Ana Rosa Kucinski nasceu em 12 de janeiro de 1942, em São Paulo (SP), filha de Majer Kucinski e de Ester Kucinski. Desaparecida em 22 de abril de 1974. Militante da Ação Libertadora Nacional (ALN).
Filha de judeus vindos da Polônia, estudou em São Paulo, no Ginásio Estadual Octávio Mendes e, posteriormente, na Universidade de São Paulo, onde se bacharelou em química em 1967. Tornou-se professora no Instituto de Química da USP. Obteve Doutorado em Filosofia também na USP em 1972. Casou-se com o físico Wilson Silva, militante da ALN, em 11 de julho de 1970.
O desaparecimento do casal
Em 22 de abril de 1974, Wilson saiu do escritório da empresa Servix com Osmar Miranda Dias, seu colega de trabalho, para fazer um serviço no centro da cidade. Por volta do meio dia, Wilson disse ao colega que voltaria para o escritório na parte da tarde, mas iria almoçar com sua esposa em um restaurante perto da Praça da República. Despediu-se e partiu ao seu encontro. Nunca mais foi visto.
Ana Rosa também saiu do trabalho rumo ao centro da cidade para almoçar com seu marido. Avisou seus colegas de trabalho sobre seus planos e saiu. Também nunca mais foi vista. Segundo seu irmão, no dia anterior ela estava muito nervosa.
A ausência de Ana Rosa na USP causou estranheza aos seus colegas, que avisaram a família Kucinski. Ao procurarem Wilson em seu trabalho, ficaram sabendo que ele também não voltara do almoço. Começaram a tomar providências para a localização do casal desaparecido.
Impetraram um habeas corpus por intermédio do advogado Aldo Lins e Silva. A medida foi rejeitada, pois o AI-5 havia abolido o habeas corpus para crimes políticos. As famílias procuraram em todos os locais de prisão na esperança de alguma notícia ou informação, mas nada conseguiram.
O cardeal Arcebispo de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, conseguiu uma audiência com o general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil do governo Geisel, em Brasília (DF) em 7 de agosto de 1974, e obteve promessas de investigação como resposta. Golbery também foi procurado a respeito por Roberto Muller, editor do jornal Gazeta Mercantil, onde o irmão da Ana Rosa trabalhava.
A Comissão de Direitos Humanos da OEA também foi acionada. O pedido de investigação, feito em 10 de dezembro de 1974, obteve como resposta do governo brasileiro apenas que não havia responsabilidade governamental alguma sobre o destino do casal.
O pai de Ana Rosa lutou incansavelmente para obter alguma informação e se tornou um símbolo da luta dos familiares. Chegou a entregar uma carta ao general Dilermando Gomes Monteiro, comandante do II Exército, mas este nunca a respondeu. As famílias pediram informações ao Departamento de Estado do governo norte-americano sobre o destino dado ao casal, que respondeu por meio da America Jewish Communitee e do American Jewish Congress.
A resposta recebida foi a de que Ana Rosa ainda estaria viva, presa em local desconhecido, mas sobre Wilson Silva nada sabiam. A última informação do Departamento de Estado foi transmitida à família em 18 de dezembro de 1974.
Em 6 de fevereiro de 1975, respondendo a requerimento feito pelos familiares sobre o paradeiro dos desaparecidos políticos, o ministro da Justiça, Armando Falcão, publicou nota oficial a respeito, na qual os nomes de Ana Rosa e Wilson Silva são citados como “terroristas foragidos”.
Anos depois, o tenente-médico Amílcar Lobo, que colaborou com o DOI-CODI do I Exército e atuou também no aparelho clandestino conhecido como Casa da Morte, em Petrópolis (RJ), após ser identificado por ex-presos políticos, resolveu falar à revista IstoÉ. Na matéria intitulada “Longe do Ponto Final” (8 de abril de 1987), contou sobre os assassinatos que presenciara na unidade militar e na Casa da Morte. Procurado pelo jornalista Bernardo Kucinski, irmão de Ana Rosa, em 31 de maio de 1987, o médico denotou reconhecer a foto de Wilson Silva como uma das pessoas atendidas por ele na Casa de Petrópolis, mas não admitiu o reconhecimento formalmente. Ao ver a foto de Ana Rosa, negou conhecê-la.
O relatório do Ministério da Marinha enviado ao ministro da Justiça, Maurício Corrêa, em dezembro de 1993, confi rma que Wilson Silva “[…] foi preso em São Paulo a 22/04/1974, e dado como desaparecido desde então”. Sobre Ana Rosa há apenas referências caluniosas, estendidas também ao seu irmão Bernardo Kucinski.
Pesquisas realizadas pela Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos nos arquivos do antigo DOPS/SP conseguiram localizar apenas uma ficha sobre Ana Rosa, em que se lê: “presa no dia 22 de abril de 1974 em SP”. Sobre Wilson Silva consta que foi “preso em 22/04/1974, junto com sua esposa Rosa Kucinski”.
