Lygia: sentinela da cultura taubateana e um pouco sobre a origem deste Almanaque

 Lygia: sentinela da cultura taubateana e um pouco sobre a origem deste Almanaque

Lygia Terezinha Fumagalli Ambrogi(1915-2012) desembarcou em Taubaté em 1933. Logo fundou a primeira organização feminina independente de Taubaté:  “Cultura em Taubaté era coisa para homens. Me senti marginalizada. Mas, havia meninas muito talentosas na cidade. Consegui reunir as mais corajosas para formarmos  o Grêmio Arcádia . A apresentação que realizamos foi uma ousadia”.

Lygia se referia a um festival beneficente realizado no Cine-teatro Polytheama (atual Metrópole) em fevereiro de 1935.  O patrulhamento machista vitimou três homens  que dividiram o palco com as meninas. Ele ficaram conhecidos como “trio florzinha”.

Lygia casou-se com Cesídio Ambrogi em 1938, um viúvo, boêmio e 22 anos mais velho que ela:

“Todos em Taubaté admiravam Cesídio. Eu gostava mesmo era do que ele escrevia. No começo, não ia muito com a cara dele. Mas veja como são as coisas:  depois que nos casamos a vida para mim passou a fazer sentido”.

A casa de Lygia e Cesídio Ambrogi tornou-se ponto obrigatório dos intelectuais na região. Monteiro Lobato, Cassiano Ricardo, Menocchi del Picchia, Plínio Salgado e Mário de Andrade foram alguns dos ilustres visitantes. “Naquela época, não pegava bem a mulher conversar com a visita do marido. Eu era mais abusada. Quando ia servir o café, não deixava de tirar meu dedo de prosa”.

Nos anos de 1940, a sociedade civil se movimentou para organizar Taubaté. Quando não liderava, Lygia fazia parte de alguma iniciativa.  Foi uma das fundadoras da Casa da Criança, semente dos serviços de proteção infantil, participou do grupo fundador do Instituto de Educação Monteiro Lobato, o futuro “Estadão”: “dei aula de graça por dois anos, até o Estado

reconhecer e incorporar a escola”.

Em 1955, fundou o jornal O Diferente com Judith Mazela Moura, o primeiro periódico local escrito por mulheres.

“No começo até que vendíamos bem. Depois que fiz um perfil de Monteiro Lobato a coisa desandou. Essa edição, por exemplo, as oficinas do “O Lábaro” se recusaram imprimir nosso

jornal”. E lembra que as rusgas entre Lobato e a igreja renderam, entre outras coisas, a queima de dos livros dele no pátio do colégio Diocesano.

Pagou pela audácia perdendo anunciantes. Mas não se arrependeu: “Escrevi o que queria e lancei uma semente. E olha que o jornal não tinha nada demais”.

Ex-alunos lembram que Lygia combinou geografia, cidadania e política em suas aulas, depois que a polícia sufocou violentamente a manifestação dos estudantes da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, em junho de 1968. Cesídio Filho estava entre os agredidos.

– Como confiar num governo que manda agredir estudantes?

Quem em sã consciência investe contra o próprio futuro? desabafou no “A Voz do Vale”.

Com a morte de Cesídio Ambrogi, em 1975, Lygia perdeu o companheiro e mestre : “..mas até

onde dura a felicidade da gente? E Deus sabe que continuarei  te amando até a morte”, escreveu anos depois.

A Lygia que conheci

Nos últimos anos, Lygia foi uma sentinela. Ela não permitiu que Cesídio Ambrogi e a sua obra

fossem esquecidos. Preservou e divulgou pessoalmente um pedaço importante da cultura paulista.

Conheci a Lygia dessa fase.

Início do século 21. Estava produzindo meus primeiros trabalhos sobre a História de Taubaté. Desde o início Lygia demonstrou confiança no projeto Almanaque Urupês. Eu o planejava como um Cd multimídia. A internet ficaria para o futuro.

-Esqueça os cds. Eles são caros

e arranham. Coloque só na internet, sentenciou Lygia.

– Ainda conheço pouco sobre a internet. No momento, não tenho nem e-mail, argumentei.

Lygia riu muito.

– Não seja por isso, vamos resolver esse problema agora.

E foi assim que aos 29 anos abri minha primeira conta de email orientado por uma senhora

de 85.  Entrei sem medo no território digital.

Devo muito à família Ambrogi. Sinto profundas saudades do casal Claudia e Cesídio Filho

e tenho uma dívida de gratidão impagável com Lygia Terezinha Fumagalli Ambrogi.

Ainda há muito a se falar sobre essa maravilhosa mulher.

Meu conforto é saber que agora temos outros sentinelas e a certeza de que as obras de Lygia e Cesídio serão ainda muito apreciadas.

Pedro Rubim

almanaqueurupes

1 Comment

  • […] A publicação, que se tornou rara, apresentada hoje no Almanaque Urupês, pertence ao acervo de Lygia Fumagalli Ambrogi, falecida este ano. Uma obra quadrinizada por Nair da Rocha Miranda e com desenhos de Nico Rosso, […]

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