1884: uma Princesa malvista e mal recebida

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Capítulo 12 sobre a passagem de D. Pedro II pelo Vale do Paraíba

Texto de Glauco Santos 

Ainda no dia 6 de novembro de 1884, a comitiva Imperial deixou a cidade de Lorena, rumo à Guaratinguetá. A breve parada nesta cidade tinha objetivo bem específico, conforme observado pela própria Princesa Isabel: “parada em Guaratinguetá, parada para subir à Capela de Nossa Senhora Aparecida, fazer oração” (DAUNT, 1957, p. 26). Nesta ocasião, segundo a crônica publicada no jornal Santuário de Aparecida (19 de novembro de 1921, p. 5) a princesa voltou à igreja, junto com o marido e seus três filhos para agradecer à santa por ter atendido seu pedido feito em 1868: o de engravidar do herdeiro do trono brasileiro.

Princesa Isabel e seus três filhos em 1885: Pedro, Antônio e Luís (da direita para a esquerda) – Coleção “De Volta a Luz: Fotografias Nunca Vistas do Imperador”. Instituto Cultural Banco Sales

Para isso, cumpriu a tradicional promessa que todos os devotos que solicitavam auxílio a Nossa Senhora Aparecida precisavam realizar. Varreu toda a igreja, colocando um punhado de poeira dentro do vestido.

Recentemente, em artigo publicado na Revista História da Biblioteca Nacional (RHBN, nº 80, maio 2012) – link: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/dossie-imigracao-italiana/entre-o-trono-e-o-altar, o historiador Robert Daibert Júnior relata este acontecimento:

 “uma Princesa de vassoura na mão varrendo a igreja? E ainda jogando no corpete de seu vestido o pó recolhido do chão? Apesar de estranha, a cena se passou em Guaratinguetá, em 1884. A personagem era a herdeira do trono de D. Pedro II, a princesa Isabel, que cumpria uma promessa feita anos antes à Virgem Aparecida. A graça alcançada era ter gerado filhos”.

             Além disso, a Princesa Isabel trazia em sua bagagem mais um presente à imagem da santa. Se em 1868, a devota princesa doou um majestoso manto, dessa vez a imagem ganhava uma rica coroa de ouro, a mesma que foi utilizada na coroação de Nossa Senhora Aparecida como Rainha e padroeira do Brasil, em 1904 (MOURA, 2002, p. 111).

Coroa doada pela Princesa Isabel à imagem de Nossa Senhora Aparecida

 

Em Pindamonhangaba, o casal já era esperado desde 1º de novembro, quando o jornal Tribuna do Norte (1 de novembro de 1884, p. 3) anunciava que “no dia 5 são esperados nesta cidade SS. AA. Imperiaes”. Ao chegarem à estação, foram recepcionados pela Viscondessa de Pindamonhangaba (naquela data já viúva) e que os levaram até seu palacete para descansarem rapidamente. O jornal Tribuna do Norte (9 de novembro de 1884, p. 2) noticiou a breve recepção dos príncipes, descrevendo que “na estação desta cidade os ilustres viajantes foram cumprimentados por S. Exa. a Sra. Viscondessa de Pindamonhangaba e mais pessoas de sua família”. Em suas cartas, a Princesa Isabel relata sua impressão sobre a recepção: “parada em Pindamonhangaba e em Taubaté. Acolhimento muito amigável e simpático por toda a parte” (DAUNT, 1957, p. 26).

Em Taubaté, inclusive, após a breve parada da Princesa, o fundo criado para arrecadar recursos destinados à emancipação dos escravos conseguiu bancar mais algumas cartas de alforria, como foi noticiado no jornal O Paulista (12 de novembro de 1884, p. 3): “conforme o edital que vai publicado em outro lugar deste jornal, serão entregues no dia 15 do corrente, em audiência especial, as cartas de alforria aos escravos libertos pela 4ª

quota do fundo de emancipação”. Mais alguns dias e a princesa abolicionista teria presenciado esse acontecimento.

De Taubaté, fizeram rápida parada em Caçapava e chegaram à capital da província às 5 horas da tarde. Após algumas semanas visitando igrejas, fábricas, escolas, prédios públicos e participando de bailes, saraus, jantares e demais reuniões com os nobres da capital e da região de Campinas, os príncipes seguiram “em comboio especial, para Santos, com o fim de ali embarcarem para Paranaguá” (Correio Paulistano, 28 de novembro de 1884, p. 3).

Na volta para a Corte, cerca de quatro meses depois, a Princesa Isabel, o Conde d’Eu e seus filhos passaram novamente pela região, fazendo breves paradas pelas estações das cidades e pernoitando novamente na residência do Conde de Moreira Lima.

Antiga estação de Pindamonhangaba – foto tirada nos anos finais do século XIX

Porém, em Pindamonhangaba, ocorreu um fato que demonstrou o desprezo que os titulares da região tinham pela figura da Princesa Imperial. O jornal Tribuna do Norte (13 de março de 1885, p. 3) noticiou a saia-justa pela qual os príncipes passaram na estação de Pindamonhangaba:

Passaram no dia 12 para a corte SS. AA. II. que chegado do passeio que fizeram à província do Rio Grande. Na estação, além dos empregados da companhia, nem viva alma. O trem especial em que vinham demorou-se meio minuto, e… foram-se os príncipes, com destino à Lorena, onde tinham de pernoitar em companhia do Exmo. Sr. Visconde de Moreira Lima.

 

Essa “ilustre” recepção feita pelos titulares de Pindamonhangaba parece não concordar com a “Fala do Throno” do Imperador d. Pedro II, publicada no mesmo jornal, onde o monarca, ao anunciar o regresso de sua filha e de seu genro, afirmou que o casal “tendo recebido de todas as classes mostras de estima e dedicação, o que muito me penhoram” (Tribuna do Norte, 13 de março de 1885, p.2).

Parece que nem o Barão da Palmeira, eterno incansável em tentar agradar e encantar a família Imperial, estava fora do grupo dos nobres cafeicultores que viam a Princesa Isabel como a responsável direta pelo fim da utilização da mão-de-obra escrava.

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Referências bibliográficas

DAUNT, R. G. Diário da Princesa Isabel: excursão dos Condes D’Eu à Província de São Paulo em 1884. São Paulo: Anhembi, 1957.

MOURA, C. E. M. O Visconde de Guaratinguetá: um Titular do Café no Vale do Paraíba. São Paulo: Studio Nobel, 2002.

Correio Paulistano, São Paulo, 28 de novembro de 1884.

O Paulista, Taubaté, 12 de novembro de 1884.

Santuário de Aparecida, 19 de novembro de 1921.

Tribuna do Norte, Pindamonhangaba, 1 de novembro de 1884.

Tribuna do Norte, Pindamonhangaba, 9 de novembro de 1884.

Tribuna do Norte, Pindamonhangaba, 13 de março de 1885.

[box style=’info’] Glauco de Souza Santos

glauco
É graduado pela Universidade de Taubaté, Mestrando em História Social pela Universidade de Campinas. Trabalha como Professor de História em São José dos Campos – SP.

 

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