Renato Teixeira: Cesidio Ambrogi, você!
“…a poesia dessas praias alvas e serenas, sombreadas de caminhos; o abafado marulhar das ondas pelas areias; tudo isso fariam bem e fariam mal ao seu espírito emocional”
Esse é o trecho de uma carta que minha tia Edith Teixeira escreveu de Ubatuba no comecinho do ano de 1936 para Cesidio Ambrogi, numa evidente rota de paquera com o ilustre poeta taubateano a quem ela se refere como DD. Lente do Gymnasio do Estado.Ela encerra a linda missiva se dizendo “agradecida pelos votos de felicidade em 1936, retribuo rogando a Santa Therezinha que reparta aquelas bênçãos; metade pra mim…”
Da carta que Cesidio enviou para Edith, não se tem notícia; mas que estava rolando um certo “clima” entre eles, disso eu não tenho dúvida. Tanto que ela começa a cartinha dizendo de sua felicidade por ter recebido a dele, postada em 26 de dezembro de 35 e recebida dia primeiro de janeiro de 36. Edith confessa sua felicidade ao recebê-la na paz silenciosa da cidade morta (Ubatuba de então) e no recolhimento modesto do seu lar, a inesquecível casa de minha avó Paula e de meu avô Jango.
Cesidio usou um poema do Vicente de Carvalho para seduzir a sensível donzela ubatubana que, além de cantar e tocar com grande competência, possuía um texto qualificado. “Tu moça, eu quase velho…”, diz o poema de Carvalho. Edith comenta que “ouvira dizer que os poetas não envelheciam, que eram como as roseiras que quanto mais velhas mais florescem, mais encantam, mais perfumam.”
Não sei como essa história acabou, mas minha tia, que já havia namorado Guilherme de Almeida, o príncipe dos poetas que foi delegado de polícia em Ubatuba, morreu solteira.
Por sua vez, Cesidio construiu sua lenda na terra de Lobato como poeta, jornalista e professor. Suas aulas de português permeadas por mentiras descaradas são parte da história afetiva de muitas gerações. Meu pai foi seu aluno e posteriormente fiquei sabendo que os Ambrogi tinham lá um certo parentesco com os Simonetti, que haviam se agregado à família Teixeira, enfim… posso dizer que tenho um parentesco afetivo com o mestre.
Mas minha relação com o inesquecível professor não passa por nenhuma de outras circunstâncias que por ventura poderiam ter nos aproximado. Minha relação com ele é profundamente poética. Nunca trocamos palavra e nem sei direito como ele soube de minha existência; a saudosa dona Ligia me disse certa vez que ele sabia sim que eu aprendera a rimar através de sua coluna, na Tribuna, e também recolhendo casos onde ele era sempre o personagem diferenciado, o protagonista. Mas nunca nos falamos.
Adoro aquela história de Cesidio com seu amigo Lobato. Ele tinha informações de que o glorioso escritor taubateano estava sendo indicado por seus pares para ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras; Cesidio então resolve encomendar um fardão para o amigo usar no dia da posse. Lobato reclamou dizendo que, pelo fato de serem amigos íntimos, o menestrel da rua Visconde do Rio Branco deveria saber que ele jamais aceitaria ser um imortal da Academia.
Poetas como Cesidio são fundamentais nas comunidades onde atuam. Seus poemas são belos, envolventes e profundamente sarcásticos na maioria das vezes. Num deles, por exemplo, ele diz “que Deus é bom porque mesmo com os pés presos à lama da terra, o criador permitia que ele vivesse com a cabeça entre as estrelas”. Adoro esse poema.
Minha admiração era um evidente caso de amor cultural. Sentia uma satisfação intelectual muito agradável quando, silenciosamente, nos cruzávamos. Eu já trabalhava na Rádio Cultura e da minha casa, no Jardim Russi, até a Rádio, eu passava em frente a residência azul e branca do professor poeta e ele sempre estava lá, na frente de uma máquina de escrever e com aquele jaleco branco de dar aula. A cabeleira era imensa e branquinha como é a minha, hoje em dia. Quando eu ia me aproximando da casa dos Ambrogi, tirava uma linha transversal do outro lado da calçada até a janela e ia atravessando a rua de viés e o mais lentamente possível para poder vê-lo por mais tempo.
Logicamente, Cesidio teria que fazer parte do meu repertório musical e foi assim que eu compus a canção “Cesidio Ambrogi, Você”.
(ouça um trecho da música)
Lá vai a letra…
Cesidio Ambrogi, você!
Príncipe dos sonhos
Domador de versos
Amigo leal da emoção
Dentro do seu peito
Uma voz suave
Canta mansamente uma canção
Cesidio Ambrogi, você
Faz com que minha cabeça
Viva entre as estrelas
Muitos trovadores
Vão aparecer
Mas nenhum fará como você
Basta uma trova
Basta uma mentira
Pra fazer a vida acontecer…
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Publicado originalmente na edição 562 do Jornal CONTATO
Cesídio Ambrogi, você é parte integrante do CD Renato Teixeira Canta Taubaté, lançado pelo Jornal Contato em 2012