Related Posts
O anti–Taubaté
Uma das cartas mais duras e reveladoras sobre a relação de Monteiro Lobato com sua terra natal. O criador do Jeca Tatu desconfia da adesão de “Taubaté” ao projeto da Biblioteca Sítio: “Taubaté, meu caro (e eu sei isso a fundo). Taubaté, o padre, o bispo, a carolice, a estreiteza mental, o acanhamento intelectual crônico; e, portanto jamais prestaria homenagem a um sujeito que é anti – Taubaté em tudo, e isso desde menino”. O escritor também faz referência ao desejo da esposa de Cesídio, Lygia Fumagalli Ambrogi, de produzir um romance. “É capaz de sair coisa muito boa”.
(Optamos por manter a grafia original da carta)
S. Paulo, 02 ou 3 de 12/1943
Meu caro Cesídio:
Recebo a de 29. Não houve nada. Houve uma tosse horrível e esquisitíssima, da qual só agora estou me libertando. E houve também que vocês prometeram chegar até cá e ficou em promessas. Muita coisa só de viva voz – não cabe na carta.
O livrão – paralelepípedo de que falei só agora vai entrar para a máquina, e antes do fim do ano, darei com ele na cabeça dos três jacarés. Será de criar galos. Setecentas páginas! Nunca me supus capaz de um crime desses.
A minha curiosidade pela biblioteca – sítio é grande como sempre, e há uns aspectos que me intrigam. Quem paga isso? Estou curioso de saber. Outra coisa: não tenho a menor duvida que as tais homenagens de Taubaté ao filho desnaturado não são nada disso: são uma coisa de vocês três. Taubaté vai entrar na dança como Pilatos entrou no Credo. Taubaté, meu caro (e eu sei isso a fundo). Taubaté, o padre, o bispo, a carolice, a estreiteza mental, o acanhamento intelectual crônico; e, portanto jamais prestaria homenagem a um sujeito que é anti – Taubaté em tudo, e isso desde menino. Logo, as homenagens de Taubaté são de fato homenagens, provas de amizade e carinho, de três amigos, só, só e só. Aquele barulhão que você fez pelo MOMENTO devia ter feito todas essa tropelia de Albericos arregalar o olho, e com muita razão, porque esse Taubaté só conheço do Lobato o que os jornais dizem – e devias ter ficado até aborrecido com os teus exageros “momentâneos”. Ah, meu caro eu já vivo 61 anos e sei o que é o mundo e as terrinhas natais da gente.
Dessas homenagens o que me interessa profundamente é a curiosíssima biblioteca que o Urbano concebeu e teima em fazer; não me interessa por mim, mas pela criançada que no futuro irá encontrar a coisa que me fez falta na meninice: livros para ler. O bem que será para ela, o prazer que irá dar a tantas e tantas crianças pobres, será o meu maior prêmio, e eu abençôo a vocês por terem proporcionado tal prêmio. O fato de haver eu sido a causa causante de criação de tal biblioteca enche-me de intima satisfação. Mas não nos iludamos, meu caro, Taubaté nada tem com isso. Isso é coisa do Urbano e de vocês. Só, só e só. Urbano é um caso de bondade construtiva. Porque há a bondade inútil. Em Areias lembro-me dum pobre diabo que dizia: “Coração bom está aqui; mas poder mesmo, quando”? o coitado tinha um grande coração, mas não podia coisa nenhuma. O Urbano é a bondade que quer e pode, e vocês prestam-lhe mão forte. Hoje sou eu um protesto para que a bondade construtiva de Urbano – e isso vira Homenagem de Taubaté no Filho Pródigo! Engraçado não?
Meu interesse caro Cesídio, não é por homenagem nenhuma: é pela biblioteca – sítio, pois vejo nela uma semente. Talvez outras cidades copiem o sítio – biblioteca daí – e temos em vários pontos do Brasil uma instituição de maior valor para o futuro de nossa gente que todos os bispados, que toda essa palhaçada militar que por aí vai. E como não hei de sentir-me profundamente orgulhoso de ter sido á causa disso?
Mas se tal se der, nunca o atribuirei a Taubaté nenhum – e sim ao jacaré construtor e aos jacarés acolitantes. O futuro duma nação depende exclusivamente do pão mental que as gerações velhas Proporcionam ás novas – e eu estou vendo na idéia genial que os jacarés tiveram o olho d’ água de todo um Amazonas…
E por isso receio que a coisa não vá por diante. Em geral as idéias generosas morrem em botão. Se essa vingar, vamos ter todo um jardim de flores amanhã.
