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Certa feita, enquanto estava na cidade de São Paulo, o jovem Cesídio Ambrogi se aventurou a conhecer a editora de Monteiro Lobato. O já afamado escritor o recebeu abrindo uma de suas gavetas, retirando dela uma coleção de versinhos e sonetos. “Moço, isto é seu? Você tem um mês para me trazer material para um livro”.
Dentro do prazo Cesídio enviou ao editor o resultado do esforço. O livro Castália Sertaneja estava escrito, pronto para ser avaliado.
Lobato não exitou: “Não, moço, esse livro vai se chamar As Moreninhas, porque quem ver vai pensar que é moreninha que está aí dentro, e Castália Sertaneja ninguém sabe o que é.”
O livro As Moreninhas foi então publicado em 1923. E marcou o início de uma amizade nunca interrompida entre os dois talentos das letras.
Cesídio e Lobato foram correspondentes por toda vida. Após a morte do escritor, mesmo assediado, Cesídio nunca revelou essas cartas, por um ato de pura nobreza, que se resumia a um simples “tenho que respeitar Dona Purezinha”. Tudo o que foi descrito até aqui, e boa parte do que se segue, foi relatado por Lygia Fumagalli Ambrogi*, esposa de Cesídio.
Só muito depois da morte do marido, em 1974, é que Dona Lygia permitiu que as cartas fossem publicadas. Foi no começo dos anos 2000 que lhe fora apresentado um curioso pesquisador, até então interessado única e exclusivamente na obra de Cesídio Ambrogi. Era Pedro Rubim, para quem a obra de Cesídio precisava ser recuperada, republicada e receber novo reconhecimento. Até aí, o pesquisador pouco sabia sobre o poeta, menos ainda sobre a relação dele com Lobato.
Foi por meio do dr. Cesídio, o filho do casal Cesídio e Lygia, que Rubim soube das correspondências. “O Pedro Henrique um dia foi em casa, meu filho que é médico estava junto, e foi apenas saber se era mesmo exato que tinha carta do Monteiro Lobato. Aí eu mostrei”, narrou Lygia.
Não é exagero pensar que Cesídio foi combustível para que Lobato retornasse para Taubaté. O escritor ficara mais de duas décadas afastado da cidade natal, dado a repercussão negativa da publicação do hoje centenário “Cidades Mortas”. O livro, que relata a crise do café e a insistência dos produtores locais em investir numa produção decadente, desagradou a elite local, que não poupou o autor de críticas.
O retorno se deu “vinte e cinco anos depois, quando o filho dele morreu, tuberculoso, em Tremembé, e os inimigos daquela época já estavam mortos, ele voltou, começou a vir em Taubaté”, relata dona Lygia, emendando que ele ia muitas vezes à sua casa para encontrar Cesídio. “Monteiro Lobato não aparentava a inteligência fantástica que ele tinha”, lembrou.
As cartas motivaram a elaboração de uma série de pesquisas que formaram a base para a criação do Almanaque Urupês. E as publicações desses documentos se iniciam a partir desta postagem.
Ainda que de forma meramente introdutória, rememorar o processo de como tivemos acesso a esses documentos faz justiça à memória daqueles que os preservaram. Primeiro ao Mestre Cesídio**, que despistou até Edgard Cavalheiro, o primeiro biógrafo de Lobato, por puro respeito à Dona Purezinha. Depois à Dona Lygia, que confiou as correspondências a quem pretendia estudar não só a figura de Lobato, como também o contexto em que esses pensamentos foram produzidos, a história de uma cidade e o encontro de duas personalidades tão importantes para a história da nossa literatura.
Estas cartas fizeram nascer um projeto completo de pesquisa que integrou muitos aspectos da história de Taubaté e, consequentemente, do Brasil. Por meio deles, este Almanaque estabeleceu conexões entre pesquisadores de diferentes matizes, formando conteúdo para uma pretensa História Geral de Taubaté, aproximando-se de outros tantos pesquisadores que deram sentido à identidade local, como Paulo Camilher Florençano e Maria Morgado de Abreu, Felix Guisard Filho e Emílio Amadei Beringhs, Gentil de Camargo e Francisco de Paula Toledo.
Pesquisar e divulgar essas cartas é prestar homenagem àqueles tantos homens e mulheres que formam a nossa história.
Tudo o que começa parte de um princípio. A partir daqui, vamos, então à primeira carta entre Lobato e Cesídio Ambrogi.
O tom é meramente formal (e até frustrante para o leitor) e solene, mas de difícil compreensão. Lobato dificulta o trabalho dos paleógrafos. A transcrição é parcial, dado uma e outra palavras ilegíveis. Todavia, é um ponto de partida. É, na relação epistolar de um então editor com um cliente, o marco zero de uma amizade sincera.
Cesidio
Recebi o recente. (Ilegível)/
Christo já disse: Bem aventurados/
os pobres de espírito porque/
deles será o reino dos céus. E/
disse (ilegível) cria mto certa…/
Lobato//
Nas próximas publicações veremos a personalidade de Lobato. A revelação de sua mais sincera expressão. Um Lobato supersticioso, já que para ele “o mau olhado é fato” (carta de 16/6/1944). Um Lobato teórico da literatura e leitura. Um Lobato médico. Um Lobato utópico. Um outro Lobato cientista. E tantas outras formas de Lobato, nessa coleção de cartas.
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