“ONDE ESTÁ MEU LIVRO?”
Vejam só! Outro dia tive um sonho em que o monsenhor Nascimento Castro vinha á minha casa cobrar por um livro que prometi escrever sobre ele. O mais estranho é que Nascimento Castro não está vivo e nem cheguei perto de conhece-lo. Calma, eu explico.
Quando ainda estava em terras taubateanas tinha decidido iniciar minha pesquisa. Fui ao Arquivo Municipal Félix Guisard Filho, onde fui atenciosamente atendido pela Profa. Lia Carolina Alves Mariotto e pela Amanda de Oliveira Monteiro. Abri um exemplar de O Norte e lá estava: aniversário do monsenhor Nascimento Castro. Um exemplar inteiro do jornal dedicado somente ao sacerdote. A maioria dos depoimentos falava não só da devoção do padre, mas de sua habilidade política.
Os depoimentos não bastavam, queria saber mais sobre ele. E aos poucos fui descobrindo que Antônio Nascimento Castro (1857-1942) nasceu em São Luís do Paraitinga, mas se tornou conhecido em Taubaté como Vigário Geral da Paróquia. Familiar com o uso da pena, não fugia de polêmicas, pelo contrário, as caçava. Estamos falando de uma época, os anos finais do Império, onde a Igreja Católica está se vendo cercada de velhos inimigos como o protestantismo e novos, como o materialismo (seja pelo lado dos liberais ou pelo lado dos socialistas). Nascimento Castro travou batalhas contra todos eles principalmente através dos jornais. Só para se ter uma ideia, graças á sua persistência, os metodistas deixaram a cidade e se mudaram para São Paulo (onde fundaram o Colégio Mackenzie).
Na política se declarava conservador, ou seja, do lado de todos os grupos associados ou agregados á velha política imperial. Ora, seus amigos de coligações políticas eram ninguém menos que o Visconde de Tremembé e Eusébio de Câmara Leal, advogado e monarquista convicto. Com a Proclamação da República a facção continua, mas agora tem adversários mais inusitados como o coronel José Benedito Marcondes de Mattos e o industrial Félix Guisard, ambos pertencentes á uma ala mais liberal do Partido Republicano Paulista. Angelo Rubim descreve muito bem como estes dois grupos se enfrentaram nos primórdios da República Velha.
Claro que tudo que sei sobre Nascimento Castro é fruto de uma pesquisa muito ampla. Resumindo, xeretei em quase todos os arquivos que encontrei. No Arquivo Municipal, na Cúria Diocesana, no Centro de Documentação e Pesquisa Histórica da Unitau, etc. Com o tempo passei a materializar o monsenhor na minha cabeça como um homem corpulento, sempre acompanhado de seus óculos bifocais, de feições e gestos calmos até subir no púlpito. Lá, na tribuna, Nascimento Castro se transformaria numa, com o perdão do chavão, metralhadora giratória.
No entanto, o livro que devo a ele, minha monografia, não versaria sobre suas polêmicas na imprensa ou na política. Felizmente tal tema foi abordado genialmente pelo meu colega Tiago Donizette Cunha em seu trabalho de conclusão de curso, Uma República de Batinas. Minha pesquisa se direcionou por um lado pouco conhecido do sacerdote: sua preocupação social. Ora, além de participar de várias instituições de caridade, religiosas ou não, o vigário ajudou a fundar o Centro dos Operários Católicos (1898). Percebi que ele estava acompanhando as mudanças sociais na Europa (as consequências mais imediatas da Revolução Industrial foram desde a expansão das fábricas até o aumento da massa de indigentes e miseráveis) e se preocupou com a chegada delas em Taubaté. Daí fazer uma associação que congregue os trabalhadores urbanos com a Igreja e os patrões e não contra ambos, como o socialismo prometia com sua luta de classes.
Enfim, continuarei devendo o livro ao monsenhor, porque minha pesquisa foi interrompida com minha mudança, mas nada me impede de publicar aqui e acolá algumas considerações sobre a questão social através dos olhos desse personagem tão polêmico.
__________________________