Se vocês não vem cá, avisem-me, que irei debater o assunto aí. Você fala no desenho colorido, que o Urbano fez. Que vontade de ver isso e de colaborar! E será uma idéia original – coisa preciosa no país da macaquice – nesta gente que só copia do que o estrangeiro faz, mas não tem capacidade de criação.
Curioso, muito curioso esse desejo de sua mulher de produzir um romance. E é capaz de sair coisa muito boa. A professora – a Dupré – é ótima. Ela abriu um caminho. O ÉRAMOS SEIS também é uma semente. Que seja sincera no que escrever. O segredo de tudo está nisso. Terei imenso prazer em examinar o livro dela e da também ser sincero a respeito. Quanto mais velho fico, mais me convenço que só a sinceridade salva e cria.
Adeus, caro amigo. Avise-me se vem ou não, para na hipótese negativa eu ir. E um abraço nos outros. Do Lobato.
Cristina Demétrio para Lobato
[fullwidth_text alt_background=”none” width=”2/3″ el_position=”first”]
São José dos Campos, 14 de abril de 2019.
Querido Bentinho,
Espero encontra-lo bem!
Quero pensar que me fala de Nietzsche por saber, como bom amigo e conterrâneo que amo filosofia e acredite, pegou no meu veiado!
Antes de continuar quero pedir lhe embirrachada, (desculpe o neologismo, mas vc também é bom nisso), que me perdoe a ingramaticalissima, visto que sou artista, não literata.
Sua carta me chega em boa hora, visto que a muito tenho lido em segredo Nietzsche, pois no mundo de hoje temos que ser sempre felizes. O que se faz? Uma Jeca, aqui do interior, que mal soube conduzir sua carreira de artista querendo desgramadamente entender um filósofo tão profundo.
Me sentindo centro de tudo, uma cabocla meio invocada, acredito que este pensador não era muito certo das ideias e viveu a debulhar suas incertezas sobre nós.
Sim! Você tem razão quando me diz que somos mais nós mesmos, quando o lemos, ele aborda coisas que nos levam a introspecção.
Gosto de ele ser um pecador, somos todos. Penso que uma cuiada de pensadores não o entende. Ta gostando de eu usar seus neologismos? Assim só ‘’nois’’ entende! Acredito que se existe céu, é repleto de perdão, pois santos mataram e que o amor não vê estas coisas.
Veja bem seu ‘’sabe tudo’’, tanto que criticou os modernistas, e veja agora, eles valem milhões!!!!!
Gosto da desesperança dele, me fascina, como sabe tenho mesmo uma tendência ao drama, meus pensamentos insistem em caminhar sempre pela dor, como gotas se sorvo nesta minha vida estafetada… É no silencio que vivo isto e se esta dor, não fosse absorvida pela minha mente criativa e onírica, confesso que já teria dado um jeito de ir embora deste mundo.
Te confesso mais e que fique somente entre nós, a dor é docê, ela me dá a percepção da minha existência, do tempo que dura muito mais quando a sinto, das frestas pela qual vejo do que os seres humanos são capaz.
E digo mais amigo Bento, são nestes horizontes que Nietzsche semeia que nos debruçamos a viver. Se nos afogaremos em guinholesca loucura, foda-se. A química que me pede e de que se fala hoje nos traduz a depressão, doença nova, coisa que no seu tempo a gente chamava de tristeza e o amor dos familiares curava.
Mas olha, me manda mesmo assim o seu livro, pois também vou te mandar algo aqui de 2019. Musicas, letras, noticias…
Daí vc me diz se Nietzsche não tinha razão!
Da amiga saudosa,
Cristina Demétrio
Bibiografia https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/15471/1/NAACardosoDISSPRT.pdf
[/fullwidth_text] [recent_posts item_columns=”1″ item_count=”6″ category=”cartas” offset=”0″ posts_order=”ASC” excerpt_length=”20″ width=”1/3″ el_position=”last”]
1 Comment
Que bom poder vivenciar esta troca de cartas, conhecer a Tia Nastácia muito antes dela virar lenda infantil, ver que alguém havia alertado Lobato de que não devia malhar o caboclo (o que ele acabou fazendo, criando o Jeca Tatu, ícone publicitário do Biotônico Fontoura). Cresci lendo Lobato. Acho que seu estilo de escrever me influenciou, e muito. Sou grato a ele por isso.
Comments are closed.