Sinais da História (2)
Por Angelo Rubim
No último texto passei de forma bastante rápida por algumas das referências históricas que aparecem no Brasão de Armas de Taubaté, o símbolo oficial da cidade. Referências essas que fazem parte do período colonial, antes da independência do Brasil.
Agora dou um salto histórico justamente para o ano de 1822, que está representado no brasão pelo Guarda Imperial que está posicionado ao lado direito da imagem. A justificativa oficial para a presença desse ícone na imagem se dá em função da participação de alguns taubateanos na viagem de D. Pedro I que culminou no Grito do Ipiranga em 7 de setembro de 1822. O imperador passou por Taubaté em 21 de agosto daquele ano, tendo sido recebido por Antônio Moreira da Costa, que levava os títulos de Cônego Honorário da Real Capela, Vigário Coadjutor da Paróquia de São Francisco das Chagas de Taubaté, Capelão da Guarda de Honra do Príncipe Dom Pedro e Comendador da Ordem de Cristo. Já falei sobre esse episódio aqui no Almanaque (nesse link, com algumas curiosidades sobre o evento). O guarda imperial do Brasão está lá por isso, sete taubateanos foram incorporados à Guarda de Honra do Imperador: Bento Vieira de Moura, Adriano Gomes Vieira de Almeida, Francisco Xavier Almeida, Fernando Gomes Nogueira, Rodrigo Gomes Vieira de Almeida, Vicente da Costa Braga e João José Lopes.
Além disso, a cidade tratou de homenagear o imperador com nomes de ruas e monumentos. A atual Rua XV de Novembro, no centro, em 1873 abandonou o nome primitivo, Rua do Gado, e passou a se chamar Rua do Príncipe, pois aquele era o trecho urbano da antiga estrada São Paulo-Rio por onde passou o Imperador. Além dessa, temos a Estrada do Ipiranga, que é a via que liga o centro ao bairro Sete Voltas, e que, em sua porção urbana, é a via marginal da Dutra, chamada Avenida Dom Pedro I. Os guardas de honra também viraram nomes de rua. O episódio de 7 de Setembro rendeu a mudança do nome do Bairro das Caveiras para Independência (caminho natural para São Paulo) e, no Parque Dr. Barbosa de Oliveira, em frente à Rodoviária Velha, um belíssimo obelisco em homenagem ao Centenário da Independência.
Outro evento político marcante representado no Brasão é a autonomia política do município, simbolizada na Coroa Mural no centro da insígnia. A referência diz respeito ao momento em que Taubaté deixa de ser vila e é elevada à categoria de cidade. Temos isso representado nas ruas. Em 5 de fevereiro de 1942, por iniciativa do então prefeito Antônio de Oliveira Costa, foi inaugurado o obelisco em homenagem à Elevação de Taubaté à Categoria de Cidade, na praça Campos Salles, no local exato onde hoje está o camelódromo. Esse monumento, que representa um dos mais importantes momentos políticos da cidade, foi sendo gradativamente abandonado, depredado e esquecido. Hoje há, na mesma praça, uma representação de gosto duvidoso. Um monumento com aspecto ruim, que serve de banheiro para cidadãos pouco providos, condição a que se sujeitou o antigo e majestoso obelisco a partir do momento em que foi inaugurado quando da efeméride centenária. O símbolo de um evento que julgo ser um dos marcos formadores do DNA taubateano que acaba por representar o desprezo que prestamos à nossa história. O movimento da independência brasileira teve, administrativamente e simbolicamente, menor impacto do que a conversão de vila para cidade.
É justamente essa fase da história da cidade que tudo começa a se transformar. Coincidência ou não, três meses depois de ser convertida à cidade Taubaté foi considerada subversiva, por ser caracterizada como foco de rebeldia durante a Revolta Liberal, que só foi sufocada com ação de Duque de Caxias (aquele que dá nome a uma das principais ruas do centro urbano) ao enviar tropas para a cidade. Esse episódio foi magistralmente interpretado no texto REVOLUÇÃO EM TAUBATÉ E A AÇÃO PACIFICADORA DE UM BARÃO de autoria de Fabiana Pazzine aqui neste Almanaque.
