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Último texto sobre a passagem de D. Pedro II pelo Vale do Paraíba
Texto de Glauco Santos
As viagens que o “passeador” d. Pedro II e sua filha, a Princesa Isabel fizeram pelo Vale do Paraíba paulista foram de fundamental importância para a fortificação de suas imagens enquanto soberanos desta grandiosa nação. O ritual meticulosamente ensaiado pela monarquia, aliado ao cenário ricamente preparado pelos nobres valeparaibanos para a recepção dos ilustres viajantes fascinava a todos os espectadores que participavam, direta ou indiretamente, daquele teatro simbólico de poder. Receber a comitiva Imperial era mais do que motivo de orgulho, era visto pela população geral como a oportunidade de viver dias esplêndidos de festa, com o deslumbramento de todas aquelas carruagens, nobres senhoras vestidas com o que havia de mais fino e elegante na Corte, além de iluminação especial na cidade, fogos de artifício, bandeiras, fitas, bailes, jantares de gala, concertos, peças teatrais. O mundo mágico da Corte se transferia por alguns dias àquelas pequenas localidades perdidas entre as serras do mar e da Mantiqueira.
Aqueles dias de júbilo, como descrevia o articulista do O Parahyba (13 de dezembro de 1868, p. 2), serviam para tocar os corações e mentes dos que a tudo assistiam, transformando a imagem do monarca ou da princesa em uma figura mítica, suprema, dotada de certos atributos que justificavam todo aquele fausto espetáculo. Prova disso está na mística até hoje envolta entre a Princesa Isabel e a santa de Aparecida. O que dizer sobre o encontro entre os príncipes Imperiais e aquele guarda nacional designado de Lorena? Mesmo caráter de milagre foi dado a um relato da tradição oral onde conta-se que, nessa mesma viagem de 1868, um escravo algemado descia a ladeira que levava à capela de Aparecida quando se encontrou com a Princesa Isabel. Ele ajoelhou-se e pediu clemência, sendo liberto das algemas. Nada de se estranhar a semelhança que há nesses dois relatos com o chamado “milagre da corrente”, quando em 1850, um escravo de nome Zacarias teria fugido de Curitiba, mas foi preso em Bananal. Ao passar por Aparecida, pediu ao oficial que o acompanhava, licença para orar. E diante do altar, rezando, a corrente se partiu (CAMARGO, 1970, p. 294).
Além de alimentar o espírito, as visitas da monarquia às cidades do Vale do Paraíba também saciaram anseios políticos de progresso e melhora das condições de vida das populações locais. O jornal Paulista (20 de dezembro de 1868, p. 3) já conseguia enxergar isso quando relata que o povo irá usufruir imensas vantagens com as viagens da Princesa Isabel. A força que a presença da imagem do Imperador ou da princesa possuía era suficiente para atender aos desejos de diversos grupos da sociedade, como ressalta o jornal Tribuna do Norte (7 de novembro de 1886, p. 3) a importância que a simples visita do monarca a uma escola de Itú traria para a questão do ensino público no país. A presença da figura do monarca movimentava a engrenagem da sociedade.
No cenário político fazia-se mais importante as viagens de d. Pedro II, principalmente para os locais onde o coro dos descontentes era crescente. Como mostrado nos artigos anteriores, os republicanos alcançavam as primeiras vitórias nas cidades da região e os tradicionais cafeicultores se encontravam em estado avançado de insatisfação com as deliberações da monarquia. Mas, quando da presença do monarca, todos os ânimos parecem apaziguar-se. Em Taubaté, o fenômeno de unificação de todas as oposições políticas em torno da figura do monarca também aconteceu. Na visita de 1878, o articulista do Gazeta de Taubaté (12 de outubro de 1878, p. 3) analisava friamente que a força do teatro da monarquia ali instalado era capaz de realizar transformações na ideologia política de alguns. Acalmando os exaltados e colocando sob a égide do Imperador aqueles que estavam do lado da oposição, a missão da monarquia naquela localidade estava completa. Para trás ficavam as inúmeras ruas e largos que agora traziam consigo os nomes e títulos dos membros da família Imperial.
