Para esconder a beleza… e a feiura
Texto de Fabiana Pazzine
Se alguns defendem a mulher como reclusa durante o período colonial brasileiro[1] o que é certo é que elas não deixaram de ser vistas, muitas delas usando e abusando de artifícios (não muito diferente de hoje) para mostrarem o que são, aonde pertencem e o charme que possuem.
A mantilha, essa espécie de véu usada nas cabeças, pode parecer, à primeira vista, sem graça e capaz de esconder os encantos de uma mulher, mas foi vista por um estrangeiro[2], como um acessório capaz de aguçar a imaginação:
Nas Províncias […] nenhuma mulher sai à rua sem cobrir-se com o véu. A imaginação sente-se singularmente excitada quando a gente vê essas figuras semelhantes às freiras, envoltas totalmente num manto preto, das quais mal se percebem o pezinho delicado e elegantemente calçado, um braço torneado e furtivo, carregado de braceletes e um par de olhos, cujo vivo fulgor as rendas não conseguem cobrir, movendo-se com leveza e graça sob os trajes pesados.[3]
Em outro momento, o autor do texto chama a mantilha como um antigo traje nacional desaparecido, que era usado para ressaltar as belezas femininas ou, em outros casos, utilizado para esconder a falta de atributos e encantos:
Só aquelas [mulheres] das baixas camadas do povo ainda se servem da mantilha ou do grande xale preto, que levam sobre a cabeça, com a ponta rendada tapando meio rosto, o que serve para realçar os lindos olhos à custa do resto do corpo. Vê-se de vez em quando uma esbelta mulata que sabe usar a mantilha com graça. Fora disso, somente negras e velhas escondem assim seus murchos encantos.
Ao longo do tempo, fora das Províncias, a mantilha tornou-se um acessório para os que tinham pouco recursos financeiros e, por denotar tal condição econômica, tendia a entrar em desuso.
Segundo Priore, o que vemos no Brasil, é uma clara referência dos costumes orientais, o jogo de esconder e mostrar, que acabava criando fascínio pelo pouco que se conseguia ver.
Belmonte, no livro No Tempo dos Bandeirantes, diz que os paulistas não se descuidavam da elegância, apesar de não ser tão evidente como na Europa, por exemplo, ou na Bahia.
Apesar da influência dos costumes orientais, observada por Priore, a moda paulista era influenciada mesmo pela moda da Península Ibérica. Mesmo que outras influências fossem encontradas na região, elas haviam sido trazidas por portugueses e/ou espanhóis.
As mantilhas usadas no início eram mais pesadas e, as de renda[4], que foram usadas até mesmo na Inglaterra, demoraram a chegar a São Paulo.
Belmonte ainda nos mostra uma mantilha encontrada em um inventário[5]: “uma mantilha de penas de cores com seu topete de penas”. Prova evidente de que, ao invés de os índios assimilarem os costumes dos brancos, são estes que vão inspirar-se na indumentária daqueles…
Ao final de seu texto, Belmonte pergunta qual seria a utilidade disso tudo que vimos (a moda), pois, afinal as moças só conheciam seus noivos no dia de seus casamentos. Sem muita demora, chega a seguinte conclusão:
Quem não souber responder, lembre-se ao menos de que as mulheres não se fazem elegantes para enlevo dos homens, mas, apenas, para inveja das amigas…
Para quem não concorda com a afirmativa de Belmonte, vale lembrar do povo dogon[6], que habita uma região do Mali, que considera a linguagem inseparável da arte de tecer. Famosos pela confecção do bogolan, eles possuem o termo sou que significa palavra, mas também pode significar a faixa de tecidos que sai do tear, para eles, portanto, é possível falar por meio dos tecidos e das roupas que vestem, em outras palavras: ‘estar nu é estar sem palavras’.[7]
[2] Citado por: PRIORE, Mary del. A História do Amor no Brasil, p. 155.
[3] P. 155.
[4] Além de ser uma moda as mantilhas de renda foram adotadas como uma forma de proteger a pele do sol e conservá-la livre de manchas.
[5] Inventário de João Tenório. http://www.novomilenio.inf.br/santos/h0380c21.htm
[6] http://www.casadasafricas.org.br/wp/wp-content/uploads/2011/09/Mali-Uma-viagem-pelos-tecidos.pdf
[7] Ogotemmêli, Citado por: Maria Cristina Volpi Nacif. Disponível em: http://snh2007.anpuh.org/resources/content/anais/Maria%20Cristina%20V%20Nacif.pdf
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Fabiana Cabral Pazzine é professora de história. Pesquisadora de História Cultural e Social.
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