Pensamento, ideias e teorias na Taubaté da virada do século 20

 Pensamento, ideias e teorias na Taubaté da virada do século 20

Durante o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, o pensamento acadêmico fervilhava na tentativa de se explicar todos os fenômenos, mesmo os sociais, por meio da ciência. Esse pensamento, segundo Elizabeth Cancelli recebeu influência política, jurídica e cultural da Escola Positivista do Direito no Brasil ao final do século XIX e início de XX[1]. Portanto, antes de se fazer o quase inevitável julgamento dessa sociedade como racista, preconceituosa ou para alguns até mesmo atrasada, precisamos primeiro ressaltar a presença do cientificismo tão corrente nos jornais do período.

averdade

O jornal “A Verdade”, por exemplo, discutia o espiritismo, primeiramente contradizendo-o: Contradictorias e extravagantes são as revelações sahidas, em grande quantidade de paginas de um estylo picaresco, chato e de completa inutilidade. […] E, depois, alertava quanto aos seus males e perigos: a influencia suspeitosa dos evocadores sobre os mediums, a violação dos segredos da morte, as diffamações  posthumas […] precipitam a razão de um grande número de abjeções do idiotismo e da loucura. Percebam que mesmo sendo contrário ao espiritismo o jornal faz um apelo à razão, isso porque, esse discurso não é somente contra o espiritismo, mas sim, contra a verdade pregada pela ciência. Nesse contexto, onde estariam as críticas ao catolicismo? Pode parecer até contraditório, porém, acreditava-se ser necessário para a manutenção plena da paz e do bom funcionamento de uma sociedade, um rígido controle da moralidade dos cidadãos.

Cesare Lombroso
Cesare Lombroso

 A religião católica era entendida como fator auxiliante da moral e, segundo a Escola Positivista do Direito a explicação em torno do surgimento da contravenção da ordem é que ela seria originária no homem, o ponto de partida era que, Deus é perfeito, o delito é inerente ao homem, uma manifestação da inadaptabilidade ao meio em que se habita, um fenômeno solidário de alguma perturbação social[2], sendo assim, o controle dos costumes se encontra arraigada na tradição da Escola Positiva, pois os crimes poderiam evidenciar na verdade uma aberração dos instintos, com manifestações primitivas e matóidicas, que caracterizariam personalidades apartadas do normal.

Hoje, seria quase impensável a publicação de artigos do gênero em um jornal, mas a intenção da série de textos sobre o espiritismo não era o preconceito ou crítica, mas sim, tornar o assunto científico. O mesmo jornal que trazia títulos como: “O Spiritismo em face da Religião”, “A egreja em face do Spiritismo” e “O spiritismo em face da sciencia” era o mesmo que debatia “A cor preta no negro” e “A autoridade e a liberdade” discutindo a ausência de liberdade em função da ineficiência das autoridades e a necessidade da autoridade para a manutenção da liberdade.

Neste mesmo período, os crimes tinham grandes destaques nos jornais e o foco para o entendimento desses fatos era o criminoso e, não o crime em si, surgindo nesse momento diversos estudos criminalísticos sobre os indivíduos.

Alexandre Lacassagne
Alexandre Lacassagne

Já mencionado em artigos anteriores, são citados em algumas matérias nomes de famosos estudiosos que se envolveram na área criminal como: Cesare Lombroso e o Dr. Lacassagne. Mesmo que contrários em suas teorias, tendo em vista que Lombroso trabalhava a ideia da existência de um “criminoso nato”, enquanto, Lacassagne defendia a importância do meio no aumento e desenvolvimento dos crimes; ambos demonstram a importância da antropologia criminal no campo das ideias da Taubaté do início do século XX.

A Antropologia Criminal é uma síntese dos conhecimentos obtidos pelos processos científicos da observação e da experiência no estudo do homem criminoso considerado por todos os seus caracteres psico-somáticos (…) daí vem a associação dessa ciência com a psiquiatria, às ciências penais, isto é, aos estudos do crime como ação humana, da pena como reação social e dos sistemas de sua aplicação e execução (…).[3]

Estudo do crânio humano para avaliação de potencial criminoso.
Estudo do crânio humano para avaliação de potencial criminoso.

Em 13 de Outubro de 1904, “A Verdade”, trazia o título “A anthropologia e o jury” e a definia como a inimiga mais declarada da instituição do jury, mostrando o risco de se substituir o julgamento pelo laudo médico. Ao mesmo tempo, porém, mostrava “As sciencias Physionomicas” que falava sobre o que estava por trás da forma de se andar, falar, olhar e até mesmo rir. O artigo pedia para que os leitores ficassem desconfiados com esse tipo de ciência, apesar disso trazia um estudo de geloscopia:

Já ouviu falar em geloscopia? Talvez ainda não. No entanto, esta palavra grega, sob a forma bizarra, indica o que há de mais amável e atrahente, o riso. […]

Ah! Ah! Ah! Ah! – é o riso dos homens intelligentes; o riso franco e honesto; o riso do coração leal e expansivo. Feliz quem assim sabe rir-se […].

Eh! Eh! Eh! Eh! – É o riso das complacências; o riso que applaude sem a espontaneidade do primeiro; um riso incerto e duvidoso […].

Oh! Oh! Oh! Oh! – riso forçado e constrangido. É preciso rir-se porque os outros riem-se […] O riso do medroso […].

Uh! Uh! Uh! Uh! – Riso do caloteiro. É o riso velado, mas um pouco tímido; riso hypocrita e, algumas vezes, maligno.

A simples caracterização desse período como racista prejudica o entendimento dessa sociedade que buscava entender e diferenciar fenômenos nas diversas áreas de estudo. O foco não era pregar uma doutrina preconceituosa. A questão mais significativa neste aspecto talvez, seja analisar que esse ponto de vista científico vinha de uma perspectiva ocidental eurocentrista que acabou por desvalorizar aspectos alheios à sua cultura e supervalorizar os seus.

REFERÊNCIAS:

CANCELLI, Elizabeth. Na Virada do Século: a cultura do crime e da lei. Seminários: crime, criminalidade e repressão no Brasil República (nº1). Arquivo do Estado, Imprensa Oficial do Estado: São Paulo, novembro/ 2002

Acervo DMPAH: Jornal A Verdade 17/03/1905; Jornal A Verdade 12/05/1905; Jornal A Verdade 13/10/1904; Jornal A Verdade 22/09/1905


[1] CANCELLI, Elizabeth. Na Virada do Século: a cultura do crime e da lei. Seminários: crime, criminalidade e repressão no Brasil República (nº1). Arquivo do Estado, Imprensa Oficial do Estado: São Paulo, novembro/ 2002.

[2] CANCELLI, Elizabeth. Na Virada do Século: a cultura do crime e da lei. Seminários: crime, criminalidade e repressão no Brasil República (nº1). Arquivo do Estado, Imprensa Oficial do Estado: São Paulo, novembro/ 2002.p. 19.

[3] ARAÚJO, João Vieira de. Código Penal comentado theorica e praticamente. Rio de Janeiro/ São Paulo: Laemmert & Cia Editores, 1896, p. 264. Citado por: CANCELLI, Elizabeth. Na Virada do Século: a cultura do crime e da lei. Seminários: crime, criminalidade e repressão no Brasil República.

[box style=’info’] Fabiana Cabral Pazzine é professora de história. Pesquisadora de História Cultural e Social. [/box]

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