A vinda da família Imperial para o Vale do Paraíba também era lucrativa para os titulares da terra. Engana-se quem considera que todo o esforço desprendido por eles para tornar os dias em que os Imperantes estavam naquela cidade os mais esplêndidos possíveis, servia apenas para glorificar e, de certa forma, “endeusar” o Imperador ou a Princesa Imperial. Toda aquela pompa e luxo também serviam para mostrar aos demais setores da sociedade quem mandava naquela região.
Em Lorena, o caso do Conde de Moreira Lima é emblemático. A cidade havia recebido breves paradas da Princesa Isabel em 1868 e de d. Pedro II em 1878. Em 1883, o então Major Joaquim José Moreira Lima foi agraciado com o título de Barão e um ano depois foi elevado a Visconde. No mesmo ano de 1884, o titular recebeu a comenda da Ordem de Cristo como forma de recompensa pelos relevantes serviços que o titular prestara à indústria nacional (RODRIGUES, 1942, p. 164). Relação direta teve essa rápida ascensão do Visconde com a inauguração do Engenho Central durante a presença da Princesa Isabel em 1884. No ano de 1886, d. Pedro II realizava uma grande visita à cidade de Lorena e conheceu pessoalmente as obras do incansável Visconde: o engenho central, a igreja de São Benedito, a Santa Casa de Misericórdia, a iluminação a gás. Cinco meses depois, Joaquim José Moreira Lima tornou-se o primeiro Conde da região do Vale do Paraíba paulista durante o reinado de d. Pedro II.Observando esse fenômeno, o jornal Tribuna do Norte (5 de dezembro de 1886, p. 2) já trazia a notícia da titulação do Conde de Moreira Lima com o título “Echos da viagem Imperial”.
Ao analisar a bibliografia sobre o período do Segundo Reinado no Brasil e os documentos que descrevem as passagens de d. Pedro II e da Princesa Isabel pelo Vale do Paraíba fica perceptível que aquela necessidade de ter a figura de um rei glorioso, forte e com os poderes políticos em suas mãos, tão urgente nos anos da Regência e nas primeiras décadas após o golpe da maioridade, diminuiu ao longo das décadas. A Guerra do Paraguai foi divisora de águas nesse processo, mas o que realmente contribuiu para esta mudança de mentalidade foi a pacificação do país, antes mesmo da guerra. Sem o período de rebeliões nas províncias e de convulsões políticas na Corte, outras necessidades surgiram na mentalidade coletiva do povo brasileiro. O reflexo da prosperidade burguesa dos Estados Unidos e a Revolução Industrial por qual passavam os países europeus alimentavam o desejo dos brasileiros em alcançar o progresso. Essas influências estrangeiras aportaram no país tanto pelos investimentos externos que aqui chegavam, quanto pelo próprio Imperador que se encontrava fascinado pelo “avanço cultural” que tinha presenciado em suas viagens pela Europa e Estados Unidos.
A coroa, o cetro, o manto, as grandiosas cerimônias, paradas, procissões, o beija-mão, as constantes recepções foram sendo deixados de lado e substituídos por elementos estranhos à figura de um rei. O “monarca-cidadão” cada vez usava mais a casaca, a cartola, a bengala, evitava grandes pompas, discursos inflamados de exaltação a sua figura e bailes monumentais. As próprias viagens do Imperador não só perdiam em pompa e triunfo, como se transformaram em visitas burocráticas de chefe de Estado, onde o lado fiscalizador de d. Pedro II sobrepunha-se ao lado mágico e teatral da monarquia. Enquanto a primeira viagem à província de São Paulo em 1845 do Imperador e a de 1868 da Princesa Isabel tinham ainda o caráter claro de demarcar limites no imaginário coletivo sobre o poder místico da realeza, as viagens de 1878, 1884 e 1886 são explicitamente técnicas, rápidas e objetivas. Ali estava um soberano que vinha fiscalizar o andamento do progresso das cidades do Vale do Paraíba e atender às barganhas políticas dos titulares da região. Essa nova postura da monarquia brasileira fez com que fosse perdida a magia que sustenta qualquer regime monárquico.
