Sinais da história (1)

 Sinais da história (1)

Por Angelo Rubim

Na edição de 28 de julho, do jornal Gazeta de Taubaté foi publicado um texto de minha autoria sob o título Código Genético de Taubaté, no qual traço, em poucas linhas, o que julgo ser a espinha dorsal da criação da identidade taubateana, o que passaria por três eventos: 1) a elevação de Taubaté à Categoria de Vila, em 1645; 2) a conquista da autonomia política em 1842, quando da elevação da vila à condição de cidade; e 3) 1891, como marco de uma transformação urbana com o sucesso do empreendimento industrial de Felix Guisard. Evidentemente escolhi esses três aspectos por pura falta de espaço. O meio impresso impõe alguns limites, espaço é o principal deles.

Aproveito e deixo um agradecimento público ao jornal e aos seus editores pela confiança.

Acontece que aquela publicação me motivou a criar uma série aqui no Almanaque Urupês. A ideia é simples, vou usar o brasão oficial de Taubaté como referência para os eventos históricos nele representados, já que, conforme digo no texto da Gazeta, acredito que esse símbolo seja portador do DNA taubateano. Além disso, há infindáveis elementos urbanos, como monumentos e edifícios, que fazem referência à historia.

Uma breve descrição do Brasão está nesse link e na imagem abaixo, que, aliás, coloca em pauta uma potencial polêmica a respeito dos estudos da heráldica e as mudanças propostas para o escudo de armas taubateano.

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Vou tentar seguir a ordem cronológica de cada um dos símbolos respeitando os recortes propostos no começo desse texto ligando-os a objetos e lugares da cidade.

Não é segredo o modus operandi de constituição de um povoado durante o período colonial brasileiro. A ocupação e formação de uma vila tinha que respeitar alguns rituais oficiais indispensáveis, os principais diziam respeito às construções de prédios públicos: cadeia, câmara e igreja. Jacques Felix, o povoador de Taubaté, seguiu a regra à risca.

Taubaté nos primeiros tempos: Igreja, Câmara e, ao fundo, cadeia. Uma interpretação do que seria Taubaté já no século 18. Ilustração de Hernani Pereira, baseado em desenho de Paulo Camilher Florençano.

Também não é segredo para quem conhece um pouco da nossa história os lugares onde essas construções aconteceram. A cadeia foi construída no cruzamento das ruas que atualmente levam os nomes de Rua São José e Rua Dr. Pedro Costa. O espaço é hoje ocupado pelo Grupo Escolar Lopes Chaves. Há controvérsias quanto ao local da Câmara Municipal. Na maioria das cidades coloniais, era comum que Câmara e Cadeia ocupassem o mesmo prédio. Taubaté não foge disso, no entanto, os dois “órgãos” foram separados e a Câmara foi parar no local onde hoje funciona o Banco do Brasil. O terceiro edifício, a Igreja, é o único que resistiu ao tempo. Não são as mesmas paredes, nem a mesma fundação, nem a mesma igreja. Explico (não vejo maneira mais simples): a igreja matriz de Taubaté não foi construída onde está, com aquelas medidas que se vê ao visitar a praça D. Epaminondas, nem com as portas voltadas para a Rua Duque de Caxias. A igreja primitiva foi instalada no local onde hoje está a Capela dos Passos, anexo à Catedral, na mesma posição e com a porta voltada para sul e os fundos para norte.

Capela dos Passos, com a entrada no interior da Catedral de São Francisco, em Taubaté. (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)
Capela dos Passos, com a entrada no interior da Catedral de São Francisco, em Taubaté. (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)

A igreja foi dedicada ao santo escolhido como orago de Taubaté, que está presente no brasão representado pelo escudete na coroa mural, e que dava o nome original da vila: São Francisco das Chagas de Taubaté, dado pelo fundador. Taubaté, que era um nome já conhecido pelos transeuntes que passavam por essas terras, foi também o primeiro nome do estado de Minas Gerais, cuja conquista está representada no escudo de armas aparecendo em forma de montanhas douradas, que representam a Serra da Mantiqueira, encimadas por coroas, que representam cidades fundadas por taubateanos na antiga região das Minas de Taubaté.

Na cidade há inúmeras referências aos eventos aqui relatados. A própria igreja é um desses marcos. Diante dela, as duas representações do marco-zero, a primeira, um discreto azulejo que substituiu os canos de PVC que serviam de símbolo antes da última reforma da praça (infelizmente não localizei imagens) e o outro é um obelisco construído em 2008 pelo Rotary Club local.

Marco Zero na porta da Catedral de São Francisco em taubaté (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)
Marco Zero na porta da Catedral de São Francisco em taubaté (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)

O Bandeirante, que está presente no Brasão, tem também muitas referências urbanas. A começar pelo fato óbvio da construção da cidade ter sido feita pelas mãos de bandeirantes, os nomes de muitos deles ficaram pelas ruas centrais. O fundador está lá, Jacques Felix é uma das nossas principais ruas, que é cortada pela rua Antonio Rodrigues Arzão, a quem é atribuída a descoberta do ouro nas minas gerais, que há uns 130 anos recebeu o nome de um herói taubateano, Dr. Souza Alves. Mais distante desse centro antigo, Tomé Portes Del Rey, na Vila São José, Salvador Faria Albernaz e Bento Furtado na Imaculada. No mesmo bairro, a antiga “dona” de Taubaté, Condessa de Vimieiro (era ela a donatária dessas terras e quem autorizou Jacques Felix a ocupar Taubaté). Uma das marginais da Dutra chama-se Av. dos Bandeirantes, e também tem os bairros Parque Bandeirante e Jaraguá. Por fim, a estátua, feita por José Demétrio, na saída da Dutra, na altura do bairro do Belém, que é bastante parecida com o bandeirante do Brasão Oficial.

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Além das referências à ocupação pelo homem branco, o brasão também lembra da Taba que havia nas redondezas  de onde se formou a vila. Esse elemento, segundo a descrição oficial do brasão, faz referência à etimologia da palavra Taubaté , mas também nos remete aos habitantes originais, que se fazem presentes de forma forte, especialmente na nossa língua. Os topônimos locais são prova: Taubaté, Itaim, Baracéa, Cavarucanguera, Emboabas, Itacurussá, Ipanema, Macuco, Mantiqueira, Morumbi, Paraíba, Piratininga, Piracanguagá, Quiririm, Sabará, Tatetuba, Una, Urupês.

Bandeirante feito pelo escultor Demétrio, no acesso para a Rod. Oswaldo Cruz. (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)
Bandeirante feito pelo escultor Demétrio, no acesso para a Rod. Oswaldo Cruz. (Angelo Rubim/Almanaque Urupês)

Não é assim tão difícil encontrar os traços da história na cidade, uma observação mais atenta por quem passeia pelas ruas, fará observar nomes com histórias interessantíssimas, monumentos idem e edifícios dos mais diferentes períodos históricos.

Na próxima parte dessa história avanço um pouco no tempo, avançando para o segundo tópico dessa história, que é em um nem tão distante século 19.

Até lá.

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Angelo Rubim é professor de história e editor do Almanaque Urupês.

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