Veblen e o prazer de consumir

 Veblen e o prazer de consumir

Texto de Fabiana Pazzine

Nos dias de hoje é bastante comum ouvirmos dizer que o estilo de roupas que usamos é capaz de traduzir quem somos. Buscamos então artigos que estejam de acordo com a nossa personalidade.

Thorstein Veblen nasceu ainda no século XIX, era sociólogo, economista e filho de imigrantes noruegueses. Imaginem só no que deu a mistura de formação de Veblen, pois além de ser economista era sociólogo, não deu outra: ele tratou de explicar o funcionamento da economia como fenômenos sociológicos!

Thorstein Veblen

Em “A Teoria da Classe Ociosa”, obra mais famosa deste autor,  Veblen trabalha com o termo consumo espiritual, o que pode parecer estranho, pois de imediato podemos pensar que somente o físico possui necessidade de consumir objetos materiais. Será que esta teoria estaria correta? De acordo com Veblen, não. Pensemos da seguinte forma: depois que nos alimentamos o suficiente para nos manter vivos e sadios e possuímos peças de roupa para nos proteger, do quê ainda necessitaríamos? Por mais que pensemos em outras necessidades além da sobrevivência, também como urgentes, senão vitais, elas não passam de meros caprichos… Veblen caracterizou tais urgências de gasto como consumo espiritual, já que além do corpo saciamos o espírito. Em outras palavras: o desejo.

Fotografia de autoria de Robin e Favreau, sem data, de Gertrudes Jordão de Oliveira Costa foi tirada na cidade de Taubaté. Fonte: Acervo Museu da Imagem e do Som de Taubaté (MISTAU)

Desejamos de tudo, e esse fundo de desejos é praticamente sem fim, isso porque de acordo com aquilo que consumimos, dizemos outra coisa além de nossa personalidade: traduzimos o poder aquisitivo que temos.

Queremos ficar bonitos e nos sentir bem, mas acima disso mostrar que temos poder. Não é necessário falar o quanto se tem, mesmo porque isso não demonstra elegância muito menos refinamento: basta olhar… No cotidiano, dentre os bens de consumo espiritual que mais denota poder econômico e social do indivíduo é a indumentária, pois mantém em evidência aquele que a utiliza.

O vestuário, com o desenvolvimento do consumo espiritual e supérfluo, ao longo do tempo, assumiu características de uma forma de expressão cultural. Por meio da roupa, principalmente, tem-se a possibilidade de demonstrar que tipo de pessoa se é e, a que tipo de grupo pertence. Apesar do conjunto de regras de conduta de diversos grupos sociais não serem restritos à vestimenta, esta se caracteriza como um atributo alegórico de diversos grupos. Quanto maior o poderio econômico do grupo, mais exigente deve ser o dispêndio com esse tipo de artigo.

Para se ter prestígio por meio do consumo é exigido uma normativa de condutas morais e de compostura e o uso de determinadas vestimentas. A indumentária tornou-se, à primeira vista, o principal instrumento de manutenção ou de ascensão de padrão de vida social.

Os tecidos nobres, as roupas finas, o desperdício e o ócio, nesse contexto, passam a ser valorizados e entendidos como padrão social. Na região valeparaibana, durante o século XIX algumas fotografias traduzem o desejo e o consumo espiritual.

Foto datada de 1871, sob a autoria de S. Monteiro, na cidade de Taubaté de Adolpho de Mattos. Fonte: Acervo Museu da Imagem e do Som de Taubaté (MISTAU)

O desejo de se registrar o momento não se traduz apenas em guardar as feições de uma pessoa. A preocupação de se eternizar a ocasião envolve uma série de símbolos, nos dizendo, mesmo que não saibamos quem elas sejam, quem são essas pessoas. A cartola, o paletó, o penteado, o vestido de tecido fino, o porte, traduzem a imagem que essas pessoas queriam passar.

Hoje, apesar do combate ao desperdício, numa visão de conscientização ecológica, ainda persiste todos esses ideais de importância e elegância, construídos muito antes do que imaginamos.

REFERÊNCIAS:

SETTON, Maria da Graça Jacintho. A Teoria do habitus em Pierre Bordieu: uma leitura contemporânea. Revista Brasileira de Educação (Maio/ Junho/ Julho/ Agosto) n°20, 2002, pp. 60-70. Disponível em: www.redalyc.com, acessado em: 10/08/2007.

 

VEBLEN, Thorstein. A Teoria da Classe Ociosa: Um estudo econômico das instituições. Tradução: Olivia Krähenbühl. São Paulo: Livraria Pioneira Editora, 1965.

PAZZINE, Fabiana Cabral. Consumo e representações de poder: cotidiano em Taubaté no século XIX. Taubaté, 2008.

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Fabiana Cabral Pazzine é professora de história. Pesquisadora de História Cultural e Social.

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