Outro documento encontrado no arquivo do DOPS/SP, produzido pelo Ministério da Aeronáutica em 17 de março de 1975, encaminhando, entre outros documentos, o relatório do Serviço de Informação do DOPS/SP sobre Ieda Santos Delgado e Ana Rosa Kucinski, informa que ambas estavam envolvidas com pessoas presas ou perseguidas pela polícia.
Em requerimento à CEMDP, com base em informações de uma entrevista de 1993 não pu
blicada do agente da repressão José Rodrigues Gonçalves a Mônica Bérgamo, da revista Veja, seu irmão Bernardo Kucinski prestou os seguintes esclarecimentos sobre as tentativas de localizar sua irmã e seu cunhado:
Minha irmã e seu marido Wilson Silva foram presos na tarde do dia 22 de abril de 1974, pelo agente do DOI-CODI de codinome Paulo da Silva Júnior, quando voltavam para sua residência.
O verdadeiro nome desse agente é José Rodrigues Gonçalves, cabo reformado do Exército.
Minha irmã e meu cunhado foram levados na madrugada do mesmo dia para Petrópolis pelos policiais Ênio Pimentel da Silveira e Sérgio Paranhos Fleury, ambos já mortos.
O Sr. Paulo Sawaya, na condição presumida de agente do serviço de repressão, informou-me, em 3 de janeiro de 1975, que minha irmã efetivamente havia sido presa pelos órgãos de segurança em São Paulo e transferida da jurisdição do II Exército.Ficou de me dar detalhes no dia seguinte, quando, assustado, negou tudo. O Sr. Paulo Sawaya tornou-se assessor do deputado federal Delfim Neto.
Segundo testemunho de Bernardo publicado no livro Desaparecidos Políticos:
A morte já é um sofrimento suficiente, por assim dizer. Um sofrimento brutal. Agora, a incerteza de uma morte, que no fundo é certeza, mas formalmente não é, é muito pior.
Passam-se anos até que as pessoas comecem a pensar que houve morte mesmo. E os pais, principalmente, já mais idosos, nunca conseguem enfrentar essa situação com realismo.
Ele declarou, também à revista Veja, que a família foi extorquida em 25 mil cruzeiros em troca de informações, que se mostraram falsas.
De acordo com a entrevista de Marival Dias Chaves do Canto, ex-sargento e ex-agente do DOI-CODI/SP, em reportagem de Expedito Filho na revista Veja, de 18 de novembro de 1992: “A partir de 1973, Jota [João Henrique Ferreira de Carvalho]delatou todos os comandos da ALN. Foi por causa do seu trabalho que Wilson Silva e sua mulher, Ana Rosa Kucinski, foram torturados e mortos”2. Em outra parte da entrevista ele afi rmou: “Foi o caso também de Ana Rosa
Kucinski e seu marido, Wilson Silva. Foram delatados por um “cachorro” [ou seja, por um ex-militante que prestava serviço aos órgãos da repressão política durante a ditadura como agente infiltrado], presos em São Paulo e levados para a casa de Petrópolis. Acredito que seus corpos também foram despedaçados”. De acordo com o ex-sargento, na Casa de Petrópolis a prática de ocultação dos corpos era executada por esquartejamento.
Em julho de 1995, o processo de desligamento por abandono de cargo, movido pela USP, contra Ana Rosa foi anulado, pois ela foi reconhecida como desaparecida política.
Os nomes de Ana Rosa e Wilson constam da lista de desaparecidos políticos do anexo I da lei 9.140/95. Na CEMDP, seus casos foram protocolados com os números 036/96 e 178/96, respectivamente.
Em homenagem a Ana Rosa Kucinski e Wilson Silva, seus nomes foram dados a ruas na cidade de São Paulo. A cidade do Rio de Janeiro também deu o nome de Ana Rosa a uma de suas ruas. Ana Rosa foi homenageada ainda com a criação da Associação Atlética Acadêmica Ana Rosa Kucinski (AAAARK) do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, em 15 de junho de 1988, pelos ex-diretores esportivos do Centro de Estudos Químicos Heinrich Rheinboldt. No site da associação, há o seguinte depoimento de um de seus colegas:
[…] Numa manhã de trabalho habitual, Ana Rosa não apareceu. Procurada não a encontramos. Continuava não aparecendo, continuávamos a procurá-la e não a encontrávamos.
Nada mais normal que comunicar então o fato às autoridades e aguardar a versão oficial. Daqui para frente é difícil continuar a história. Não houve versão oficial que nos deixasse tranqüilos, muito pelo contrário, ficamos mais intranqüilos ainda.
Ana Rosa continua desaparecida. Quem sabe um dia, pelo menos seu corpo apareça para a última homenagem dos seus pais, irmãos e amigos.
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