Os sem time

 Os sem time

Durante muitos anos, eu chegava em casa à noite cansado de tanto estúdio. Trabalhava numa produtora de jingles, e muitas vezes eu ficava sem saber se era noite ou dia, pois criar e gravar músicas são missões que não se pode prever o tempo que teremos até o fim do trabalho e estúdio não tem janelas.

Na publicidade ainda tinha que conviver com o fato de, às vezes, o cliente pedir alguma refação e não foram poucas as vezes que tive de acordar durante a noite para voltar ao estúdio e refazer algum trecho de um jingle ou trilha programado para entrar no ar dali a duas horas.

Quando, finalmente, entrava sob os lençóis a música que eu passara o dia todo gravando, não me saía da cabeça e eu não conseguia dormir. Remédio, nunca gostei.

Usufruir um sono tranquilo depois de um dia de muito trabalho é obrigação do meu corpo, do meu organismo.

Então, o que fazer quando a musiquinha do jingle teimava em me manter ligado? Teria que me ligar em alguma coisa que me desviasse radicalmente de qualquer outra que insinuasse o mundo da música.

Foi assim que me transformei num articulista noturno do Esporte Clube Taubaté. Entrava numa espécie de transe, onde eu começava a imaginar soluções que transformassem o Esporte num clube referência. Mesmo antes de surgirem os centros de treinamentos, os chamados CT’s, eu já imaginava instalações que suprissem as necessidades básicas de um elenco que começaria a ser montado com meninos talentosos e possíveis craques que seriam orientados para uma vida de atleta responsável. Um atleta para atuar em alto nível precisa ter noções jurídicas, médicas, psicológicas, econômicas, etc.

Foto do último jogo no campo do Bosque, em 1967, atual praça Mons. Silva Barros.
Foto do último jogo no campo do Bosque, em 1967, atual praça Mons. Silva Barros.

Nunca pensava no elenco final, aquele que jogaria os campeonatos, por que sempre acreditei que sem a força de boas estruturas, qualquer setor social tende a estagnar e começa a perder força; no esporte, principalmente, é fundamental investir nas origens do material humano para que possamos ter bons frutos.

No meio desses delírios óbvios, eu ia pegando no sono e quando via já era amanhã de manhã e lá ia eu para passar o dia dentro da caixa fechada e sem janelas, chamada de estúdio de gravação.

Foram anos curtindo esse assunto para chamar o sono. Hoje, já não penso tanto sobre isso, mesmo porque os tempos são absolutamente outros e nem mais a referência histórica tem alguma utilidade. O próprio futebol acabou virando uma espécie de vídeo game chato onde impera aquele jogo teatral do Barcelona, onde o maior craque, o Messi, sequer é negro. O Barça, por sinal, parece muito com aquele time de futebol de salão de São José que mediocremente impedia a fabulosa máquina salonista do TCC, comandada por Celinho & Marta Rocha, de jogar porque ficava trocando passes entre o goleiro e o zagueiro até explodir com nossa paciência e a nossa arte de jogar com beleza e criatividade.

Essa noite, voltei a pensar como um cartola. Imaginei uma força tarefa composta por homens que sabem o quanto um time de futebol bem administrado pode trazer de benefícios para sua comunidade e seus próprios filhos; uma força tarefa com a finalidade de zerar as contas do nosso time e transformá-lo numa escola de futebol capacitada a preparar cidadãos, desde o atleta até o roupeiro, para atuarem dentro do universo do futebol com eficiência.

Time de futebol de salão do T.C.C., nos anos 50.
Time de futebol de salão do T.C.C., nos anos 50.

Sei que isso é possível e sei também que pessoas capacitadas existem. Mas é preciso reformular os estatutos do clube com cláusulas modernas como, por exemplo, proibir que qualquer cidadão que já tenha exercido algum cargo político seja eleito para qualquer cargo dentro do clube.

Enquanto deliro novamente com esse sonho quixotesco de ver o alvi azul nas alturas, me lembro do meu amigo Vicente Matheus insistindo para que nunca me aventurasse nesse mundo dos boleiros.

Quando ele foi meio que deposto do Corinthians eu, brincando, perguntei se ele não gostaria de ser presidente do Taubaté, afinal, Vicente Matheus tinha Joaquim de Moraes Filho como um parceiro dentro da Federação.

Juro por Deus que por alguns momentos ele ponderou sobre essa possibilidade. Sua mulher Marlene, que não se conformava em ver o Vicente longe do Parque São Jorge, quando percebeu o marido matutando sobre a possibilidade de comandar um time do interior, comentou comigo:

-Esse aí não pode ver defunto sem chorar…

Quem sabe se nesse Natal os homens de bem se juntem para nos dar de presente um time bem organizado e que compense a todos os taubateanos do desgaste emocional causado por esses últimos anos onde deixamos de ser o que éramos e nos transformamos nesse barco sem rumo e sem prefeitos?

PS: …e sem time!

 

[box style=’note’] Nota de redação: Quando redigiu sua crônica, Renato Teixeira não sabia que uma nova diretoria do ECT foi eleita. [/box]

 

[box style=’info’] Texto publicado originalmente na edição 574 do Jornal Contato [/box]

almanaqueurupes

1 Comment

  • Na foto que registra o último jogo, em 1967, entre os campeões de 1954 pelo EC Taubaté e veteranos da AA Ferroviária, de Pinda, tenho nomes de todos os integrantes na foto.
    Saudações esportivas….Chico de Paula…
    e-mail: francisco.paula@bol.com.br

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