Institucionalmente, com o novo título, Taubaté teria maiores liberdades. Ficou claro quem seriam os poderosos e como agiriam. Foi nessa fase da história que surgiram os grandes cafeicultores, que seriam pais e avós dos titulares do império por aqui e formadores da maior riqueza que o Brasil experimentou durante o século 19 e princípio do 20. O café é também representado na insígnia do município junto do bandeirante.
A cultura cafeeira causou uma das maiores transformações tecnológicas da nossa história, sendo a responsável por prover o país de produtos industrializados que eram importados principalmente da Inglaterra e que promoveram verdadeiras transformações no comportamento do brasileiro. O transporte ferroviário no Brasil é fruto dessa economia. Nos lugares onde passavam, os vagões quase causaram a extinção do tropeiro que, a muito custo, distribuíam a mercadoria nos portos. Assim como ele, o vagão que saia cheio de café em direção aos portos, voltava para o interior carregado de produtos que eram despejados nas cidades cortadas pela linha férrea. Ferramentas de todas as naturezas promoveram o aumento na produtividade das fazendas, talheres, guardanapos e cosméticos implantaram no território as regras de etiqueta. De uma hora para outra grande parte da população deixou de comer somente com as mãos.
A fortuna proporcionada pelo mercado cafeeiro construiu a Taubaté que conhecemos hoje. Houve um extraordinário crescimento do setor comercial – que, aliás, se faz representar no brasão de armas pelas asas de mercúrio, na base da insígnia -, com o surgimento de um sem número de lojas na cidade. Significativa variedade de prestadores de serviços, como advogados, médicos, artistas plásticos, fotógrafos e mecânicos. Uma sensível migração campo-cidade, com a gradativa saída de pessoas das zonas rurais para fazer a vida na cidade, somado ao surgimento da profissão do administrador que permitiu com que os donos de fazendas não mais morassem nas Casas Grandes, mas nas suas casas da cidade. Um marcante desenvolvimento das práticas culturais urbanas, aliado a aparatos tecnológicos que permitiram melhor qualidade de vida, como a iluminação pública, tornando possível a socialização também nos dias que não tinha lua para iluminar a Taubaté noturna. Surgiram as primeiras escolas de artes, o Teatro São João, praças esportivas, como o Velódromo e o Hypodromo Taubateense, sistema de transporte público coletivo, como os bondes de tração animal e os bondes a vapor que ligavam Taubaté à Tremembé, o cinema, que surge como uma ação caseira, capitaneada por Barnabé Ferreira de Abreu, um profissional liberal. Além de lançar as bases que minaram o sistema escravocrata, mas isso é para outra conversa.
Além desses elementos, os titulares do Império, que tem as honrarias ligadas diretamente ao café são patronos de diversos logradouros na cidade: Túnel Visconde do Tremembé, Chácara do Visconde, Rua Barão da Pedra Negra são alguns exemplos.
Não vou me prender tanto a esse tema pois ele já foi por demais explorado, entretanto, vale lembrar de um outro monumento que faz alusão não apenas ao café, mas ao momento político proporcionado por esse período de fartura, que é o obelisco localizado em uma das margens da Rodovia Washington Luiz, próximo à ponte do rio Una, no limite entre Pindamonhangaba e Taubaté. O monumento ao “Reerguimento econômico do Vale do Paraíba” está em completo abandono, depredado, esquecido e coberto pelo mato. Se refere à decadência de um período que teria sido encerrado com a crise política do fim da República do Café com Leite, no final dos anos 20 e sepultado com a Revolução Constitucionalista de 1932. O monumento, inaugurado em 1938, serviu de marco do fim de uma era, que em Taubaté já seria sentido a partir da instalação da C.T.I., que considero outro evento formador do DNA taubateano. Mas esse fica para o próximo texto.
Essas são apenas algumas das milhares de referências históricas que encontramos na cidade. Como dito na primeira parte dessa série, não é assim tão difícil encontrar os traços da história na cidade, uma observação mais atenta por quem passeia pelas ruas, fará observar nomes com histórias interessantíssimas, monumentos idem e edifícios dos mais diferentes períodos históricos.
Até breve.
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Angelo Rubim é professor de história e editor do Almanaque Urupês.
1 Comment
Angelo, gostei muito do artigo. Lembrei do texto de Carlo Ginzburg “Mitos, emblemas e sinais”.
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