Violência: crime ou costume?

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            O historiador em seu ofício entra em contato com as mais diversas formas de violência, por meio das fontes históricas. Ao pesquisar e estudar se depara com revoluções, motins, revoltas, crimes contra a mulher, contra a criança, contra os escravos, entre outras variantes.

            A violência quando apresentada como um simples costume, nos dias de hoje, pode parecer estranho e pouco sustentável, mas, este termo sugere que a violência nem sempre foi tratada com repugnância e, nesse sentido, era praticada com a finalidade de se defender interesses pessoais. Praticava-se violência em defesa da honra, da propriedade, da dignidade. Praticava-se? Quando pensamos a respeito do que era feito e o porquê dessas ações, observamos que as razões do passado não se diferem tanto das razões pelas quais ainda se pratica violência.

Hoje apesar da propaganda contra a violência, podemos encontrá-la abundantemente em forma de produtos nos noticiários, filmes e outros tipos de programas que exibem uma espécie de “espetáculo” aos interessados. Seja em nome da informação, do apelo sentimental, ou em nome do entretenimento, por vezes, incentiva-se a exibição daquilo que estamos acostumados a classificar como detestável. Em outras ocasiões, apoia-se a violência como única forma de se alcançar justiça.

                      Segundo o sociólogo Norbert Elias, o que entendemos como civilizado foi socialmente construído ao longo do tempo. Sendo assim, comportar-se bem à mesa, ser gentil com as pessoas a sua volta, limitar de maneira geral impulsos e necessidades até mesmo fisiológicas foram hábitos inseridos em nós com o passar de épocas. Podemos, portanto, afirmar que não agimos livremente de acordo com os nossos impulsos e vontades.

                      Dentre tantos impulsos instintivos do homem, podemos citar a violência, que foi percebida de diferentes formas no decorrer da História. Este impulso foi mais ou menos tolerado de acordo com as variadas sociedades e épocas em que ocorreu.

                      A ideia de controle social tornou-se cada vez mais necessária na medida em que se desenvolviam, entre outras instituições, a organização estatal.

                      Não é de hoje que são inúmeros os casos de explosões de comportamento violento, o que nos leva a refletir sob três possibilidades:

                      – Primeira: o comportamento agressivo e violento que gera crimes é fruto de alterações do estado perfeito de funcionamento do corpo humano, ou seja, é uma doença. Neste aspecto, vários estudos foram feitos, principalmente pela Escola Positivista que entendia alguns criminosos como portadores de doenças psicológicas ou portadores de patologias advindas do conjunto de características físicas (branco, negro, asiático, etc.) do criminoso.

                      – Segunda: a violência predomina onde o poder estatal é omisso. Este fato pode ser notado por meio das inúmeras favelas nas quais o poder público é insuficiente ou ausente;

                      – Terceira: os atos agressivos são instintivos ao ser humano e podem ser percebidos em alguns momentos onde o controle para se tornar um ser “civilizado” diminuem. Exemplo disso é a reação de grande parte das pessoas a assassinatos classificados como “bárbaros”. Para este grupo a única punição possível para autores deste gênero de crime é a própria morte. Neste caso, a violência é considerada justificável.

                      Ao pensar nestas possibilidades, a intenção não é classificar o ser humano como mau (mesmo porque esta afirmação ou negação seria tema para outra discussão), mas sim refletir sobre o termo civilidade e em uma série de afirmativas que estamos apenas acostumados a repetir sem saber de fato o seu significado.

                      Existe ainda, quem defenda que nunca antes na história as pessoas convivam de maneira tão pacífica[1] como nos dias de hoje. Essa afirmação se sustenta em boa parte devido à ação dos Estados que fazem da violência um instrumento de manutenção da civilidade. Ou seja, aquilo que acreditamos ser civilizado nada mais é do que uma invenção técnica[2] dos homens elaborada ao longo da história e defendida pelos governos que detém o monopólio da violência representada tanto pelos exércitos quanto pelos policiais. Apesar disso, não se exclui de um Estado organizado outras naturezas de violências, que por não serem institucionalizadas são caracterizadas como ilegais e, portanto, são combatidas com violência que, diferente da primeira, possui o respaldo da legalidade.

            Portanto, pode-se dizer que o Estado através de instrumentos de violência desempenhou um papel fundamental na formação do aspecto pacífico das sociedades atuais.  E o grande problema nesta questão seria a análise das relações entre países que, diferente da relação entre pessoas de uma mesma nação organizada e dotada do monopólio da violência, nem todos os países respeitam órgãos reguladores e defensores da civilidade (como a ONU, por exemplo). Diante deste quadro, restaria a quê ou a quem intermediar esta relação?  Nesta situação, mesmo sem respostas conclusivas o sentimento de medo entre ambos Estados nos dá uma noção de um possível caminho para se alcançar uma resposta[3] ideal.

            Os acontecimentos de novembro de 2010, no Rio de Janeiro, mostraram manifestações de apoio de boa parte da população às investidas do exército e dos policiais nos morros do Alemão e do Cruzeiro, concretizando uma verdadeira guerra, que foi vista até certo ponto de forma romântica pelos noticiários. Ao contrário do que muitos possam pensar, carregamos vivas as experiências de tempos anteriores[4] como os valores e reações sentimentais a determinadas situações enfrentadas, mostrando assim a importância de compreendermos a nossa História.



[1]Cf. Mais em  Norbert Elias: Civilización y violência.

[2] Proceso de la civilización, es —si ustedes lo quieren entender de esta manera— una invención técnica de los hombres. p.2

[3] Durante a Guerra Fria esta relação pautada no medo foi a característica básica no conflito entre EUA e URSS, no qual a violência de um só pôde ser limitada no medo da reação do outro.  (relaciones interestatales estamos en un escalón aún mucho menos civilizado. No porque seamos malos, porque los seres humanos sean malos, sino —y aquí precisamente hablo en mi calidad de sociólogo— porque hay que crear instituciones sociales para domar la violencia. p. 4).

[4] P. 144 Civilización y Violencia.

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Fabiana Cabral Pazzine é professora de história. Pesquisadora de História Cultural e Social.

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