Angelo Rubim
Os primeiros fotógrafos e as imagens publicadas nos jornais da cidade
Quando alguém quer contar a própria história, a mais comum e mais recorrida fonte de memória é o álbum de família. Grande parte das famílias tem um (ou vários).
Especialmente nos últimos 30 ou 40 anos, a fotografia tornou-se mais democrática, as câmeras, cada vez mais acessíveis, passaram a fazer parte do cotidiano de pessoas de todas as camadas sociais. Não é um instrumento que causa estranhamento, apesar de sempre existir aquele que não gosta de estar diante da objetiva. Antes da era digital, existia todo um ritual em torno da fotografia. Não se fotografava à toa. A fotografia passava por um planejamento, era um momento em que se pensava no máximo de informações em um mesmo espaço. Uma viagem, por exemplo, cabia inteira em um rolo de 24 poses. Além disso, para a grande maioria, o processo fotográfico dependia de mais gente que o fotógrafo. Precisava, principalmente, do vendedor de filmes e do laboratorista. A era da imagem digital, fruto dos anos 2000, completou o processo de democratização da fotografia.
Nos dias atuais, o consumo de imagens se divide entre os produtores de fotografias de grande precisão, que são os fotógrafos profissionais, e os casuais, que são como eu e a maioria das pessoas. A era digital tem um efeito colateral: o excesso. Tudo, absolutamente tudo, tornou-se alvo das câmeras fotográficas, especialmente depois dos celulares com câmera e, atualmente a febre do Instagram. Nunca na história se viu tantos cafés da manhã e almoços congelados em imagens fotográficas. Nunca na história se viu tantas fotografias no espelho. Uma avalanche de dados supérfluos.
No passado, quando “escrita com a luz” era apenas uma ideia, reproduzir paisagens e rostos dependia da habilidade manual e o conhecimento da química dos materiais formadores dos pigmentos. A confecção de um retrato era trabalho longo, durava dias e nem sempre agradava o cliente. Um ajuste aqui, outro ali, uma mancha que deveria ser escondida, um detalhe ressaltado… uma photoshopada nos tempos em que tinta e pincel não eram feitos de bits.
No século 19, quando surge a fotografia, havia imenso esforço em tornar as imagens produzidas pelas máquinas tão artísticas e belas quanto faziam os pintores. A fixação da fotografia como arte levaria muito tempo. Foi em uma exposição do fotógrafo e historiador Maurício Pereira, no mês de maio de 2013, que descobri que esse tipo de arte chama-se pictoralismo. Essa modalidade de fotografia não morreu. O que acontece é que ela lança mão de recursos digitais, passando entre diversas tonalidades e filtros até chegar a um estágio artístico interessante. Retiro da Enciclopédia Itaú Cultural de artes Visuais a história e definição desse tipo de arte:
O movimento pictorialista eclodiu na França, na Inglaterra e nos Estados Unidos a partir da década de 1890, congregando os fotógrafos que ambicionavam produzir aquilo que consideravam como fotografia artística, capaz de conferir aos seus praticantes o mesmo prestígio e respeito grangeado pelos praticantes dos processos artísticos convencionais. O problema é que essa ânsia de reconhecimento levou muito dos adeptos do pictorialismo a simplesmente tentar imitar a aparência e o acabamento de pinturas, gravuras e desenhos ao invés de tentarem explorar os novos campos estéticos oferecidos pela fotografia. Por esta razão, este movimento, que perdurou basicamente até a década de 1920, foi estigmatizado durante muito tempo, mas, felizmente, assistimos hoje a uma releitura desapaixonada do pictorialismo que certamente muito contribuirá para a correta avaliação e contextualização histórica de suas contribuições.
Quando Taubaté passou a abrigar os seus primeiros fotógrafos, essa relação entre fotografia e arte já estava bem definida. Todavia, esse tipo de arte era ainda menos democrático que as formas clássicas de representação. Pintar um quadro ainda era “mais fácil” que tirar uma foto. Os equipamentos eram extremamente caros e raros. A especialização em química e física era um pré-requisito impeditivo, além disso, já havia um forte mercado de retratistas e pintores de paisagens.
No ano de 1889, uma família de artistas chega em Taubaté. Provenientes da Argélia, Gaspar Falco e seus filhos, Raphael e Remedica, fundaram o mais bem sucedido estúdio fotográfico da região entre o final do século 19 e o primeiro quartel do século 20. Um grande negócio! Gaspar Falco foi ator, cantor, pintor e fotógrafo. Pintou os rostos de grandes personalidades políticas da cidade de Taubaté, sendo alguns dos mais importantes os retrato de João Affonso Vieira e de Felix Guisard, que hoje encontram-se expostos no Museu Histórico de Taubaté. Fazia pinturas ao vivo, especialmente em eventos beneficentes. Muito aplaudido, chegou a realizar pinturas em tela em menos de 10 minutos. Foi também professor de desenho e pintura.
Seu filho Raphael Falco teve longa carreira artística. Foi professor de artes e teórico da educação, além de ser conhecido como o primeiro goleiro de um time de futebol taubateano (leia a matéria) e por ter tido uma das suas obras estampadas na nota de 5 mil cruzeiros reais, nos anos 1970. Dessa primeira geração dos Falco de Taubaté, foi Remedica quem ficou mais famosa. Na chegada em Taubaté, contava apenas 40 dias de idade. Ainda na juventude, tornou-se uma retratista de mão cheia. Produzia sua arte no estúdio da família na rua Sacramento, nº 25. Realizava trabalhos em crayon e fotografia, formato em que se tornou mais conhecida. Fotografou e pintou quase todas as famílias da cidade de Taubaté e das cidades vizinhas. Atuou como fotógrafa retratista durante mais de 50 anos. Em seu estúdio, fazia o registro, ampliava a imagem, fazia retoques, à mão, e depois os expunha. Veja alguns exemplos:
Deixo, abaixo, um fantástico documentário produzido pelo cineasta cearense Joe Pimentel, tratando sobre a fotografia nordestina. Aos 12min do vídeo um largo espaço dedicado à fala do retratista Júlio Santos, que faz, até hoje, pinturas sobre fotografias:
A única referência que tive acesso sobre algum retratista que usava técnica fotográfica em Taubaté antes da família Falco foi de J.P. Arantes, que registrava, em 1862, imagens em um Ambrotipo (veja exemplos), um aparelho que registrava imagens negativas em vidro.
Ainda entre os anos finais do século 19 e iniciais do século 20, pela amostragem dos jornais da época, Taubaté possuía bons retratistas que usavam técnicas diversas, especialmente a gravura. Chama atenção o retrato (provavelmente uma litogravura) do Conselheiro Antonio Moreira de Barros, publicado no jornal O Paulista, de 1881:
Destaco outros retratos publicados nos jornais antigos de Taubaté. Nenhum deles, porém, com a identificação do autor:
Qual será o futuro dos retratos?
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Angelo Rubim é professor de história e editor do Almanaque Urupês.
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6 Comments
Angelo, muito bom! Parabéns e muito obrigada!
Angelo, como sempre escrevendo ótimos artigos e demonstrando que fotografia não é só apertar o botão!
Tenho muito a aprender ainda, caro amigo. E a história está cheia de novidades por aí. Esse texto só saiu por causa da sua exposição. Abração!
Fico feliz que tenha gostado, Rachel. O texto ainda está muito vago, falta muita informação. Mas acho que já é um começo.
lembro- me de meus pais, apesar das dificuldades the época, eram muito criativos. sdd
EXCELENTE
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