Instrumento da escrita: a tinta
Quando estudamos documentos antigos, as informações contidas neles contribuem e muito, para a pesquisa histórica, ou seja, nesses documentos estão armazenados informações importantes para compreendermos melhor nossa História. Mas para muitos pesquisadores a importância destes documentos ultrapassa suas informações. Muitos se interessam pelo processo de criação do material no qual ele foi feito, para compreendermos melhor seu período e assim também contribuir para entendermos os usos e costumes do passado. As informações contidas nos documentos antigos, tão caros ao pesquisador, foram registradas de alguma forma, por alguém, em algum lugar e por algum motivo. Hoje falaremos sobre a forma de registro dessas informações a partir de um dos instrumentos da escrita: a tinta.
Sempre houve no ser humano a necessidade de registrar informações, ideias, o cotidiano. Desde a pré-história o homem registrava seus atos e sua vida nas cavernas por meio de desenhos. Com o tempo se utilizou como suporte a argila, tábuas, pedras, metais, tecidos, papiro pergaminho e papel, entre outros. Maria José de Azevedo Santos afirma que “ao longo da História se escreveu com tudo e em tudo”, pois material suporte e instrumento escrevente diversificaram muito durante o tempo. Contudo, a tinta não sofreu substituições, e nem muitas mudanças durante o tempo, tornando-se quase essencial para a escrita e pintura no decorrer dos séculos.
A tinta utilizada nos papéis antigos do Arquivo Histórico de Taubaté, ou seja, na documentação taubateana, é a ferrogálica, composta de sulfato de ferro, ácido galotânico (tanino extraído da noz da galha, formada no carvalho) e um aglutinante, em geral a goma-arábica dissolvida em água.
São poucas as receitas das tintas encontradas e que eram produzidas durante toda a História. Nas que foram localizadas, um dos principais ingredientes era a noz de galha, produzida na árvore do carvalho. As galhas eram mergulhadas em um líquido, que poderiam ser vinho branco, água doce com vinagre, água de chuva ou de cisterna ou vinho branco diluído em água. Preferia-se o vinho branco pelos seguintes motivos segundo João Euripedes Franklin Leal: “ausência de cor, maior teor de álcool que favorecia a diluição do tanino, além de ser mais volátil permitindo a secagem da tinta mais rapidamente ao escrever.” O uso da água de chuva e cisterna era utilizado também por terem poucas impurezas.
Depois de molho por alguns dias nestes líquidos referidos, juntava-se a noz de galha o sal metálico que equivalem ao sulfato de ferro e posteriormente a goma arábica. Estes ingredientes eram misturados por um galho de figueira, ainda verde, rachado em quatro partes, transpirando látex. Filtrava-se a tinta com um tecido para retirar os resíduos. Normalmente levava-se duas semanas para tinta ficar pronta, mas existem algumas receitas que ficava pronta no mesmo dia da fabricação. A cor resultante dessa misturas era preta, que hoje ao analisarmos nos documentos, se apresenta na cor sépia ou castanha, fruto da sua oxidação natural.
Após utilizar a tinta, era necessário secá-la e para isso usava-se pó de madeira de gesso ou de areia fina. Estes pós ou areia eram guardados em caixas de louças ou metal, com tampa perfurada como um saleiro atual.
Na idade Média, normalmente os fabricantes das tintas eram monges, monjas e clérigos, mas a partir do século XVI, segundo João Euripedes Franklin Leal, “secularizou-se profundamente tanto a arte de escrever como a de fabricar a tinta, surgindo artesão ou mercadores de tintas”. Os preços das tintas era um pouco elevado, chegando a ter praticamente o mesmo preço de um pergaminho. Com o passar do tempo, outras misturas foram feitas para a composição de tintas marcando o aparecimento das tintas dos séculos XVIII e XIX com características de serem altamente corrosivas, sobretudo aquelas que usavam ácidos sulfúrico ou clorídrico.
Para guardar e conservar a tinta era utilizado o tinteiro, que podiam ser de metal, cerâmica, madeira, marfim, vidro e de chifre. Havia também os tinteiros de chifre, de boa qualidade, pois era resistente aos ácidos e evitava reações da tinta. Os de chumbo eram considerados mais práticos e melhores. O tinteiro passou a ser símbolo da cultura, do saber e da alfabetização.
No século XIX houve uma mudança na composição da tintas, trazendo uma revolução quando Perkins, em 1856, descobriu as tintas à base de anilinas. Logo depois os ingleses criariam as tintas de cor azul que foi substituindo a de cor negra.
No final do século XIX, as três peças indispensáveis para escrita, tinteiro, tinta e pena, se transformaram numa só peça, quando o americano Waterman produziu o que chamamos de uma caneta, que possuía no interior do corpo, um reservatório, que era preenchido com tinta. A caneta tinteiro foi inventada. Tempos depois, na década de 40 do século XX foi inventada a caneta esferográfica, que mudou todos os conceitos de instrumento para escrever e de tinta.
Hoje nós não encontramos dificuldades de encontrar um instrumento para escrever, seja uma caneta, um lápis ou mesmo imprimir um texto no computador, mas para tivéssemos toda essa comodidade, foi necessário uma trajetória de experiências e descobertas.
Conferir mais em:
SANTOS, Maria José Azevedo. Da Visigótica à Carolina: a escrita em Portugal de 882 a 1172 (aspectos técnicos e culturais). Lisboa: Editora Fundação Calouste Gulbenkian, 1994.
LEAL, João Eurípedes Franklin. Tintas para escrever. Documento Monumento. Universidade Federal de Mato Grosso – Núcleo de Documentação e Informação Histórica Regional – NDIHR. Vol. 2, N. 1, set. 2010. Disponível em: http://200.17.60.4/ndihr/revista-2/artigos/joao-euripedes.pdf. Acesso em: 18 out. 2012.
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Amanda Valéria de Oliveira Monteiro é formada em História pela Universidade de Taubaté. Mestranda em Filologia e Língua Portuguesa pela Universidade de São Paulo. Trabalha no Arquivo Histórico Municipal Felix Guisard Filho com documentos datados a partir do Século XVII.
1 Comment
Esse texto está com o título impróprio: deveria ser: “SHOW DE CONHECIMENTOS” ou ainda ” ‘BANHO’ DE INFORMAÇÕES CULTURAIS”.
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