Não ter…

 Não ter…
(imagem: mariaflavia.com.br )

Texto de Dafne Araceli Román

Não ter roupa para sair, não ter um sapato para combinar com aquela bolsa, não ter Nutella para passar no pão, não ter internet, não ter um óculos de gatinho para arrasar naquela festa na piscina no próximo domingo…

Não ter um teto para morar, não ter um prato de arroz para comer, não ter água para beber ou se lavar, não ter uma sala de aula para estudar e aprender, não ter saúde, não ter paz, não ter amor…

Não ter férias, não ter emprego.

Não ter dinheiro para ir à Disney, não ter dinheiro para comprar fraldas.

Não ter um vestido para ir àquela festa, não ter tênis para ir à escola.

Não ter carro, não ter pernas.

Não ter cerveja para beber com os amigos, não ter um bolo de aniversário quando se completam 8 anos e poder comemorar com os amigos.

Reclamamos que não temos isso, que não temos aquilo pois nunca estamos satisfeitos com o que temos e sempre achamos que estamos na pior, mas não paramos para nos preocupar efetivamente com o que está ao nosso lado.

Dia desses fui egoísta, tenho vergonha de contar, mas aconteceu e eu acho válido lhes contar, eu que sempre me preocupo com não ser indiferente, com não ser egoísta e injusta com os outros, acabei sendo.

Estava caminhando pelas ruas de Belo Horizonte junto a meu marido para irmos jantar após um dia inteiro de curso de aperfeiçoamento profissional, estávamos felizes, arrumados, cheirosos, de vestido novo e quando passávamos em frente a uma farmácia um homem nos abordou, deveria ter um pouco mais que a nossa idade, talvez uns quarenta anos. Suas feições eram tristes e ele pediu dinheiro para fraldas. Eu não sei o porquê, eu não consigo entender por que fiz isso, falei que não tinha trocado, que estava indo comer. Eu não tinha trocado, mas eu tinha um cartão de débito, eu poderia muito bem ter comprado as fraldas e ter ajudado esse pai, ter oferecido o auxílio que ele precisava nesse momento, eu não ia morrer, não iria fazer diferença em minhas contas do mês e também, se fosse fazer, eu poderia deixar de ir comer a pizza que estava indo comer e ter ficado em paz com minha consciência, mas não, eu fui egoísta, eu disse que não tinha quando tinha.

Quantas vezes fazemos isso, fui inconsciente, mas o fiz. Quando sentamos na pizzaria e fizemos o pedido conversamos sobre isso, falamos que caso ele estivesse lá quando voltássemos nós compraríamos as fraldas, mas é claro que ele não ia estar lá, ele com certeza foi para outro lugar pedir, ou com a graça de um bom HUMANO ele recebeu as fraldas que tanto precisava, afinal, a criança não iria esperar três dias para ser limpa.

Senti-me culpada, senti-me injusta, senti-me fraca. Fraca, pois diante de tanta miséria, de tanta pobreza, nada fiz, fraca pois pequei com meus princípios, fraca, pois amanhã eu sei que pode ser eu que venha a estar nessa situação e se alguém não me ajudar eu não poderei reclamar, pois eu também não o fiz quando precisaram de mim.

Prometo me policiar mais, prometo tomar mais cuidado com as minhas atitudes e ajudar como sempre ajudei, prometo ser menos cega podendo ver, eles não são invisíveis. Eles são HUMANOS.

E agradeço, agradeço às pessoas que não são cegas aos que sofrem, aos que precisam de um agasalho, de um prato de comida, de um copo de água, de uma fralda, de um abraço. Agradeço aos que são HUMANOS em sua plenitude de ser.

E ainda há pessoas assim, eu acredito nisso.

Dia desses eu estava assistindo o JN quando mostraram um ato que três policias tiveram ao ver uma criança chorando sentada no meio fio junto os seus irmãos.

Eis que eles estavam fazendo a ronda quando observaram um trio de crianças chorando, eles se aproximaram com o carro oficial da polícia e perguntaram o que estava acontecendo. Sem medir palavras a criança de oito anos disse “hoje é meu aniversário e eu não tenho bolo…”

Aquelas palavras comoveu os três colegas e eles tiveram uma ideia. Colocaram-nas no carro e levaram-nas ao supermercado, lá eles compraram ingredientes para fazer bolo, brigadeiro, salgadinhos, refrigerantes e uma boneca. Eles voltaram com as crianças para a casa e entregaram tudo à mãe dos pequenos, a mãe ficou extremamente agradecida e convidou-os para ficar, mas eles não puderam, eles tinham que continuar seu trabalho de cuidar das pessoas da cidade. Tiraram uma foto juntos e ficaram na memória eterna dessa pequena que teve sua festa de aniversário junto aos seus queridos.

Eles foram HUMANOS em sua integridade, eles se preocuparam com o próximo, eles exerceram o papel mais lindo, o de doar amor. Esse ato foi amor puro, amor lindo. É injusto uma criança não ter um bolo, é injusto, elas não têm culpa do mundo ao qual vieram. Elas não têm culpa se o pai e a mãe não têm dinheiro para um bolo, mas elas têm direito a acreditar que a vida pode ser melhor, elas têm direito a acreditar nas pessoas, na bondade das pessoas, no amor.

Essas crianças com esse pequeno gesto ganharam esperanças para começar um novo ano. Essas crianças ganharam muito mais que um bolo, brigadeiros e uma boneca, ganharam um pouquinho do gosto de ser criança, de ser feliz, de não se preocupar pois não há um bolo. Essas crianças ganharam vida.

Vamos fazer não só com que as crianças ganhem vida, mas sim todos aqueles que nos procuram pois precisam de nós de alguma forma. Vamos fazer menos vista grossa. Vamos ser menos cegos.

 

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