Miguel Fernandes Edra: um taubateano do século XVII
Testamento do bandeirante está no Arquivo Felix Guisard Filho
Por Amanda Oliveira
Miguel Fernandes Edra viveu em Taubaté no século XVII. Seu inventário armazenado no Arquivo Histórico Municipal Felix Guisard Filho é de 1667. Dois anos antes, porém redigiu de próprio punho seu testamento deixando registrado nele suas últimas aspirações.
A redação dos testamentos servia para determinar as últimas vontades, e nele se manifestavam “todos os desejos, se evidenciavam sentimentos, se subentendiam amarguras, se acertavam contas e se deixavam transparecer arrependimentos.” (ARAÚJO, 2006, p.30) Era recomendado pelas Constituições do Arcebispado que os testadores encomendassem a alma a Deus, a Santíssima Trindade, a Cristo, e pedissem a intercessão a Virgem Maria, anjos, e santos.
Em praticamente todos os testamentos do Brasil Colônia existem as causas pias. Nela, o testador pede a proteção de diversos santos, para que fossem seus intercessores na hora da morte, além de deixar missas em honra dos mesmos e também informava o local onde queria ser enterrado. Essa era uma função religiosa que vinha desde a Idade Média, e segundo Philippe Ariès “O objetivo do testamento era o de obrigar o homem a pensar na morte enquanto era tempo […], em que o testador exprimia, por formalidades mais espontâneas o que se pensava, sua fé e sua confiança na intercessão da “Corte Celeste”, e dispunha do que ainda lhe era mais precioso: seus corpo e sua alma.”
Além disso, o pedido de missas feitos nos testamentos tinha como função abreviar o tempo passado no Purgatório, ou á elevação da gloria do Paraíso. Segundo José Reis, “por meio das encomendas de missas e de apelos a santos intercessores eles tratavam da chegada ao mundo dos mortos. Pensavam no julgamento da alma perante o Tribunal Divino, buscando abreviar ou até (os mais otimistas) evitar a passagem pelo Purgatório.”
“Primeiramente Emcomendo mjnhaalma a deus padre que aCriou E adeus Filho que me remio [ilegível] [s]eu presio[s]o sange| adeus espirito santo que aLumea E[sa]ntifica as almas cõ diuina Lús Easim mais Emcomedo| mjnha alma Em as maos da santisima uirgẽm <a> Nossa Senhora aquẽ rogo seia mjnha auo| gada Emjnha Em ter sesora para cõ seu bendito filho meu Senhor Jezu cristo que me remio por| preso deseu p[r]esiozo sange E asim mais [ilegível] Emcomendo aobem auenturado São| miguel ar Canjo Eatodas as .3. Iherarquias de anjos// Eao bem auẽturado João| bautista Eaos santos apostolos deCristo senhor nozo são pedro e são paulo// Eatodos os santos [esã]| tas que cõ tẽ plam adiuinamagestade os coais me seiam auogados EEm te[r] se[s]o| res por Cujos rogos Emeresimentos de meu senhor Jezu cristo me seiam perdoados meus pecados| E goze da cõ panhia dos bem auẽturados para aquefuj Criado amẽ” |
“mando seia meu Corpo Emterrado najgreia dob bem auẽtur[ilegível]| padro Erro desta Vila na sepultura de mjnha molher thomazia [ilegível]| que d[ẽs] aja Eme acõpanhara aCrus do gloriozo são francisco Edas al [ilegível]|nosasenhora do Rosajro danselhe aesmola ordinaria –| E sera meu Corpo amortalhado no ab[i]to de Nossa [Senhora] do monte d[ilegível]| que para iso otenho cõprado amuitos annos// [Di]r se me a a mjsado Corpo pr[ilegível]| sendo posiuel eseia aplicada pela Emtersesão dosanto dome[u] [n]o[me] 1| # mandosemediga hu tri[n]tario de misas Rogo muito não ajadelasão – 30|# mando se me digam tres misas asantisima trindade EmparteCular – 3| # huã ao deuino esperito santo E huã anozosenhor JeZucristo – 2| # mando se me digam a Nossa senhora do Rozario três misas – 3| # mando se me digam tres misas osaserdoteque as diser as diga [as] | tres Jerarquias deanjos – 3| # mando se me digam anozadodoCar[m]o na igreia dopatriarCa são francisco [tres] misas – 3| # mando seme digam aos santos apostolos simco misas – 5| # manddo [s]e digão a santa ursula e as virgẽs suas cõpanh[e]ras duas misas [2]| # mais Seme diram pellas almas dofogo d[o] purgatório duas mizas 2| # mando se me diga ao anjoda mjnha goarda hua misa – 1| estas quero que se medigão que faze soma desinco Emta eseis | dar sea para acõ fraria das almas pano para huã toalha de Comunh[ão]” |
