O CRIME NA POLÍTICA OU A POLÍTICA DO CRIME

 O CRIME NA POLÍTICA OU A POLÍTICA DO CRIME

Em outubro de 1905, o jornal “A Verdade” da cidade de Taubaté trazia como título de um artigo de primeira página “A política e o crime” no qual considerava lamentável a influência do crime na política.

Considerando que a política deve ser a ciência da administração e organização de um Estado, torna-se essencial a ética para seu pleno desenvolvimento, porém, talvez seja quase impossível, na prática, o governante planejar unicamente com a finalidade de se alcançar um bem maior, segundo as necessidades da população. De acordo com o texto de 1905, o desvirtuamento dos ideais da política ocorre a partir do momento em que ela se torna um ofício, um meio de sustento.

Trecho da edição de 24 de outubro de 1905 do jornal "A Verdade". Acervo DMPAH
Trecho da edição de 24 de outubro de 1905 do jornal “A Verdade”. Acervo DMPAH

Ao se tornar um ofício, a política teria seu caráter corrompido desenvolvendo a fraude e a corrupção, enfraquece o sentimento da justiça e o amor ao trabalho[1]. Mesmo que discordemos do que é dito neste momento, pois alguns poderiam considerar que para haver a profissionalização da política seja necessária a sua remuneração, tornando o ingresso mais igualitário a todas as pessoas. Outros podem rebater, dando razão ao artigo de 1905, considerando este aspecto a origem de todos os males.

Vale lembrar que a profissionalização não exige apenas a remuneração, como também, a especialização. A especialização, por sua vez, compreende o estudo e o aperfeiçoamento da prática administrativa governamental, mas ao mesmo tempo, exige o aprimoramento das técnicas eleitorais, ou seja, o político profissional deve saber ou se cercar de pessoas que possam o fazer eleito.

Do mesmo modo que a política pode ser considerada como um solo fértil da criminalidade, a sua ausência pode ser o foco gerador em uma sociedade. Citando o médico francês e criminologista Dr. Lacassagne, o jornal diz que na falta da política ou em seus períodos conturbados, a violência torna-se comum, expressando-se em assassinatos ou em eleições fraudulentas, pois segundo o criminologista o ambiente social seria uma terra favorável à criminalidade e o micróbio ou a semente seria o elemento criminoso que não possui importância, até o momento no qual ele encontra um ambiente propício à sua proliferação[2].

O Leviatã, símbolo da política na obra de Thomas Hobbes. Arte feita em 1651 por Andrew Crook
O Leviatã, símbolo da política na obra de Thomas Hobbes, representado como um gigante detentor da opressão (espada), da religião (báculo) e da tirania (coroa) – tido, por Hobbes, como a essência do poder. Arte feita em 1651 por Andrew Crook

Referindo-se à situação política dos Estados Unidos, “A Verdade” diz que o dólar é o elemento preponderante e quase definitivo em seus planos eleitorais e, portanto os eleitores acabam sendo seduzidos por um ideário de promessas políticas. Ao longo do tempo, porém, tornam-se céticos e o ato de votar adquire a característica de ser prático. Quando não é possível a venda direta do voto, o candidato maneja sua delicadeza pelas subscripções a favor das instituições de beneficência ou de utilidade publica[3]. Isso ocorre segundo o texto nos países do Norte das Américas. Já nos países de origem latina, a paixão política torna todos os meios de corrupção legítimos e oportunos e, por isso, os serviços eleitoraes são pagos em funções publicas, muitas vezes com grave prejuízo da justiça e dos interesses sociaes[4].

Tanto no caso dos americanos do Norte, quanto no dos de origem latina, quando vigente o cenário acima descrito, nem mesmo a redação da melhor lei seria capaz de resolver os problemas da população, devido a incapacidade das autoridades se comprometerem com as obrigações políticas.

Para agradar esses grupos que o jornal intitula de “os violentos”, a política separa-se da moral, da justiça e da liberdade [e] supprime-se o horror que o crime deve inspirar[5].

Segundo os argumentos utilizados no texto, não existiria uma forma correta de governo (república X monarquia), mas sim uma única guiada segundo as necessidades da população e princípios éticos. Apesar dessa última informação não soar tão bem na prática quanto aos ouvidos, nos resta uma reflexão a respeito da prática política, seus ideais e sua funcionalidade nos dias atuais, que como pode se notar não é uma preocupação apenas contemporânea.

 


[1] A Verdade – 24/10/1905.

[2] le milieu social est le bouillon de culture de la criminalité ; le microbe, c’est le criminel, un élément qui n’a d’importance que le jour où il trouve le bouillon qui le fait fermenter (http://criminocorpus.revues.org/112) .

[3] A Verdade – 24/10/1905.

[4] A Verdade – 24/10/1905.

[5] A Verdade – 24/10/1905.

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Fabiana Cabral Pazzine é professora de história. Pesquisadora de História Cultural e Social.

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