Isto explica em partes o porquê de quase ninguém ter se manifestado quando do golpe da República em 15 de novembro de 1889. O povo já não mais enxergava no monarca algo superior, divino, esplêndido, que atendesse às suas demandas espirituais. Somente entre os ex-escravos, após a abolição, conservava-se a mística de santidade ao redor da Princesa Isabel; justamente ela que seria bode expiatório para cafeicultores escravocratas e políticos descontentes. Naquela altura, substituir o “monarca-cidadão” pela figura de um presidente não faria diferença alguma.
A falta de “causas ocasionais” motivou a descrença nas “causas profundas”, mas também a descrença na velha mentalidade gerou a mudança de estratégia da Coroa brasileira. Pode-se afirmar que d. Pedro II foi vítima da própria mentalidade coletiva, deixando de lado todo o aparato simbólico da monarquia, base de sustentação do regime, para creditar à visão de progresso o sucesso de seu governo. As viagens ao Vale do Paraíba, região dos titulares que sustentavam o regime, ilustram bem que as estratégias utilizadas pelo monarca para legitimar seu poder já não mais surtiam o mesmo efeito de outrora. Começava-se a manipular no vazio.
Portanto, com tantas pressões contrárias ao Imperador e à Princesa Imperial, com ostitularesvaleparaibanos debandando da égide de d. Pedro II e articulando uma forma de governo que os concedesse maiores poderes e menores “inconveniências”, quais armas a monarquia teria para segurar-se no trono? O regime republicano foi a alternativa que estava posta na mesa para ser utilizada como forma de eliminar esse entrave e satisfazer as demandas dos cafeicultores. Qualquer outra opção que estivesse ali no momento disponível e suprisse essa demanda dos fazendeiros seria utilizada. Qualquer sopro de qualquer grupo oposicionista seria suficiente para derrubar o castelo de cartas da monarquia. Afinal, como afirma Sérgio Buarque de Holanda, o Império dos fazendeiros acabava de iniciar-se com o fim da monarquia. A monarquia não foi derrubada pela República, ela caiu de madura.
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Referências bibliográficas
O Parahyba, Guaratinguetá, 13 de dezembro de 1868.
Paulista, Taubaté, 20 de dezembro de 1868.
Gazeta de Taubaté, 12 de outubro de 1878.
Tribuna do Norte, Pindamonhangaba, 7 de novembro de 1886.
Tribuna do Norte, 5 de dezembro de 1886.
CAMARGO, C. B. R. Passagem da Princesa Isabel em Guaratinguetá e Aparecida. In: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Paulista, vol. LXVII, São Paulo, 1970.
RODRIGUES, Gama. O Conde de Moreira Lima. São Paulo: IGB, 1942.
[box style=’info’] Glauco de Souza Santos
É graduado pela Universidade de Taubaté, Mestrando em História Social pela Universidade de Campinas. Trabalha como Professor de História em São José dos Campos – SP.
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3 Comments
Muito legal!
Pedro II é uma figura de profundidade inesgotável. Ótima pesquisa, parabéns. Destaco apenas que, o fascínio, como diz o texto, de Pedro II pela modernidade não nasce de suas viagens pelo mundo; ilustrado e erudito como era, Pedro era um homem de seu tempo, acompanhava e admirava as transformações epstemológicas e científicas, desde muito jovem; dessa forma a substituição the pompa dos tempos do absolutismo pela sobriedade, dos tempos the sociedade burguesa e capitalista, fazem parte desse cenário paradoxal, de um monarca de uma sociedade escravista, que era, por outro lado, um amante the modernidade.
Muito legal!
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