(trecho das do testamento de Miguel Fernandes Edra AHMFGF – 1665) |
Miguel Fernandes Edra era um dos muitos desbravadores que adentravam os sertões até a região das minas. Em seu testamento afirma que seu filho, que também se chamava Miguel, havia morrido no sertão, juntamente com o filho de sua segunda esposa Maria Martins. O Codicilo anexado ao inventário traz informações interessantes quanto sua ida ao sertão. Consta que seu compadre Pedro Gil lhe entregou seis libras de pólvora e chumbo, quando de sua partida para o sertão, com a condição de usá-la somente em serviço e gasto do arraial. Miguel afirma que não a utilizou, e o entregaria, mas a pólvora se molhou “alagando me” como ele mesmo escreveu, no rio das Velhas. Isto prova que ele estava em um arraial e provavelmente quando voltava se molhou no Rio das Velhas localizado em Minas Gerais.
Ter a posse de extensas terras era muito importante neste período. Não como indicador de riquezas como afirma Leandro Santos de Lima “Sabe-se que as terras em si não tinham tanto valor monetário, pois como a região participava ainda de um período de ocupação, boa parte da área estava à disposição dos que chegavam”. Alcântara Machado salienta que do “latifúndio é que parte a determinação dos valores sociais; nele é que se traçam as esferas de influência; é ele que classifica e desclassifica os homens; sem ele não há poder efetivo, autoridade real, prestígio estável”. Portanto era a terra que lhes dava status, prestígio e posições de destaque, embora não tivesse um grande valor monetário. Quando trata de seus bens de raiz, ele menciona terra em “Curupahitiba” até “praCapuera”. Segundo Waldomiro de Abreu Curupahitiba é a paragem que hoje é chamada Curuputuba, em Pindamonhangaba. Eram donos de terras nesta região também seu irmão Manoel Fernandes Edra, que posteriormente foram herdadas por seu filho por Salvador Fernandes Furtado de Mendonça, reconhecido bandeirante. Em seu inventário de 1725, as terras em questão foram mencionadas. Antônio Bicudo, avô de Antônio Bicudo Leme foi o primeiro a mencionar a paragem chamada “Curupaitiba” em seu inventário de 1650.
Como todo habitante da região vale paraibana deste período, Miguel também possuía algumas peças do gentio da terra que totalizavam 14. Entre seus bens inventariados, tinha instrumentos de carpintaria e de trabalhos com o ferro como, malhos, bigornas, canos de foles, junteira, garlopa, cepilho, enxó, etc.. Também possuía criação de porcos entre outros bens.
Miguel também possuía filhos bastardos. Em seu testamento ele os reconhece, depois de citar dos cinco filhos que teve com a primeira esposa, dizendo que os teve depois que a mesma faleceu. Já no codicilo ele declara que a índia de sua casa chamada Adriana teve seus dois filhos e que ficaria em companhia de sua filha na casa de algum dos herdeiros até ela se casar.
Por meio da análise não somente do testamento, mas de todo o conjunto documental (Inventário e Codicilo), pode-se fazer uma tentativa de trazer à luz a vida deste homem, que como muitos outros de seu período, viviam da caça ao índio, busca de ouro, e que em sua família, algumas gerações depois, teriam personagens tão conhecidos, como seu sobrinho Salvador Fernandes Furtado de Mendonça, que juntamente com outros sertanistas, ficaram conhecidos pela descoberta oficial do ouro no final do século XVII.
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Amanda Valéria de Oliveira Monteiro é formada em História pela Universidade de Taubaté. Mestranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Trabalha no Arquivo Histórico Municipal Felix Guisard Filho com documentos datados a partir do Século XVII.
2 Comments
Interessantíssimo, Amanda Monteiro
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Mario Luiz Gomes, veja isso! abs
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