Texto de Rachel Abdalla
Viajar não é, definitivamente, uma novidade. A viagem parece ser para o homem uma necessidade vital. E ela se realiza de duas formas distintas: há a viagem de deslocamento concreto e a viagem metafórica, aquela que se faz pelo pensamento, ao ler um livro, ao se ter um sonho, ao desejar estar em outro lugar.
Desde a antiguidade clássica de modo sistemático e documentado, e antes disso, o homem viaja. A curiosidade, a vontade de conhecer outros lugares, a necessidade de proteção e de se alimentar, motivaram as primeiras viagens e continuaram a motivá-las durante muito tempo até que o viajante de transformasse no turista.
Nesse momento de férias no qual geralmente as pessoas viajam me pareceu oportuno refletir sobre o sentido das viagens, afinal, hoje a associação entre férias e viagem é quase que direta. O termo sentido, é bom que se lembre, pode também ter duas conotações: a de direção, para que lado, qual sentido a pessoa se dirige; e o de objetivo, finalidade. Resumida e objetivamente se pode representar essas conotações em duas perguntas: Para onde e por que se viaja.
De modo geral os destinos das viagens variam de acordo com a “moda” e com as estações do ano. Acapulco já foi um destino de moda, na época em que papai era jovem. Hoje o destino almejado no Caribe é Cancun. Com relação às estações do ano, no verão as viagens têm como destino principal o litoral, as praias e os balneários. Assim, no verão os taubateanos, por exemplo, dirigem-se frequentemente para Ubatuba. Antigamente a viagem era mais demorada, mais difícil. Ela ainda demora bastante, principalmente se você resolver empreendê-la em vésperas de feriado, e o famoso “trecho de serra” de 7km ainda é bem difícil. E quase toda família taubateana tem uma história de viagem para Ubatuba: “naquele ano em que o carro quebrou na serra”, “aquela vez em que a água acabou”, “quando conhecemos a praia do Cedro”. Entretanto, há sempre aqueles que são “do contra”, e viajam para as montanhas no verão. Mas há também os destinos familiares, aqueles de retorno às origens para perto dos parentes. Há ainda os destinos direcionados pelo trabalho e, finalmente, os destinos religiosos e os de tratamento de saúde. Aqui pertinho, no nosso vale do Paraíba há destinos assim. No âmbito religioso há Aparecida do Norte que com sua imponente basílica é uma referência no país todo e um destino privilegiado. Já no âmbito da saúde tivemos são José dos Campos e Campos do Jordão com seus sanatórios. Pois é, e tem gente que não sabe ainda que São José dos Campos foi outrora um destino bastante freqüentado por pessoas que buscavam tratamentos de saúde. A história vai se esgarçando…. E, claro, não podemos nos esquecer das viagens sem destino. Sim isso existe. Há pessoas que simplesmente saem em férias e vão dirigindo até onde o destino ou a estrada os levar, parando onde der vontade e onde for possível.
Bem, e por que as pessoas viajam? Para descansar, para fugir dos problemas, para conhecer lugares novos, para tratamento de saúde, para buscar ou reforçar crenças religiosas, para “espairecer”. Esses são os principais motivos que podemos elencar, mas não são os únicos. Cada qual tem o seu motivo. Algumas pessoas viajam para ficar “o mais longe possível” de casa e dos problemas. Esquecem-se elas que como formulou o escritor Richard Bach no título de uma de suas obras: “Longe é um lugar que não existe”. Pois podemos nos afastar fisicamente dos lugares, das pessoas e dos problemas mas eles vão conosco para onde formos em nossos sentimentos e em nossas lembranças. Por isso, para viajar é preciso disposição. Não estou falando só da disposição para encarar filas, trânsito, falta de água e outras agruras, mas da chamada disposição de espírito.
Uma das premissas essenciais da viagem é a de que quem viaja volta ao seu lugar de origem, mais cedo ou mais tarde, fisicamente ou espiritualmente, temporária ou permanentemente.
Os escravos negros trazidos da África para a América fizeram uma viagem e guardavam uma relação de estreita ligação com sua terra natal. Muitos sofriam do que chamavam de banzo, que nada mais era, do que saudade do lar. Esse tipo de viagem não era voluntária, mas mesmo as viagens voluntárias que os imigrantes fizeram fundamentalmente nos séculos XIX e XX em busca de oportunidades de trabalho, resultam num sentimento de vontade de voltar ao local de origem.
Hoje, a maior parte das viagens é de lazer. O turismo cresceu assombrosamente e constituiu-se como um promissor setor econômico, capaz de alavancar e mesmo salvar a economia de muitas cidades, estados e mesmo países.
Paulo Freire costumava dizer que quando queria aprofundar seu conhecimento sobre o Brasil saia do país. Isso pode, num primeiro momento parecer contraditório, mas se você pensar bem, a distância nos permite realmente ver, é o que se chama, de modo bastante resumido, de “epistemologia da distância.”
Em uma crônica escrita em 1900 no limiar do novo século, Machado de Assis, com sua maestria escreveu que: “Enquanto o telégrafo nos dava notícias tão graves […], coisas que entram pelos olhos, eu apertei os meus para ver coisas miúdas, coisas que escapam ao maior número, coisas de míopes. A vantagem dos míopes é enxergar onde as grandes vistas não pegam”.
Assim, à luz dessas percepções ao sair da sua cidade olhe para ela. Olhe com o olhar de assombro. Olhe com o olhar de míope evocado por Machado de Assis, porque, de fato, não olhamos, não damos importância para o que está perto de nós. Valorizamos e queremos olhar o que está longe. A nossa cidade é o destino de tantas pessoas porque não pode ser também o nosso mesmo não saindo dela? Há tanto em Taubaté, como em qualquer outra cidade a ser visto, há tanto que os seus moradores nunca viram. Eu já fiz uma lista de vários lugares que eu gostaria de conhecer em Taubaté. Pois é, para viajar não é preciso necessariamente se deslocar. Isso parece uma novidade? Pode ser se você nunca pensou assim.
Viajar não é uma novidade. A novidade pode estar no lugar que você escolheu dessa vez como destino para a sua viagem ou no motivo que o levou a viajar. Mas mais do que isso, a novidade pode estar na sua disposição em viajar e em refletir sobre o sentido da viagem. Dúvida, questão, crise? Para onde você vai? A crise é decidir para onde viajar? Se você for para Ubatuba como nos anos anteriores vá com um novo olhar. Afinal, como nos disse há muitos séculos o grego Heráclito “o rio nunca é o mesmo rio”. E se você for ficar em Taubaté ou na sua cidade, seja ela qual for, viaje mudando o seu olhar.
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Rachel Duarte Abdala é professora de Teoria da História na Universidade de Taubaté
1 Comment
Adorei!!! Viajei com voce!rs!bjs
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