Justo, portanto, que nesta crônica em que deixamos falar o coração, aliado a saudade, fosse dado lugar a uma homenagem àqueles que souberam dar a sua cooperação para os empreendimentos honestos e sadios, que despontavam- com o cinema- para as grandes conquistas da ciência.

Assista ao Pick-pocket

 

 

 

 

[box style=’info’] Emílio Amadei Beringhs
emilioDesde menino foi funcionário da CTI.

Atuou por mais de 50 anos no jornalismo taubateano, descreveu com maestria o cotidiano taubateano. Integrou o Instituto Geográfico de São Paulo. Foi um dos pioneiros do rádio amadorismo no Vale.
Na radiodifusão convencional, foi responsável, junto com Alberto Guisard, pela pioneira Rádio Bandeirantes.
Em 1941, foi co-fundador da Rádio Difusora de Taubaté. Foi sócio fundador do Aero-Clube de Taubaté.
Em 1967, escreve o primeiro volume do obrigatório livro Conversando com a Saudade, descrito por muitos como pedaços da alma de Taubaté. É, também, de sua autoria, a bandeira de Taubaté.[/box]

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