2014: um ano de comemorações e de reflexões
Por Rachel Abdala
Em 2014 comemoram-se algumas datas significativas, tanto no que refere ao âmbito nacional quanto ao local, especificamente, em Taubaté. Mais do mesmo, afinal, todos os anos há datas significativas a serem comemoradas. Todos os anos fazemos aniversário, assim como os fatos históricos, mas nos chamados números redondos, tais como décadas ou séculos a comemoração é mais intensa. Mircea Eliade em sua conhecida obra “Mito e realidade” evoca a noção de renovatio, ou seja, o impulso humano de, em toda mudança de ciclo, tendo como referência básica o ano, renovar suas intenções e suas ações. Um exemplo muito representativo são as famosas “promessas de Ano Novo”. Luis Fernando Veríssimo escreveu um texto que eu gosto particularmente, os meus alunos bem sabem, intitulado “Caderno Novo”. Nesse texto ele remete às promessas que fazemos no início do ano diante do caderno novo cheio de folhas brancas e limpas de sermos bons alunos. E ele nos lembra que essa promessa se mantém até a terceira ou quarta folha quando o caderno deixa de ser novo.
Bem, voltando às comemorações de 2014, para restringirmos a algumas, tratarei de algumas de conotação cultural, como por exemplo, o centenário do Palmeiras, ou Palestra Itália, e do Esporte Clube Taubaté, ou Burrão. Mas futebol é cultura? Sim. Refiro-me a comemorações culturais em detrimento das de cunho político. Além disso, no limite, de acordo com o historiador francês Roger Chartier, tudo é cultura, considerando-se a definição de cultura como um conjunto de símbolos socialmente compartilhado. Confesso que no caso do futebol não compartilho exatamente suas regras. Nunca sei os princípios do tiro de meta e, por mais que eu me esforce não consigo entender o tal de impedimento. Coincidência os dois clubes comemorarem seus centenários no mesmo ano. Coincidência pessoal que eu simpatize com ambos. Do Palmeiras aprendi a gostar desde pequena por influência direta de minha nona italiana. Verdão! Parmera!! E do Taubaté foi por adoção, desde que me mudei ainda criança para a cidade e, depois mais tarde, já atuando como professora, quando por influência de amigos e de alunos conheci a sua história. Aliás, as histórias de clubes de futebol revelam muito mais do que listas de nomes de times ou de campanhas épicas. Revelam as histórias das comunidades e das cidades nas quais estão inseridos e as quais representam. Quando o Taubaté joga representa a cidade. Quando estudamos a história do Palmeiras podemos compreender uma parcela muito representativa da imigração italiana para São Paulo.
Para os torcedores a passagem do centenário é motivo de comemoração e de rememoração dos títulos, mas também de balanço e de avaliação. Para os historiadores são oportunidades de estudo e de reflexão.
Há outra comemoração taubateana no âmbito cultural sobre a qual eu também gostaria de lembrar. Em 2014 comemora-se uma década do Baque do Vale, grupo de maracatu sediado em Taubaté. O grupo realiza um intenso e diversificado trabalho sócio-cultural de pesquisa, de iniciação musical e rítmica e de manifestação cultural. Iniciativas e trabalhos como esse devem ser conhecidos e tomados como exemplo.
E, não posso deixar de citar que em 2014 o golpe militar de 1964 completa 50 anos. Ao contrário do que escrevem alguns comentaristas, jornalistas ou publicitários apressadamente em textos e peças de propaganda de eventos, essa não é uma comemoração, pois não se comemora fatos que para uma parcela muito significativa da população foram trágicos. É, antes de tudo, uma excelente oportunidade para reflexão e para evidenciarmos aspectos atuais que remetem a esse período. Em 1º. de abril de 1964, não, não foi mentira, iniciou-se o chamado período dos Anos de Chumbo. 50 anos é tempo suficiente para fazer uma avaliação das conseqüências nas dimensões local, nacional; individual, coletiva; cultural, social, política e econômica. Mesmo com tantas comemorações e com a realização da Copa do Mundo de Futebol, ainda mais em solo nacional, não podemos deixar de falar, discutir e de refletir sobre fatos como esse. E que o ano comece assim, com reflexão. E a reflexão não pode se esgotar em si mesma, deve, acredito, levar à ação.
Dúvida, questão, crise? Espero que ao começar esse ano convulsionado por comemorações, protestos e pela onda acachapante da Copa do Mundo de Futebol nos lembremos não apenas do Futebol internacional, mas o de nossas comunidades, dos heróis das várzeas, e que os tambores do maracatu do Baque do Vale ajudem a repercutir as reflexões e as lufadas de racionalismo e de lucidez.
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Rachel Duarte Abdala é professora de Teoria da História na Universidade de Taubaté
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