Um pequeno conto da roça

 Um pequeno conto da roça

 

Texto de Solange Barbosa

Em algum lugar, no interior deste país, um casal de  “caipiras” em um pequeno momento de felicidade:

Naquele sábado “nhô Tônico” chegou cheio de alegria em casa:

– Cida, óia, arruma as criança, vamo prá festa de Santo Antonio.

– Ué, ocê tinha dito que nóis num ia, pur causa de que mudou de idéia?

– Tô animado hoje, fiquei sabendo pelo cumpadi Tião que  vai ter rifa de um leitãzinho na quermesse, tô apostano que vou ganhá.!!!

– É, diz que Santo Antonio faiz milagre de arrumá casamento pras moça, mais acho que ele tamém faiz milagre de fazer  “munheca de vaca” abrir a mão e comprar rifa….!

– Ocê vai arrumá as criança ou não??????

– Tô ino, tô ino…..

Adivinhe se “nhô Tonico” não ganhou o leitãozinho na rifa?

Quermesse. Foto: RIOetc

Na volta para casa foi o alvoroço: arrumar rapidinho um chiqueiro pro porquinho, Dona Cida a preparar a lata para a ”lavagem”, por sorte tinha umas cascas de melancia que ela ia jogar no canteiro para adubar, que  já ia dar para ajeitar a fome do leitãzinho.

De noite na hora da janta começaram os planos para o Natal:

– Sabe véio – disse dona Cida – este ano o Natal vai ser uma “chiqueza”, já to vendo o pernil do “capadinho” assado, e ainda mais vamos ter carne até o meio do ano que vem, se num for para mais..!!! Vou matar o bicho, aproveitar para fazer um monte de chouriço; amanhã mesmo vou na venda ver se o seu Jacinto tem umas lata de banha Matarazzo das grandes vazias, assim quando matar o porco já derreto a banha dele, que há de ser muita, fervento as carnes e jádeixo tudo dentro das lata, e no inverno do ano que vem vamos poder comer um feijão gordo.

O couro eu vou fatiar, ferventar, fritar e deixar prá ir colocando no feijão. A banha ainda vai dar pra cozinhar muito tempo. Ai, já tô sentino o cheirinho do torresmo…vai ser um suco!!!

Acho que vou pegar a barriga e defumar, ocê gosta né??  Vou deixar as costelinhas tudo “ferventadinha”    e na banha, assim quando tua irmã chegar no começo do ano, faço bem fritinha prá ela comer com arroz e salada de couve, do jeito que ela gosta e diz que num consegue comer lá na cidade.

Seria esse o capadinho?

– É véia, é bom entaum ver uma carroça pequena de estrume para dar uma melhorada na terra da horta, porque as  “cove” tão  pedindo um esterquinho, achei os tomate meio  mirrado, tamém, vou dar uma limpeza ali onde tá o limoeiro, se der uma poda boa nele, vai dar limão até prá vendê e ocê vai usá muito pra temperar este mundo véio de carne e tripa né?

– Verdadi, o miór é que vou poder falar para a dona Antonia, mulher do doutor Zé Carlos, que vou poder fazer “os pão de torresmo” que ela gosta, no ano passado  “cortei um doze” para fazer, o toicinho táva uma carestia só na cidade, também com esse negócio de “exportação de porco” a coisa apertou aqui.

– É, esse ano vai ser bom!!!

– Bom se ocê tamém colaborá e me arrumar o forno de pão, ele tá precisano de juntar mais um barro, vê se agora num esquece disso.

– Verdadi, pode fica sussegada, domingo quano vortá da pescaria dô uma ajeitada nele.

– Sabe véio, tava pensano aqui, vai dar prá comer arroz com suã, feijão verde com chouriço, já tô imaginano uma “feijoada branca” com pé e oreia de porco…..

– Véia, vamu dormi, porque é capaiz de ocê me passar a noite inteira sonhando com porco e eu perde a hora do caminhão e “ocê” a hora de levantá e fazê minha bóia… Apague esse lampião e se aquiete, que ocê vai tê que arrumá muita “lavage” pra deixá o “capadinho” do tamanho do porco que ocê quer…..

Tá bão véio – responde dona Cida – dexa só eu rezá di novo e agradecê a Santo Antonio pelo “capadinho”…

“Viver é bom”.

 

Solange Barbosa é técnica em turismo e especialista em turismo cultural de base comunitária. Criadora do projeto Rota da Liberdade e consultora da UNESCO no projeto Rota do Escravo. É intermediadora cultural e consultora em assuntos culturais da população negra de Taubaté e região.

 

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8 Comments

  • é interecante… prque …. eu já pensei em ter um leitãozinho pra fzer no natal mas nunca pense que se podia razer tanta coisa com as carnes dele.. quanta coisa..não?

    • Sim, basicamente do porco a gente só naum aproveita o grito, porque o restante dá para aproveitar e muito…

  • Amei, Solange Cristina Barbosa este artigo, vou usá-lo nas minhas aulas de História. Bjo. Profa. Kátia Rico

    • Que honra professora, muito obrigada.

    • Excelente conto da história regional.

  • Achei excelente a estória e bem engraçada também, vou usar pra fazer uma “squet” na igreja na festa do trabalhador rural

  • Gostei muito do causo. Temos um porquinho parecido com este, e já estou me vendo fazendo tudo isto ai com ele, e vai ser logo, logo. Vai ser uma festa.

  • mt bom a historia rescrevi essa historia pra meu trabalho de escola e tirei 10

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